Há já três semanas, segundo a polícia, agricultores com pelo menos 1. 000 tractores manifestam-se contra a política da UE em Bruxelas.

O desespero e a cólera dos agricultores europeus

Em toda a Europa Ocidental e Central, os agricultores manifestam-se. Primeiro foi na Holanda, na Itália, na Suíça e na Roménia, agora em Espanha, França, Alemanha e Polónia. Esta “jacquerie” (revolta da plebe-ndT) à escala continental levanta-se contra a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia.
Aquando da assinatura do Tratado de Roma, instituindo a Comunidade Económica Europeia, em 1957, os seis Estados fundadores (Alemanha Ocidental, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos) aceitaram o princípio da livre circulação de mercadorias. Assim, eles proibiram entre si qualquer política agrícola nacional.

A fim de garantir rendimentos aos agricultores, colocaram em prática, portanto, uma política agrícola comum. Dependendo dos Estados-Membros, uma ajuda da União Europeia é paga às regiões que a distribuem aos agricultores ou directamente aos operadores (como em França). Este é o « Primeiro Pilar ». Além disso, a Comissão Europeia determina as normas de produção a fim de melhorar a qualidade de vida das populações rurais e a das suas produções. É o «Segundo Pilar».

O Primeiro Pilar não resistiu ao alargamento da União Europeia e à passagem para o livre comércio global (a UE adere à OMC em 1995), o que induziu um aumento desmesurado dos subsídios comunitários. O Segundo Pilar foi pulverizado pelo Pacto Verde para a Europa (2019), que ambiciona fazer baixar a temperatura da Terra ao limitar as emissões de gases com efeito de estufa.

Na ausência de PAC global, não existe solução para o fracasso do Primeiro Pilar: o princípio anglo-saxónico de livre-comércio global é incompatível com o do livre-comércio europeu compensado pela PAC europeia. Preços mínimos dos produtos agrícolas, tal como anunciados por vários executivos nacionais, não salvarão os agricultores, antes, pelo contrário, os liquidarão, na medida em que se continuará a aceitar produtos importados a preços muito mais baixos.

Quanto ao Segundo Pilar, ele não prossegue um objectivo político, mas sim ideológico. Com efeito, a afirmação segundo o qual o aquecimento do planeta não é local, mas sim global, é contrariada pelas leituras de temperatura. Embora a afirmação de que não provém de factores astronómicos, mas da actividade humana, não resista ao debate científico.

Lembremos que o Grupo Intergovernamental sobre a evolução do clima (IPCC) não é uma academia científica, mas sim uma reunião de altos funcionários (dos quais alguns são cientistas, mas que tomam assento sempre como altos funcionários públicos) formada, em 1988, por iniciativa de Margaret Thatcher para justificar a transição do carvão para o petróleo, e depois para a energia nuclear [1]. As suas conclusões, embora tenham sido aprovadas por governos que podem passar para o nuclear, foram violentamente rejeitadas pelos círculos científicos, entre as quais a prestigiada Academia de Ciências da Rússia [2]. O pretenso « consenso científico » na matéria não difere nada da famosa «comunidade internacional» que «sanciona» a Rússia. Além disso, a ciência não funciona por consenso, mas por tentativa e erro.

As tentativas de desenvolver um turismo verde nas zonas rurais não salvarão os agricultores. Quando muito, irão permitir-lhes alugar quartos nas suas quintas durante algumas semanas por ano. O problema não é mudar de actividade, mas sim permitir aos agricultores viver e sustentar a sua comunidade.

Os agricultores da Europa Ocidental e Central estão hoje dependentes de subsídios europeus. Eles não se opõem à União Europeia, que lhes permite sobreviver, mas denunciam as suas contradições que os sufocam. A questão não é, pois, de revogar este ou aquele regulamento, mas sim dizer que forma de União Europeia queremos construir.

As próximas eleições da União Europeia decorrerão em Junho. Tratar-se-á de eleger os deputados para o Parlamento Europeu, os únicos representantes eleitos da União. A nível da União, com efeito, o Conselho não é eleito, antes é composto por Chefes de Estado e de Governo eleitos a nível nacional. Quanto à Comissão, ela não é eleita e representa os interesses dos patrocinadores da União.

Os diferentes projectos de construção europeia

Para compreender este estranho sistema, e eventualmente o modificar, voltemos à sua origem : do período entre-as duas-guerras (1918-1939) até ao período imediato do pós-guerra (1945-57), existiram seis projectos concorrentes de união.

1- O primeiro foi promovido pelos Republicanos Radicais. Visava unir Estados administrados por regimes comparáveis. Falava-se então em unir países da Europa e da América Latina governados em forma de República.
A definição de Repúblicas e Monarquias não tinha qualquer ligação com eleições e sucessões dinásticas. Assim, o Rei francês Henrique IV descrevia-se como «republicano» (1589-1610), na medida em que se dedicava ao Bem Comum dos seus súbditos e não aos interesses da sua nobreza. A nossa leitura de Repúblicas e Monarquias data das Democracias (o governo do Povo, pelo Povo e para o Povo). Ela foca-se nas regras de designação dos dirigentes e não mais sobre o que eles fazem. Assim, consideramos o Reino Unido contemporâneo como sendo mais democrático que a França e não levamos em conta os incríveis privilégios de que goza a nobreza britânica em detrimento do seu povo.
A Argentina de Hipólito Yrigoyen (que era então a principal potência económica das Américas) teria feito parte desta união com a França de Aristide Briand (cujo Império se estendia sobre todos os continentes). O facto de estas Repúblicas não serem necessariamente contíguas não chocava ninguém. Pelo contrário, isso garantia que a união nunca se transformaria numa estrutura supranacional, antes continuaria a ser um órgão de cooperação inter-estadual.

Este projecto naufragou com a crise económica de 1929 e a ascensão do fascismo que ela provocou.

2- O segundo foi o de uma união que garantisse a paz. O Ministro das Finanças francês, Louis Loucheur, garantia que se a Alemanha e a França se unissem num único complexo militar-industrial já não seriam capazes de se guerrear [3].
Ele foi concretizado quando, após a Segunda Guerra Mundial, os Anglo-Saxões decidiram rearmar a Alemanha. Em 1951, o antigo Ministro pétainista, Robert Schumann, criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA).
A CECA terminou em 2002 e foi integrada pelo Tratado de Nice na União Europeia.

3- O terceiro recolhe elementos dos dois anteriores. Ele foi redigido pelo Conde autro-húngaro Richard de Coudenhove-Kalergi. Visava unir todos os Estados do continente (salvo o Reino Unido e a URSS) no seio de uma «PanEuropa». Num primeiro tempo, seria uma espécie de uma federação comparável à da Suíça, mas a prazo teria se tornado uma entidade supranacional no molde dos Estados Unidos e da URSS estalinista (que defendia as culturas das minorias étnicas) [4].
Este projecto acabou mais ou menos concretizado com o apoio dos Estados Unidos. Foi, em 1949, com a criação do Conselho da Europa. Escrevo «mais ou menos» porque o Reino Unido é um membro fundador, o que não estava inicialmente previsto. Este Conselho elaborou uma Convenção de salvaguarda dos Direitos do homem e das liberdades fundamentais (CSDHLF). Dotou-se de um Tribunal Europeu de direitos do homem (CEDH-TEDH) encarregue de velar pela sua aplicação.
Contudo, a partir de 2009, muitos magistrados deste Tribunal têm sido patrocinados, para não dizer corrompidos, pelo bilionário norte-americano George Soros. Progressivamente, interpretaram a Convenção de maneira a modificar a hierarquia das normas. Por exemplo, agora, eles consideram que os Tratados Internacionais sobre Salvamento no Mar (que preveem desembarcar os náufragos no porto mais próximo) devem esquecidos perante o direito dos migrantes em apresentar pedidos de asilo político na Europa. Hoje em dia, este Tribunal julga na ausência e condena sistematicamente a Federação da Rússia, mesmo se esta foi suspensa do Conselho da Europa, e depois o abandonou.

4- O quarto projecto, a « Nova Ordem Europeia », foi o do IIIº Reich a partir de 1941. Tratava-se de unir o continente europeu distribuindo a sua população, por região, segundo critérios linguísticos. Cada língua regional, como o Bretão por exemplo, teria o seu Estado. O Estado de longe mais importante teria sido aquele onde se falava alemão (Alemanha, Áustria, Liechtenstein, Luxemburgo, Suíça de língua alemã, Tirol italiano, Sudetas checoslovacos, Cárpatos eslovacos, Banat romeno, etc.). Além disso, critérios raciais teriam determinado as populações que teriam sido «reduzidas» (Judeus, Ciganos e Eslavos) e colocadas na escravatura.
Este projecto foi negociado entre o Chanceler Adolf Hitler e o Duce Benito Mussolini por intermédio do jurista alemão Walter Hallstein. Foi parcialmente concretizado durante a Segunda Guerra Mundial, mas colapsou com a queda do IIIº Reich.

5- O quinto projecto foi formulado, em 1946, pelo antigo Primeiro-Ministro britânico, Winston Churchill [5]. O seu objectivo era reconciliar o par franco-alemão e afastar os Soviéticos. Ele inscrevia-se na visão da Carta do Atlântico (1942) segundo a qual o mundo do pós-guerra devia ser governado conjuntamente pelos Estados Unidos e pelo Império Britânico. Mais ainda, faz parte da visão dele quanto ao papel do Reino Unido apoiado pela Commonwealth. Do lado atlântico, desenvolve uma relação privilegiada com os Estados Unidos e, do lado continental, supervisiona a Europa da qual não se considera parte.
Winston Churchill lançou em simultâneo várias instituições. Em última análise, foi este projecto que foi posto em prática primeiro, em 1957, sob o nome de Comunidade Económica Europeia (CEE) e depois, em 1993, sob o nome de União Europeia (UE). Ele recolhe elementos dos três projectos precedentes, mas nunca do da união de Repúblicas.
Os Anglo-Saxões controlaram sempre a CEE-UE através da Comissão Europeia. É esta a razão pela qual ela não é eleita, mas sim nomeada. Além disso, Londres fez nomear Walter Hallstein, antigo conselheiro do Chanceler Adolf Hitler para as questões europeias, como seu primeiro presidente. Por outro lado, a Comissão dispunha inicialmente do poder legislativo que partilha hoje com o Parlamento Europeu. Ela utiliza-o para propor normas que o Parlamento valida ou rejeita. Todas estas normas repetem, palavra por palavra, as da OTAN que, contrariamente a uma ideia comum, não se preocupa apenas com a Defesa, mas também com a organização das sociedades. Os escritórios da OTAN, inicialmente situados no Luxemburgo e hoje ao lado da Comissão, em Bruxelas, transmitem-lhe os seus dossiês, desde a largura das estradas (para permitir a passagem dos blindados) até à composição do chocolate (para compor a ração dos soldados).

6- O sexto projecto foi desenvolvido pelo Presidente francês Charles De Gaulle em resposta ao dos Britânicos. Ele pretendia construir uma instituição não federal, mas confederal : a « Europa das Nações ». Ele lamentou o Tratado de Roma, mas aceitou-o. Em 1963 e 1967, interditou a adesão do Reino Unido. Ele explicou que, se houvesse alargamento, este deveria ser de Brest a Vladivostok, quer dizer, sem o Reino Unido, mas com a União Soviética. Acima de tudo, ele bateu-se com unhas e dentes para que as questões que afectassem a Segurança Nacional só pudessem ser tomadas por unanimidade.
A sua visão desapareceu com ele. Os Britânicos entraram na CEE em 1973 para voltar a sair em 2020. A Rússia nunca foi convidada a entrar e hoje a UE acumula «sanções» contra ela. Por fim, a próxima reforma dos Tratados prevê uma maioria qualificada para as questões que influam na Segurança Nacional.

E os agricultores em tudo isto ?

Tendo em vista a análise precedente da Política Agrícola Comum, nada nas estruturas da UE pressagia a crise actual. A causa dela é a ideologia britânica contrária à UE.

Ao aderir à OMC, a União Europeia abandonou, sem dizer, a livre-circulação europeia pela livre-circulação global. Ao fazê-lo, em conformidade com o seu ADN, ela seguia o objectivo de Winston Churchill. As ajudas da União Europeia jamais poderão compensar a concorrência estrangeira que obedece a outras regras. Pouco a pouco, caminhamos para uma especialização do trabalho à escala global. Os agricultores europeus apenas poderão dispor aqui de um lugar cada vez mais reduzido, até ao dia em que o comércio internacional seja interrompido e os Europeus terão que reconstruir a sua agricultura ou morrer de fome.

De forma idêntica, o Pacto verde para a Europa, formulado pela Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, não responde às alterações climáticas, mas à ideologia que se constrói em torno disso. Ao fazê-lo, a UE compromete-se com o programa de Margaret Thatcher. Já não ambiciona produzir com uma indústria e agricultura fortes, mas com serviços financeiros. No Reino Unido, esta política traduziu-se na prosperidade da minúscula City de Londres e no colapso económico da Grande Manchester.

Para salvar os agricultores europeus, não basta opor-mo-nos à evolução supranacional da UE, devemos acima de tudo livrá-la da sua ideologia. Ora, essa não está fixada nos Tratados, ela é o fruto da sua história.

Tradução
Alva

[1«1982-1996: La ecología de mercado», por Thierry Meyssan, Оdnako (Rusia) , Red Voltaire , 25 de abril de 2010.

[2Voltaire, Actualidad Internacional - N°44 - 9 de junio de 2023.

[3Carnets secrets, 1908-1932, Louis Loucheur, Brepols, 1962.

[4Praktischer Idealismus, Richard de Coudenhove-Kalergi, 1925. Version française : Idéalisme Pratique: Le plan Kalergi pour détruire les peuples européens, Omnia Verita, 2018.

[5« Discours de Winston Churchill sur les États-Unis d’Europe », par Winston Churchill, Réseau Voltaire, 19 septembre 1946.