Quando o vento provocado pela pás do helicóptero fez voar o boné de um Marine que monta guarda, Donald Trump agarra-o e coloca-lho sobre a cabeça.

Este artigo segue-se a «Como se posiciona Donald Trump ?», por Thierry Meyssan, Rede Voltaire, 19 de Junho de 2018.

O problema

Em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, Lenine analisava as razões que conduziram ao confronto entre os impérios da sua época. Ele escreveu então: O Imperialismo, fase superior do capitalismo. Neste obra, precisava assim o seu pensamento: «O imperialismo é o capitalismo chegado a um estadio de desenvolvimento onde se afirmou a dominação dos monopólios e do capital financeiro, onde a exportação dos capitais adquiriu uma importância de primeiro plano, onde começou a partilha do mundo entre os trusts internacionais e onde se completou a partilha de todo o território do globo entre os maiores países capitalistas».

Os factos confirmaram a lógica da concentração do capitalismo que ele descrevia. Num século, ela substituiu os precedentes por um novo império : «A América» (não confundir com o continente americano). À força de fusões-aquisições, algumas sociedades multinacionais deram origem a uma classe dirigente global que podemos ver a comemorar todos os anos na Suíça, em Davos. Estas pessoas não servem os interesses do povo norte-americano e não são, aliás, necessariamente norte-americanos, mas instrumentalizam os meios do Estado federal dos EUA para maximizar os seus lucros.

Donald Trump foi eleito Presidente dos Estados Unidos com a promessa de regressar ao estadio anterior do capitalismo, o do «sonho americano» pela livre concorrência. Pode-se, é certo, postular a priori, como Lenine, que essa recuperação é impossível, mas, entretanto, o novo Presidente comprometeu-se com essa via.

O cerne do sistema capitalista imperial é expresso pela doutrina do Pentágono, formulada pelo Almirante Arthur Cebrowski: o mundo está, de momento, dividido em dois. De um lado, Estados desenvolvidos e estáveis, do outro Estados ainda não integrados na globalização imperial e, portanto, votados à instabilidade. As forças armadas dos EUA têm por missão destruir as estruturas estatais e sociais das regiões não-integradas. Desde 2001, elas tem pacientemente destruído o «Médio-Oriente Alargado» e aprestam-se hoje para fazer o mesmo na «Bacia das Caraíbas».

Constata-se, forçosamente, que a maneira como o Pentágono apreende o mundo se apoia nos mesmos conceitos utilizados por pensadores anti-imperialistas como Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi ou Samir Amin.

A tentativa de solução

O objectivo de Donald Trump consiste pois, ao mesmo tempo, em reinvestir os capitais transnacionais na economia dos EUA e reconduzir o Pentágono e a CIA da sua actual função imperialista para a da Defesa Nacional. Para o conseguir, ele tem de se retirar dos tratados comerciais internacionais e dissolver as estruturas intergovernamentais que fixam a antiga Ordem.

Desfazer os tratados comerciais internacionais

Logo nos primeiros dias do seu mandato, o Presidente Trump retirou o seu país do Acordo de Parceria Trans-Pacífico, que ainda não tinha sido assinado. Este tratado comercial havia sido concebido, no plano estratégico, para isolar a China.

Não podendo anular a assinatura do seu país de tratados em vigor, como o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA- ndT), ele começou a descontruí-los impondo diversas tarifas alfandegárias que violam o espírito, mas não a letra dos mesmos.

Reenquadrar ou dissolver as estruturas intergovernamentais

Relatamos isso frequentemente aqui, as Nações Unidas já não são um fórum para a paz, antes um instrumento do imperialismo dos EUA ao qual alguns Estados continuam a resistir. Já era o caso durante a política soviética da cadeira vazia (Guerra da Coreia) e é-o de novo desde Julho de 2012.

O Presidente Trump atacou directamente as duas principais ferramentas imperialistas no seio da ONU: as operações de manutenção da paz (que se substituíram às missões de observação previstas originalmente pela Carta) e o Conselho de Direitos do Homem (cuja única função é a de justificar as guerras humanitárias da OTAN). Ele desviou o orçamento das primeiras e retirou o seu país do segundo. Ao contrario, acaba de perder a eleição do director da Organização Internacional para as Migrações, deixando, de momento, o campo livre ao tráfico mundial de seres humanos. Não se trata para ele, evidentemente, de destruir a ONU mas, antes, de a reenquadrar para a levar de volta à sua função original.

Ele acaba de torpedear o G7. Este encontro, inicialmente previsto para trocar pontos de vista, tornara-se, a partir de 1994, uma ferramenta de dominação imperial. Em 2014, transformou-se num instrumento anti-Russo; em consonância com o que se tornara a nova estratégia dos anglo-saxões visando «ceder no acessório para conservar o essencial», quer dizer, evitar uma Guerra mundial delimitando o império às fronteiras da Rússia e isolando esta. O Presidente Trump empenhou-se durante a reunião de Charleroi em mostrar aos seus desamparados aliados que já não era mais seu suserano e que eles deveriam safar-se sozinhos.

Por fim, depois de ter tentado usar a França para dinamitar a União Europeia, virou-se para a Itália, aonde enviara Steve Bannon para criar um governo anti-sistema com a ajuda de bancos dos EUA. Roma já fez uma aliança com cinco outras capitais contra Bruxelas.

Reinvestir na economia produtiva

Por meio de diversas medidas tributárias e aduaneiras, raramente votadas pelo Congresso e as mais das vezes tomadas por decreto, o Presidente Trump encoraja as grandes empresas do seu país a repatriar as suas fábricas (usinas-br) para o país. Seguiu-se de imediato uma retoma económica, que é praticamente a única coisa que a imprensa lhe credita.

No entanto, estamos muito longe de constatar um recuo do Financismo. Provavelmente este continua a prosperar fora dos EUA, sugando, pois, as riquezas do resto do mundo.

Reorientar o Pentágono e a CIA

Isto é, evidentemente, o mais difícil. Aquando da sua eleição, o Presidente Trump recolheu os votos dos praças, mas não os dos oficiais superiores e generais.

Donald Trump entrou na política a 11 de Setembro de 2001. Ele contestou imediatamente a versão oficial dos acontecimentos. De seguida, mostra-se espantado com as contradições do discurso dominante: enquanto os Presidentes Bush Jr. e Obama declararam querer eliminar os movimentos jiadistas, observamos, pelo contrário, uma multiplicação drástica e uma globalização do jiadismo durante os seus mandatos, indo até à criação de um Estado independente no Iraque e na Síria.

Foi por isso que, desde a sua entrada em funções, o Presidente Trump se rodeou de oficiais gozando de uma reconhecida autoridade o seio das tropas. Era para ele a única opção, tanto para prevenir um golpe Estado militar como para se fazer obedecer nas reformas que desejava empreender. Depois, deu carta branca aos militares, no seu conjunto, para tudo o que concerne a táctica no terreno. Por fim, ele não perde nenhuma ocasião para reafirmar o seu apoio às Forças Armadas e aos Serviços de Inteligência.

Depois de ter retirado o seu lugar permanente ao Presidente dos Chefes de Estado-maior e ao Director da CIA no seio do Conselho de Segurança Nacional, ele ordenou a paragem do apoio aos jiadistas. Progressivamente, viu-se a Alcaida e o Daesh (E.I.) perder terreno. Esta política prossegue hoje com a retirada do apoio dos EUA aos jiadistas no sul da Síria. Agora, estes já não conseguem organizar exércitos privados, mas apenas grupos dispersos utilizados para acções terroristas pontuais.

Na mesma linha, primeiro ele fingiu renunciar à dissolver a OTAN, se esta aceitasse acrescentar à sua função anti-Russa uma função anti-terrorista. Agora, começa a mostrar à OTAN que ela não dispõe de privilégios eternos, como se viu com a recusa em conceder um visto especial a um antigo Secretário-geral. Acima de tudo, ele começa a cortar a sua função anti-Russa. Assim, ele negoceia com Moscovo o cancelamento das manobras da Aliança na Europa de Leste. Por outro lado, assume actos administrativos atestando a recusa dos Aliados em contribuir, ao nível dos seus meios, para a defesa colectiva. Desta forma, prepara-se para fazer implodir a OTAN assim que o julgar conveniente.

Este momento chegará apenas quando a desestruturação das relações internacionais acontecer em simultâneo com concretização das acções na Ásia (Coreia do Norte), no Médio-Oriente Alargado (Palestina e Irão) e na Europa (U.E.).

O que deve ser retido
 O Presidente Trump não é, de modo nenhum, o personagem «imprevisível» que nos descrevem. Muito pelo contrário, ele age de maneira perfeitamente reflectida e lógica.
 Donald Trump prepara uma reorganização das relações internacionais. Esta mudança passa por uma reviravolta súbita e completa, dirigida contra os interesses da classe dirigente transnacional.

Tradução
Alva