O controle da internet confere aos Estados Unidos uma vantagem estratégica decisiva. O paralelo feito por Ignacio Ramonet é esclarecedor: no século XIX, era o controle das vias de navegação que levou a Inglaterra a dominar o mundo.
As novelas de ficção científica nos acostumaram com as invenções mais estrambóticas, mas nunca incluíram nada que se parecesse à internet – a descoberta que mais tem mudado a vida das pessoas. Ela foi criada como instrumento militar da guerra fria – como sistema de comunicações que pudesse sobreviver a um ataque atômico – e somente em 1989 seria inventado o WWW, permitindo a difusão das informações e o acesso a um público amplo e gerando as condições de sua impressionante difusão.
Em 2003 realizou-se, a pedido da ONU, a primeira Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, em Genebra, quando a internet chegava ao grande público há apenas dez anos. Já se via claro como esse instrumento de comunicação favorecia sobretudo os países mais ricos. Apesar de seu imenso potencial democratizador, o filtro da distribuição desigual de riqueza e de apropriação das tecnologias fez com que rapidamente a internet reproduza a polarização entre ricos e pobres: 19% dos habitantes do mundo representam 91% dos usuários da internet, dos quais apenas 1% está da África, dentre as quais muito poucas mulheres.
Uma das decisões da reunião – a criação de um “fundo de solidariedade” para atacar essas desigualdades – não foi aprovado, porque os países ricos se negaram a contribuir com os recursos financeiros. O presidente do Senegal propôs um imposto de 1 euro para cada computador comprado em qualquer lugar do mundo, houve quem propusesse o aumento de 1 centavo de euro para cada chamada telefônica, sempre com o objetivo de diminuir essas desigualdades, mas nada foi aprovado.
Discutiu-se também o tema do controle sobre a internet – o modo de regulação e a gestão. Atualmente os EUA detêm o seu controle, podendo inclusive bloquear todos os envios de mensagens eletrônicas de todo o mundo. Foi feito um apelo a favor de uma gestão multilateral da internet, transparente e democrática, com a plena participação dos governos, do setor privado e de organizações civis.
Considerou-se a hipótese de transferir sua responsabilidade para a ONU, mas os EUA recusaram qualquer dessas idéias, revelando como não estão dispostos a abrir de seu lugar de potência hegemônica em um mundo unipolar, em nenhum plano. Seu argumento – decorrente daquele que identifica capitalismo e democracia – é o de que apenas a gestão privada garantiria a liberdade na internet.
Neste mês, de 16 a 18 de novembro, se realiza a Segunda Cúpula Mundial, centrada exatamente no tema do controle democrático da internet. Em setembro, se realizaram negociações preliminares entre os EUA e a União Européia, com esta reivindicando uma reforma do controle da internet para setembro de 2006, quando o contrato que liga a Icann – um organismo de direito privado sem fins lucrativos sediado em Los Angeles – com o Ministério de Comércio dos EUA, mas a reunião fracassou, pela recusa de qualquer mudança por parte de Washington. O Brasil, a China, a Índia e o Irã se somaram à posição européia, mas sem sucesso.
Ignacio Ramonet chama a atenção, no Le Monde Diplomatique deste mês, sobre as dimensões do conflito. “Esta diferença possui uma dimensão geopolítica. Em um mundo cada vez mais globalizado, em que a comunicação tornou-se uma matéria prima estratégica e em que se multiplica explosivamente a economia do imaterial, as redes de comunicação desempenham um papel fundamental. O controle da internet confere à potência que o exerce uma vantagem estratégica decisiva. Como, no século XIX, o controle das vias de navegação tinha levado a Inglaterra a dominar o mundo.”
A alternativa pela qual lutam os mesmos países que conseguiram aprovar na Convenção da Unesco, em Paris, no mês passado, o marco legal de proteção da diversidade cultural – com apenas dois votos contra, dos EUA e de Israel – é o fim do controle dos EUA sobre a internet e que este passe às mãos de um órgão criado pela ONU. A Europa e os maiores países semiperiferia do sistema – entre eles o Brasil, a China, a Índia e o Irã – comandam essa luta pela democratização da navegação do século XXI.
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