O comentarista Arnaldo Jabor é a única pessoa que conheço (de televisão) que sabe com certeza que Deus não existe. Com a mesma certeza ele sustenta que os membros do MST são "aventureiros delirantes". Na história do mundo houve muitos agnósticos, porém quase sempre animados por profundo sentimento humanista, como Bertrand Russel. Neste caso patológico brasileiro, vemos alguém que simultaneamente não crê nem em Deus, nem nos homens, o que leva a concluir que estamos diante de um Ego do tamanho da TV Globo.
O comentário feito por Jabor nesta sexta-feira sobre a manifestação de estudantes norte-americanos pedindo justiça no caso da irmã Doroty, em favor do MST e pela aceleração da reforma agrária no Brasil representou, esta sim, uma combinação "delirante" de arrogância e imbecilidade. O ex-cineasta, que sabe tanto do MST quanto de Desus, vê no movimento organizado pelos camponeses a própria ante-sala da barbárie. E exigir pressa na reforma agrária, a seu ver, não passa de um exercício irrealista de quem está de longe.
É curioso como alguém que ganhou certa fama com o cinema ignora o valor simbólico de manifestações. A passeata-mirim nos Estados Unidos foi um sucesso absoluto, justamente porque foi posta no ar pela TV Globo. E foi posta no ar porque deve ter parecido um movimento um tanto exótico, fruto dessa coisa maravilhosa nos jovens de todo mundo que é a solidariedade e o sentimento de justiça. Por que, então, Jabor tinha que estragar a festa, com um discurso anacrônico, reacionário e mentiroso sobre o MST?
No tempo em que era possível fazer piada machista, o humorista Pitigrilli dizia que é impossível uma loura falar duas coisas inteligentes e bonitinhas, sem estragar tudo com uma bobagem. A Globo poderia perfeitamente ter deixado passar em branco a manifestação dos norte-americanos. Não teríamos sabido de nada, ou pelo menos sua imensa audiência pelo Brasil não saberia. Como a Globo não sabe fazer uma coisa bonitinha sem acrescentar logo uma besteira, pôs a manifestação no ar, mas, em contraponto, pos imediatamente em seguida o comentário discriminatório de Jabor.
É fato que grande parte das classes dominantes tradicionais do Brasil vêem com desconfiança e medo o crescimento do MST. Isso é natural. O MST luta por valores e interesses que contrariam os interesses das classes dominantes, sobretudo daquelas ligadas ao latifúndio improdutivo e à exploração predatória do campesinato. No meu entender, essas forças regressivas têm todo o direito de se organizarem politicamente e se defenderem. Faz parte do jogo democrático, na medida em que uma democracia é justamente um espaço em que forças contraditórias disputam pacificamente o poder.
Naturalmente, o medo do MST aumentou nesses últimos anos. E aumentou o medo porque aumentou a sua eficácia. A principal característica do movimento é que ele construiu uma base de força política e fala por si. Enquanto fosse apenas um movimento de opinião, mandando eventualmente representantes ao Parlamento, o MST seria melhor tolerado, porque melhor controlado. Acontece que ele se tornou, junto com um eixo de mobilização social, uma escola de conscientização e uma rede de formação de líderes saídos de seu próprio seio, e exclusivamente dedicados ao campesinato.
No campo da mobilização, o MST faz marchas (como a que está sendo preparada até Brasília), faz manifestações de rua, faz invasões de terras e de prédios públicos. São estas últimas a maior fonte de preocupação das forças regressivas. E preocupam simplesmente porque têm eficácia. Se o MST, invadindo terras e prédios, não consegue acelerar a reforma agrária, imaginem se fosse uma espécie apenas de parlamento do campo! Na verdade, o movimento começou a ser respeitado justamente porque começou a incomodar, adiantando-se, na prática, à reforma agrária oficial.
O preconceito de Jabor não é diferente de quem se opôs à libertação da escravatura no século XIX. Sempre se tentou, no pais, alguma forma de conciliação para retardar todo avanço social e político. Nossa deformada estrutura agrária surgiu com a Lei da Terra de 1850, mantida intocada por mais de um século, sendo reforçada pela negativa do voto ao analfabeto em 46. Somente agora, depois da Constituição de 88, milhões de agricultores analfabetos conquistaram cidadania. Vão usa-la, não tenham duvida. São delirantes portadores do futuro da justiça social no Brasil.
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