A presença de cerca de 400 militares estadunidenses em solo paraguaio já é um fato. A grande questão, contudo, é o que eles pretendem fazer - e o que farão - por lá. Em maio desse ano, o governo do Paraguai firmou acordo (aprovado posteriormente pelo parlamento) com os EUA que previa exercícios e intercâmbios militares em seu território até dezembro de 2006.
No entanto, certamente, a atuação militar dos EUA no Paraguai não é de hoje. É o que afirma Alberto Buela, vice-presidente da Fundação Centro de Estudos Estratégicos Sul-Americanos (CEES), com sede na Argentina: "De acordo com nossas próprias fontes e com dados recolhidos pessoalmente por nós na capital, Assunção, os EUA já estavam estabelecidos clandestinamente desde 1999 na região do chaco paraguaio". Trata-se da base de Mariscal Estigarribia, localizada na província de Boqueronen, no oeste do país. Com apenas 3 mil habitantes, a localidade está situada a 250 quilômetros da Bolívia e seu gás natural e conta com pista de aterrissagem de 3800 metros de extensão, o que permite o pouso de aviões de grande porte.
De acordo com o CEES, o desembarque dos 400 militares estadunidenses teria como objetivo a ampliação desta base (que poderia abrigar 16 mil homens) e sua transformação em instalação militar permanente dos EUA na região - o que permitiria, segundo Buela, uma "intervencão rápida em metade dos países sul-americanos: Paraguai, Brasil, Bolívia, Argentina e Uruguai".
Imunidade
Outra grande preocupação é o status que as tropas estadunidenses gozam com a assinatura do acordo. Desde que chegaram ao Paraguai, os militares dos EUA são considerados funcionários diplomáticos administrativos, o que lhes confere uma séries de benefícios. Entre eles, a possibilidade de entrar e sair do país quando quiserem, transportar armas e equipamentos sem que as autoridades locais possam confiscá-los e a imunidade em relação a danos que venham a causar à saúde da população e ao meio ambiente.
Após conversa com a chanceler do Paraguai, Leila Rachid, durante a 60ª Assembléia da Organização das Nações Unidas, o ministro Celso Amorim (das Relações Exteriores) declarou à imprensa ter ficado tranqüilizado com as explicações da colega que, segundo ele, "garantiu que não há base alguma. São ações de treinamento, ações humanitárias no campo da saúde". Anteriormente, Amorim havia pedido maior transparência dos paraguaios.
As explicações, no entanto, não convenceram os analistas ouvidos pelo Brasil de Fato. Segundo eles, o objetivo dos EUA com a presença no Paraguai é desde aumentar sua influência em um continente cada vez mais rebelde até cercar áreas de grande potencial energético (gás, petróleo e água), com uma possível intervenção militar no futuro. Para Carlos Pereyra Mele, secretário de interior do CEES, desde o fim da União Soviética, as nações centrais impuseram novas formas de beneficiar seus interesses e o de suas transnacionais.
"Neste novo jogo, volta a surgir a geopolítica pura, em detrimento da que estava estabelecida pelos conflitos ideológicos. Neste contexto, os EUA põem em ação um novo sistema de controle de alcance mundial, baseado principalmente na distribuição estratégica de suas bases pelo mundo", diz.
Cerco ao Brasil
No caso das bases instaladas na América do Sul, o alvo principal do governo estadunidense seria o Brasil. Para Mele, levando-se em conta suas bases militares no Equador, Peru, Venezuela, Colômbia e Guiana, observa-se que "se estabelece um cerco em torno do Brasil e próximo às suas fontes de recursos renováveis e não renováveis". O brigadeiro Sérgio Ferolla, ex-ministro do Superior Tribunal Militar, concorda: "Veladamente ou não, é uma coação. Eles sabem que, por mais que nosso governo seja entreguista na economia, na política externa o Itamaraty está desempenhando um papel muito importante. E eles não aceitam. Já que não se consegue pela diplomacia, consegue-se pela força".
O cientista político Theotônio dos Santos acredita que a estratégia militar estadunidense é independente do aspecto geopolítico, que poderia ser contemplado através de outros meios. Para ele, o objetivo principal dos EUA é criar as condições para uma futura operação militar na região. O alvo? Uma das maiores reservas de água doce do mundo - o ouro azul -, o Aqüífero Guarani, reservatório subterrâneo gigante compartilhado por Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai. "Não é uma estratégia de ação militar, e sim de ir garantindo posições para uso mais ativo no futuro. Militarmente, trabalha-se com antecedência de 30, 40 anos. Às vezes até mais", diz.
Brasil de Fato
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