João Paulo II ficará na história como o papa contemporâneo da Teologia da Libertação, que ele jamais condenou, malgrado as suspeitas da Cúria Romana e a repressão a Leonardo Boff.
Surgida na América Latina há cerca de 25 anos, sobretudo através das obras de Gustavo Gutierrez e Leonardo Boff, o que caracteriza a Teologia da Libertação não é a sua análise crítica da sociedade capitalista. É o seu método de refletir a fé dos pobres e a partir dos pobres, considerados sujeito histórico e referência evangélica por excelência.
Supor o Vaticano que a Teologia da Libertação é mero modismo político de teólogos de esquerda é, no mínimo, ignorar o que é fazer teologia a partir de uma situação de opressão, na qual a pobreza predomina como fenômeno coletivo, como ocorre no Brasil e na América Latina. O que significa falar de Deus nessa situação? Ou deve-se mentir que Deus aceita tanta miséria? O papa conheceu na pele as dominações soviética e nazista. Nunca experimentou a miséria coletiva.
A Teologia da Libertação não nasce em estufas eclesiásticas, como universidades ou seminários, mas em comunidades eclesiais de base (CEBs) e nos movimentos pastorais que agrupam fiéis das classes populares. Diante de tantas dificuldades na vida, eles indagam: o que Deus quer? Na busca dos “sinais dos tempos”, atam elos entre fé e política, valores evangélicos e desafios da realidade, liturgia e festa, suscitando a metodologia teológica que é recolhida e sistematizada por teólogos.
O que Roma custa a entender é que a Teologia da Libertação poderia estar em crise se as condições sociais que lhe servem de matriz geradora estivessem - felizmente - superadas. Então, ela teria que redimensionar seu discurso, sem sofrer contudo solução de continuidade, na medida em que não identifica libertação com mera resolução dos problemas sociais crônicos. Para ela, o processo libertador implica, sem dualidade, o “pão nosso” e o “Pai nosso”.
Fosse a Teologia da Libertação uma mera exaltação do socialismo real, possivelmente sim ela estaria em crise, como ocorre à teologia neoliberal européia que, tendo perdido sua referência ao mundo dos pobres, volta a encarar a modernidade pela ótica de Nietzsche, e já não sabe a quem dirigir seu discurso.
E tudo indica que, em breve, entrará em crise a teologia que - inspirada em João Paulo II - fez da crítica ao socialismo uma apologia da liberdade nos países capitalistas. Agora, a onda de consumismo, trazendo em seu bojo a reintrodução de disparidades sociais e de permissividade, já começa a assustar aqueles que sempre acreditaram que o Ocidente é cristão...
Se é verdade que o socialismo ruiu no Leste europeu, é preciso não esquecer também que o capitalismo sofre de insuficiência crônica por sua incapacidade de responder às demandas sociais. Ele é, por natureza, desigual, concentrador e excludente. Porém, o papa, que sempre criticou os abusos do capitalismo, não chegou a denunciar as suas causas e natureza perversa.
Expressão da vivência e da inteligência da fé cristã dos pobres, a Teologia da Libertação insiste em priorizar o dom da vida como manifestação suprema de Deus, sobretudo num contexto em que a opressão produz tantas formas de morte. Ela resiste também àqueles que pretendem esvaziar o dom teologal da esperança proclamando “o fim da história”, como se o futuro pudesse ser encarado como mera extensão do presente.
Segundo João Paulo II na encíclica Laborem Exercens (n. 8), assegurar a fé cristã como boa-nova aos pobres é o sinal, por excelência, de fidelidade da Igreja a Jesus Cristo - critério suficiente para determinar quem se afasta ou aproxima da proposta evangélica.
Adital
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