Já era esperado, mas a definição do adiamento do capítulo paquistanês do Fórum Social Mundial 2006, que deveria ocorrer de forma policêntrico na Venezuela (Caracas), Mali (Bamako) e Paquistão (Karachi), foi tomada apenas na semana passada pelo Comitê Nacional e pelo Comitê Organizador (CO) do FSM 2006 em Karachi. O que pesou nesta decisão, segundo os paquistaneses, foi toda a conjuntura nacional pós-terremoto que arrasou o Sul da Ásia no mês passado.

Segundo o informe do secretário do Comitê Paquistanês, Irfan Mufti, o principal problema para a realização do evento – que já conta com a inscrição de 238 atividades até o momento -, além da dedicação dos esforços ao socorro às vítimas do terremoto e à reconstrução do país por grande parte das organizações participantes do FSM, é a captação de recursos. “Foi informado que o número de doadores (tanto indivíduos quanto organizações) que haviam se comprometido a financiar o evento antes do terremoto foi reduzido, uma vez que a maioria desses recursos foi agora destinada ao socorro às vítimas e aos trabalhos de reconstrução”, diz o relatório de Mufti.

Apesar de depender de uma avaliação final do Conselho internacional do FSM e de seu Conselho Asiático, a realização do evento deve ser adiada, segundo as previsões dos organizadores, em pelo menos dois meses. Um Fórum Social Paquistão de dois dias deve ocorrer na cidade de Lahore em 23 e 24 de janeiro, de para discutir essas questões.

Reconstrução

De acordo com a última reunião do comitê organizador de Karachi, a secretaria do FSM no país continuará ativa, mas, no próximo período, passará a “observar e monitorar a ajuda vinda para a reconstrução” em função de graves denúncias de desvios e falta de transparência na aplicação da ajuda humanitária. Também deve acompanhar de perto a ação dos militares e a perspectiva de fortalecimento de sua intervenção no país.

Por outro lado, o secretariado paquistanês decidiu formar um comitê de trabalho para ajudar o Fórum a “contribuir no socorro e na reconstrução [do país], especialmente na preparação de novos abrigos com a assistência das organizações participantes e outros apoiadores”.

Concomitantemente, os trabalhos de organização burocrática e estrutural do FSM de Karachi devem continuar normalmente nos setores de mobilização, inscrições para o evento e “outros debates essenciais para a manutenção da organização e para que não haja nenhuma quebra ou intervalo”.

Já em Caracas...

Confirmando a tendência de “centro” do FSM policêntrico de 2006, a Venezuela, se depender do esforço de várias lideranças internacionais ligadas à Rede de Movimentos Sociaisdo FSM, poderá contar pela primeira vez em uma edição do Fórum com a participação de membros do movimento zapatista mexicano, cuja insurgência em 1994 inspirou grande parte do movimento altermundista que culminou no FSM em 2001.

Em carta enviada ao Exercito Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e às “comunidades zapatistas”, lideranças de movimentos sociais e intelectuais, como João Pedro Stédile pelo MST e Via Campesina, o premio Nobel da Paz argentino, Adolfo Pérez Esquivel, o sociólogo belga François Houtart, pelo Fórum Mundial das Alternativas, Rafael Freire, dirigente da CUT, pela Aliança Social Continental, o cientista político belga Eric Toussaint, pelo Comitê para a Abolição da Dívida do Terceiro Mundo, entre outros formalizaram um convite à participação do evento em Caracas para “trabalhar juntos pela construção desse mundo onde caibam todos os nossos mundos, com nossas diferenças mas com um mesmo compromisso”.

Segundo Nalu Faria, coordenadora da Marcha Mundial de Mulheres no Brasil, a idéia dos convocantes foi reforçar o grau de mobilização dos movimentos sociais da América Latina para ampliar a correlação de forças contra o projeto dos EUA para a região, esforço para o qual a participação do movimento zapatista seria fundamental. “Até a última sexta (18), quando nos reunimos, ainda não tivemos resposta. Estamos no aguardo”, diz Nalu.

Apesar de ter sido convidado outras vezes pela organização do Fórum, a participação dos zapatistas no processo FSM nunca ocorreu de forma presencial – o Subcomandante Marco, liderança mais conhecida do movimento, já enviou anteriormente notas de apoio aos seus participantes.

Desta vez, avaliam os movimentos, pode ser diferente. “A América Latina, como vocês sabem, se encontra em uma emergencia em duplo sentido. Por um lado, pela ofensiva econômica, cultural e militar implacável dos Estados Unidos, que procura submeter o continente completo a seus desígnios e interesses; por outro, pela insurgência dos povos, dos quais somos parte, que defendem seu território, formas de vida e autodeterminação. (...) Sabemos, como vocês, que, se esta guerra for perdida, já não haverá uma próxima guerra que lutar”, diz a carta. E termina: “na Venezuela precisamos de vocês”.

O processo da CMSI

Todo o processo da CMSI durante esses cinco anos (a proposta inicial foi em 2000) contribuiu enormemente para tornar públicos importantes conceitos e ações relativas à inclusão social e o desenvolvimento humano.

A CMSI contribuiu para ampliar a consciência pública da importância da inclusão digital para o desenvolvimento humano. Trouxe a público a necessidade de criar mecanismos de apoio aos países menos desenvolvidos para a utilização adequada e eficaz das novas tecnologias, e finalmente disseminou o entendimento de que a governança mundial da Internet é necessária, importante e inevitável até para que se preservem as conquistas de comunicação, liberdade de expressão e conhecimento que a Internet nos trouxe.

Hoje estão conectados 1 bilhão, mas somos mais de 6 bilhões — há ainda um longo caminho a percorrer para disseminar os benefícios das novas tecnologias. Mas a CMSI conseguiu levantar os problemas e as possíveis soluções para que se percorra esse caminho da universalização do acesso e da democratização efetiva dos benefícios da chamada "sociedade da informação".

No aspecto específico da governança da Internet, também houve avanços inegáveis, apesar da extrema resistência dos EUA. Não se conseguiu ainda definir um mecanismo mundial de coordenação da rede, mas um fórum mundial continuará a tarefa de discutir o assunto e formular propostas. Ao mesmo tempo, a própria ICANN foi forçada a reconhecer que a situação atual de dependência declarada a um só governo não pode continuar, e se discutem internamente as alternativas de transição. Como diz o professor Milton Mueller, ICANN não saiu desse processo ilesa.

Além da explicitação da dependência ao governo de um só país (EUA), o debate entre os governos e a sociedade civil, bem como as deliberações do novo fórum, continuarão a buscar formas de internacionalizar efetivamente todo o sistema de governança. E no final do longo processo da CMSI, a União Européia aderiu firmemente à visão da importância dessa internacionalização. A própria ICANN será chamada a aprofundar a participação dos governos para facilitar o estabelecimento dos princípios de política pública na administração dos recursos da Internet.

As entidades civis que participaram do processo desde o início (particularmente a partir de Bávaro) tiveram um papel crucial ao contribuir para os resultados já mencionados. Mesmo com as limitações de custos (que prejudicaram em muito a presença de organizações de países menos desenvolvidos nos debates), essa foi uma importante demonstração da importância do pluralismo em processos como este. Como nada é perfeito, a sociedade civil não conseguiu ainda fechar uma posição sobre a supervisão política da governança da Internet, mas o próprio fórum que acaba de ser criado pela CMSI deverá aprofundar em muito esse debate.

Carlos Afonso é diretor de planejamento da Rede de Informações para o Terceiro Setor – Rits. ca@rits.org.br http://www.rits.org.br