Os movimentos sociais têm sido os principais protagonistas na luta de resistência contra o neoliberalismo em toda a América Latina. Isso tem acontecido também no Brasil.
Duas são as principais razões: em primeiro lugar, a descaracterização ideológica e política de grande parte dos partidos tradicionais da esquerda, que foram se envolvendo cada vez mais na luta institucional e perdendo contato com as lutas sociais, ao mesmo tempo que foram induzindo temas da chamada “governabilidade”. Por outro lado, o neoliberalismo termina sendo, essencialmente, uma máquina de expropriar direitos.
Dessa maneira, os movimentos sociais se tornaram os principais bastiões da luta de resistência, por representar diretamente os setores sociais mais atingidos por essas políticas.
No Brasil, dos dois principais ramos do movimento social - o sindical e o rural -, tem sido este o fator de maior resistência. O movimento sindical foi mais diretamente atingido pelas políticas econômicas que geraram desemprego e precarização das relações de trabalho, ao mesmo tempo que a divisão interna com correntes de direita ajudou a enfraquecer a capacidade de ação dos sindicatos.
Enquanto isso, o movimento dos trabalhadores rurais, tendo no MST seu eixo fundamental, tem sido o responsável pelas mobilizações populares contra as políticas neoliberais, valendo-se da particularidade da luta pela terra - que permite as ocupações e a posta em funcionamento dos assentimentos -, assim como pela força ideológica que o movimento foi assumindo ao longo do tempo.
Essa força dos movimentos sociais apresenta elementos de força e de debilidade para a luta contra o neoliberalismo. A força vem da representatividade e da capacidade de mobilização de organizações diretamente vinculadas aos trabalhadores. A debilidade, do fato de que, sendo movimentos sociais, não podem se constituir em alternativas políticas de governo e de poder.
O modelo hegemônico neoliberal
O neoliberalismo não é apenas uma política econômica, mas um projeto hegemônico, que contêm valores essenciais do capitalismo liberal - o consumismo, o egoísmo, o individualismo, o mercantilismo - e que reorganiza não apenas as relações sociais, mas também as relações de poder. O neoliberalismo é a cara assumida pelo capitalismo na sua fase de hegemonia econômica do capital financeiro. Ele se articula internacionalmente com a hegemonia estadunidense, tendo os organismos financeiros e comerciais internacionais como seus braços de poder - o FMI, o Banco Mundial, a OMC, entre eles.
Conta com a ideologia do “livre comércio” no plano econômico e com a “luta contra o terrorismo” nos planos político e militar. Se constitui assim em um sistema de poder, que vai da economia à política, passando pela ideologia e pelos planos tecnológico e militar.
O instrumento essencial de implementação do neoliberalismo é a desregulamentação, isto é, a eliminação das travas à livre circulação do capital. Assim, a privatização significa desregulamentação, porque tira do Estado a propriedade de empresas, para jogá-la no mercado, para quem tiver mais recursos se apropriar delas.
A abertura para o mercado internacional também representa desregulamentação, porque elimina as travas para a entrada e saída de capitais e de mercadorias, acelerando o “livre comércio”. As políticas chamadas de “flezibilização laboral” significam, na verdade, políticas de promoção da precarização das relações de trabalho, tirando direitos essenciais aos trabalhadores e submetendo-os à sanha voraz do capital.
A alternativa posneoliberal
A luta contra o neoliberalismo tem assim que ser uma luta global, tanto no sentido de ter que abranger todas as esferas em que ele se articular, como no sentido de ser uma luta internacional, uma luta global. A luta contra o neoliberalismo é uma luta pela ruptura do modelo econômico neoliberal, eixo do modelo neoliberal, tornando os ministérios econômicos a chave do poder e do tesouro dos governos que se submetem à lógica neoliberal.
Essa ruptura tem que enfrentar as armadilhas colocadas pelas políticas neoliberais nos planos nacional e internacional - das quais a mais clara é a fuga de capitais, a partir do momento em que esses capitais sentem seus interesses contrariados -, elaborar uma estratégia de saída do modelo e ir, paralelamente, colocando em prática uma outra política.
Esta alternativa tem necessariamente que dispor de políticas de regulação econômica, que travem a livre circulação do capital especulativo, valendo-se de modalidades com as propostas pela Taxa Tobin, que prevê um imposto sobre toda movimentação de capital financeiro. Esta política requer, para ser mais forte, de uma integração regional, que leve a cabo conjuntamente essas medidas.
O governo da Venezuela tomou medidas similares a essa, incluindo a centralização do cambio, para combater as fugas de capitais e os movimentos especulativos do capital, com grande sucesso, demonstrando sua possibilidade e sua efetividade.
O combate a essas políticas a criação de uma força social, política e ideológica que lhe dê sustentação e se oponha ao bloco constituído por ela. É necessário unir ao conjunto dos trabalhadores da cidade e do campo, como forças motrizes dessa luta e buscar os aliados para que o bloco possa ter capacidade hegemônica e ao mesmo tempo subtrair bases populares de apoio ao bloco neoliberal, assim como neutralizar outras forças.
Precisa obter o apoio de amplos setores das camadas médias, dilaceradas diante da imensa crise social que afeta a toda a sociedade, assim como procurar alianças táticas com setores do capital produtivo - antes de tudo pequenas e médias empresas, mas também as outras empresas interessadas na distribuição de renda porque comprometidas com o consumo interno de massas.
Essa aliança não será possível, assim como a ruptura do modelo neoliberal, sem romper o monopólio privado que fabrica a opinião pública de maneira quase que totalitária. O liberalismo avançou enormemente no Brasil ao longo da década passada, desde o governo Collor, passando pelos dois mandatos de FHC e pela econômica mantida pelo governo atual.
A grande mídia privada é seu instrumento essencial de divulgação, deixando o movimento popular e a esquerda com poucos espaços de difusão de suas opiniões, suas idéias e suas propostas. Sem mudanças radicais na opinião pública, nos consenso hegemônicos estabelecidos, dificilmente será possível constituir esse bloco de forças antineoliberal, que se ancora em grande parte na ideologia liberal predominante atualmente nas nossas sociedades.
O papel da direção política
Por esse conjunto de tarefas indispensáveis para a superação do neoliberalismo, os movimentos sociais não conseguem sozinhos dar conta desse imenso projeto de construção de um projeto alternativo. Eles têm o papel essencial de mobilização social, de divulgação das criticas às políticas neoliberais, de plataformas alternativas, mas não se pode pedir a esses movimentos que desempenhem o papel de direção política, de construção teórica das bases das alternativas, de luta ideológica, de construção das alianças sociais, de construção da força política de um projeto hegemônico alternativo. Esta é uma tarefa para uma direção política, seja ela de caráter partidário ou alguma forma similar que possa atuar no campo político, ao mesmo tempo que articular o conjunto da força acumulada nos planos econômico, social e ideológico.
Experiências como aquelas dos movimentos indígena e camponês equatoriano que, com sua extraordinária capacidade de mobilização e de luta, conseguiram derrubar os três últimos presidentes daquele país, demonstram como à falta de uma alternativa política própria, terminam delegando o exercício do governo a personalidades de outras forças políticas, que acabam seguindo uma lógica diferente e até mesmo contraditória com as desses movimentos.
No caso do último desses presidentes, Lúcio Gutierrez, tinha sido eleito com o apoio essencial dos movimentos sociais, porém ele rapidamente se entendeu com o governo dos EUA e com o FMI, opondo-se diretamente às orientações que tinha pregado durante a campanha eleitoral. Os movimentos chegaram a se dividir, com alguns de seus membros permanecendo no governo até sua derrubada.
Essas lições demonstram como o social não pode substituir a ação política, mesmo se esta tem que estar estreitamente articulada com as lutas e os movimentos sociais. Se queremos de fato substituir o projeto neoliberal por uma projeto democrático e popular e não apenas limitar aquele, temos que nos enfrentar a problemas como a democratização do Estado, a implementação de políticas de orçamento participativo, a construção de uma força parlamentar que dê apoio a um governo posneoliberal.
Não podemos ficar - como querem as ONGs - no que eles chamam de “sociedade civil”, um conceito liberal, que abandona a possibilidade de luta pelo poder, de democratização radical do Estado, de construção de força política e ideológica fundada nas classes trabalhadoras.
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