Como fazer com que o acesso aos recursos genéticos da biodiversidade brasileira seja feito de forma ambientalmente sustentável e seus benefícios repartidos de forma socialmente justa entre os cidadãos?
O reconhecimento da sociodiversidade é inseparável da conservação da biodiversidade. O manejo, os fluxos e os intercâmbios de recursos biológicos e genéticos e os conhecimentos associados a eles, determinados pelas pautas e valores culturais tanto dos povos indígenas, quanto de segmentos do campesinato, como também de imigrantes, têm sido uma base fundamental do processo de conservação e criação da biodiversidade, como tem acontecido na Amazônia.
A noção de um mercado aberto, sem barreiras como condição e motor da sustentabilidade está citada na Convenção da Biodiversidade e na Agenda 21. Dois problemas se apresentam nesta teoria: o mercado se interessa por produtos e não por ecossistemas; o tempo das suas estratégias não se compatibiliza com o tempo da manutenção ambiental.
As empresas de biotecnologia mais parecem empreender uma corrida aos garimpos genéticos antes que acabem. A artificialização e a homogeneização das sementes e mais recentemente, com a imposição crescente, por parte dos grandes monopólios, das sementes transgênicas provocam a erosão genética e uma nova forma de poluição - a poluição genética - com sérios danos ao meio ambiente.
Como a mesma Agenda 21 afirma que a promoção do crescimento econômico, sustentado e sustentável, faz parte do combate à pobreza, poderíamos deduzir que se supõe que o mercado garanta que os benefícios do acesso aos recursos genéticos da biodiversidade serão repartidos de forma socialmente justa.
Não é o que podemos constatar em geral. O mercado continua tendo como referência principal a distribuição de dividendos aos acionistas das empresas. Sem uma intervenção independente do Estado, a economia de mercado, por si só, hoje como no Século XIX, não será capaz de gerar maior igualdade.
O reconhecimento pela Convenção da Biodiversidade dos países sobre seus recursos genéticos significa tão somente o direito de negociá-los, não de os subtrair às regras do mercado tais como definidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). A evolução do trabalho legislativo no Brasil, nestes últimos anos, parece reforçar, salvo raras exceções, essa tendência. A Lei das Patentes (Lei n. 9.279/96), que regula a propriedade industrial e a Lei de Cultivares (Lei n.9.456/97), que cria direitos de propriedade intelectual sobre variedades comerciais de plantas, reforçaram a submissão dos recursos biológicos e genéticos à lógica do mercado.
Medidas provisórias, tais como a MP nº 2052/2000, que regula o acesso ao patrimônio genético em favor das empresas, atropelam os Projetos de Lei em debate, como a lei de Acesso aos Recursos Genéticos e o Estatuto do Índio. A abertura do mercado brasileiro às sementes e produtos transgênicos, “empurrada” pelo legislativo e pelo executivo, em particular pelos Ministérios da Agricultura e de Ciência e Tecnologia, é exemplar do modo como prevalecem interesses empresariais, e, no caso, antes de tudo das empresas transnacionais. É bastante reveladora a criação apressada, pela Medida Provisória 2.137 de 28 de dezembro de 2000, da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), atribuindo-lhe poderes que tendem a ferir a Constituição.
Desde 10.000 anos atrás, as sementes agrícolas foram produzidas e melhoradas por gerações de camponeses através do mundo, bem como gerações de sábios indígenas aprenderam a selecionar e manipular ervas medicinais. A detenção do conhecimento desses recursos deveria garantir um direito coletivo, mas a legislação não atribui valor a esse trabalho e não o reconhece. A proposta substitutiva do deputado Luciano Pizzatto ao projeto de lei No 2.057/91 que institui o Estatuto do Índio, na mesma linha, não reconhece os direitos coletivos dos povos indígenas.
Cabe remarcar alguns avanços e inovações.
A Carta de São Luiz, documento de conclusão do encontro de Pagés, iniciativa de lideranças indígenas, apoiada pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial e da Funai, que será entregue à Organização Mundial de Propriedade Industrial, destaca um conjunto de propostas para a discussão nacional e internacional de mecanismos de proteção ao conhecimento tradicional associadas aos recursos genéticos no país e formas de repartição de benefícios decorrentes de sua utilização. Sobretudo quando as grandes monoculturas avançam nos cerrados e em direção à Amazônia, apoiadas pelas forças conservadoras do Congresso, tentando a todo custo modificar a legislação florestal em seu favor, ao propor a diminuição dos percentuais de áreas de preservação obrigatória.
Também as Casas de Sementes comunitárias espalhadas pelo país são verdadeiras "feiras de diversidade" para troca de material genético A conservação de amostras nos centros de recursos fitogenéticos é iniciativa importante, que merece ser expandida tanto no âmbito da Embrapa, quanto fora dela, pela implantação de um sistema direto de intercâmbio com agricultores.
No campo da diversificação dos sistemas produtivos, destacam-se as iniciativas de projetos dos sistemas agroflorestais (SAFs), implementadas com base no princípio da sucessão vegetal e com a incorporação de concepções e práticas agroecológicas. As experiências de manejo comunitário da madeira, em que pesem as dificuldades, constituem-se de modo inovador. Ainda entre as propostas de manejo florestal há que se destacar a implantação no Brasil do Forest Stewardship Council (FSC), que pode contribuir para disciplinar a extração da madeira e a expansão da monocultura do eucalipto e pino, condicionando-na aos interesses sociais e ambientais.
A instituição do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) tem também um importante significado, especialmente se fizer parte da estratégia de conservação da biodiversidade e estabelecimento de sistema de informações e monitoramento das unidades de conservação.
Na mesma direção, na Amazônia e na Mata Atlântica, aponta o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais, através de seu componente Projetos Demonstrativos (PDAs). Em 1996, a Secretaria de Coordenação da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente, com o apoio das organizações de extrativistas, criou o Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo (Prodex), para o financiamento do agroextrativismo.
A partir de uma iniciativa do movimento sindical dos trabalhadores rurais na Amazônia, começa a tomar corpo, em 2001/2002, o Programa de Créditos Ambientais para a Amazônia (Pró-ambiente). Esta proposta de crédito assegura a compensação pelos serviços ambientais prestados pela produção familiar, dentre os quais se insere a conservação da biodiversidade. Ela inclui um Fundo Ambiental e um Fundo de Apoio Técnico.
A título de conclusão cabe incentivar os fóruns de debate da sociedade civil, de modo a redefinir programas e políticas, como ponto de partida para a conservação da biodiversidade genética, de espécies, de ecossistemas. Supõe, por exemplo, incorporá-la de forma explícita em todos os instrumentos de ordenamento territorial e de gestão ambiental, tais como corredores de biodiversidade, zoneamento econômico-ecológico, planos diretores de ordenamento territorial e gerenciamento de bacias hidrográficas.
A realização da Reforma Agrária em consonância com as características ambientais dos vários ecossistemas e formas tradicionais de uso da terra, a demarcação das terras indígenas e o fortalecimento do Sistema de Unidades de Conservação devem ser parte constitutiva e base das estratégias da macropolítica.
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