Em toda a história bíblica, os profetas sempre foram figuras de primeira importância. Homens possuídos por Deus, inovadores éticos e morais, suas visões configuraram decisivamente a vivência e a reflexão religiosa posterior, tanto judia quanto cristã. E não só na Bíblia. Em todos os tempos da história da humanidade, os profetas foram aqueles que fizeram a diferença nos comportamentos humanos, ensinando homens e mulheres a saírem de si, olharem para o outro e à sua volta, a fim de abrirem caminho ao projeto do novo que Deus quer para sua criação.
A compreensão da profecia bíblica hoje tende a rejeitar o lugar-comum que considera o profeta um adivinho do futuro, para vinculá-lo bem fortemente ao presente. Assim foi com os profetas de Israel, assim é com os profetas atuais. O fenômeno da profecia é feito de uma experiência de Deus, que impulsiona um ser humano a enfrentar todos os perigos, para comunicar uma mensagem divina. É, portanto, inseparável da consciência que tal mensageiro tem das características de seu tempo e de seu espaço.
Os profetas só podem ser entendidos quando a relação dinâmica entre eles e a sociedade onde vivem é plenamente compreendida e levada em conta. Assim, cada profeta é diferente, pois cada um responde a uma determinada situação na qual Deus o chama a abrir a boca e falar em Seu Nome. Por isso Gandhi não pode ser compreendido sem todo o contexto da dominação britânica sobre sua sofrida e amada Índia. Também Martin Luther King não pode ser conhecido fora do contexto da luta racial nos EUA e o apartheid criado pelo preconceito dos brancos. Ignácio Ellacuria e Pedro Casaldáliga não podem ser conhecidos em toda plenitude sem que se compreenda o contexto de pobreza e opressão em que vivem os povos latinoamericanos, que fizeram com que esses dois brilhantes sacerdotes - um filósofo e outro, poeta - deixassem sua Espanha natal e vir dar suas vidas por estas latitudes.
Nos sombrios tempos em que vivemos, onde o medo parece ter se apossado das mentes e corações e onde os acontecimentos em escala local, nacional e mundial nos fazem acordar diariamente perplexos, sentimos, mais que nunca, a carência de profetas. Sentimos a falta de homens e mulheres destemidos e que não conheçam o medo porque estão ancorados na vida e na promessa de seu Deus que jamais lhes falhou.
Necessitamos de profetas cuja língua de fogo possa ser ouvida e sentida com força suficiente, de forma a não permitir que o povo se acomode na mediocridade de uma vida que tem secretos compromissos com a iniqüidade. Profetas que denunciem tudo o que vai contra a humanidade e a obriguem, por sua fala clara e transparente, a deixar de olhar apenas o seu próprio quintal e ver que conseqüências suas decisões e atos poderão trazer para o mundo como um todo. Os profetas de ontem e de hoje são os únicos que podem nos ensinar não haver outro caminho senão a total verdade e transparência na busca da vontade de Deus. Eles irão nos abrindo caminho para a conversão verdadeira: romper com o velho e abrir-se ao novo que vem e que é maior que nossos raquíticos planos, nossas pequenas e ínfimas guerras, nossos ridículos temores e egoísmos.
A violência que campeia nas cidades brasileiras, o resultado das eleições municipais no Brasil e presidenciais nos Estados Unidos, a saída de cena de muitos dos poucos líderes mundiais que restavam, como Yasser Arafat - tudo nos diz que carecemos de vozes outras, novas, que nos tirem de nós mesmos, de nosso pequeno mundinho e nos abra às necessidades que se encontram não apenas do outro lado da rua, mas do outro lado do mundo.
Pobre e desvalida humanidade, tão apavorada de perder o que tem e conseguiu acumular: bens perecíveis que o desgaste do tempo, a doença e a morte morte certamente lhe arrancará. Pobre humanidade que não percebe que só criando pontes e estreitando laços poderá construir um mundo habitável para si mesma. Nunca insistindo em guerras sem sentido, que derramam sangue inocente e semeiam ódio e desejos de vingança. Pobre humanidade, se tiver que continuar fazendo concessões sem cessar, compromissos inconfessáveis e conluios asquerosos para poder manter seus ilusórios privilégios.
Só os profetas poderão dar-nos algo de sua coragem, para que não recuemos diante do compromisso de abrir a boca e dizer a verdade, desbravando os caminhos da mentira e da corrupção, da injustiça e da violência, do terror e da iniqüidade. Em suma, das velhas coisas que se recusam a deixar o campo livre para a vivência da justiça e do direito e o respeito à vida.
E sobretudo, só os autênticos profetas poderão alertar-nos e clarear-nos para perceber aqueles que no mundo e na sociedade, atuam como falsos profetas. Esses abundam por todos os lados. Eis que é chegada a vez dos verdadeiros arautos da verdade. Deus, que sabe a que ponto os necessitamos, não deixará certamente de suscitá-los.
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