A mística inter-religiosa vai se firmando hoje como nova e importante área dentro das Ciências da Religião. E isto certamente tem grandes e surpreendentes repercussões na experiência mística cristã dos tempos atuais e na releitura das experiências místicas cristãs de todos os tempos.
Esperamos que, seguindo estes caminhos, possamos chegar, senão a um novo paradigma, ao menos talvez a um paradigma muito antigo e mesmo primordial que hoje, revisitado, se levanta com nova força, novo rosto e chega por novas vias ao sentimento religioso nosso e de boa parcela do povo de Deus.
Em um momento da história e da vida da Igreja em que se encontram tantas perplexidades e muitas vezes, inclusive, inumeráveis confusões quanto à questão da espiritualidade e da experiência espiritual que seria própria ao cristianismo, cremos que a reflexão que aqui fazemos poderia talvez ajudar ou pelo menos provocar um aprofundamento desta questão hoje vital: a possibilidade da autêntica experiência de Deus em outras tradições religiosas e a influência que tais experiências tiveram na configuração da experiência mística cristã.
Sendo todas as experiências autenticamente místicas distintas formas de aproximação do Mistério Fundamental que é Deus, uma teologia cristã das religiões ou da mística inter-religiosa implicará o reconhecimento da legitimidade destes diversos caminhos ou percursos em direção à comunhão com o mesmo Mistério Fundamental.
A mística cristã hoje é diretamente interpelada pelas experiências místicas e espirituais de outras religiões. Os numerosos estudos que vão mais e mais aparecendo neste campo comprovam o que acabamos de afirmar. Mais: pode-se perceber nas experiências e escritos de muitos dos maiores místicos cristãos a presença autêntica e real de intuições, imagens e contornos encontradiços igualmente em outras tradições.
Isto não faz com que tal mística deixe de ser cristã ou perca em autenticidade, mas demonstra que cada pessoa é situada num determinado contexto cultural e recebe a influência deste sem disto tomar ciência a nível consciente.
Demonstra igualmente que a experiência de Deus que se encontra no coração mesmo da identidade da mística cristã não se torna diminuída ou difusa ou menos consistente pela influência que recebe de alhures. Mas, pelo contrário, dá e alcança toda a sua medida ao encontrar elementos de sintonia provindos de seres humanos que provaram profundamente a proximidade e o amor de Deus, ainda que oriundos e filiados a outras tradições religiosas.
Existe, sem dúvida, algo que apenas a religião do outro, na sua diferença, pode ensinar, ou transmitir: às vezes, um ponto ou uma dimensão que vamos descobrir na nossa experiência religiosa e do qual não nos havíamos dado conta. Por aí desejaríamos que se desse nosso percurso.
Queremos destacar, dentro daquilo que afirmamos, algumas interfaces que acontecem nas experiências de alguns místicos cristãos em confronto com outras religiões monoteístas: o Judaísmo e o Islã. No centro destas três tradições está presente um único Deus e isso nos fornece - parece-nos - material mais propício e terreno menos movediço para refletir num campo onde ainda quase tudo está por fazer. A experiência mística, no fundo, não é senão a experiência do amor que revolve as profundezas da humanidade pela presença e a sedução da alteridade.
Quando a alteridade é a religião do outro, há todo um caminho a ser feito em direção a uma comunhão que não suprime as diferenças, enriquecedoras e originais, mas encontra, na sua inclusão, um “novo” no qual se pode experimentar coisas novas do mesmo Deus. Essa inclusão, a nosso ver, pode ser percebida de forma mais explícita em termos do entrelaçamento das diferentes experiências místicas das três tradições mencionadas.
Tendo em comum a crença num só Deus e acontecendo igualmente em regiões e culturas onde a proximidade e a convivência facilitam e mesmo convidam à intersecção, oferecem material de grande interesse para o que aqui nos propomos refletir.
A experiência de um Deus pessoal e imanipulável, que as três religiões monoteístas ofereceram e oferecem como tesouro aos seus místicos, permite que entre estas três tradições se instaure um aprendizado fecundo, o qual, nos dias de hoje, pode enriquecer e efetivamente enriquece não só a experiência mística cristã em si mesma, como também a reflexão teológica que sobre ela se faz.
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