Em entrevista, o sociólogo Edgardo Lander afirma que a discussão política de 2006 será mais intensa, pois o Fórum está sendo realizado "onde a política corresponde à prática"
O Fórum Social Mundial desde ano está mais politizado. O crescimento do número de governos progressistas na América Latina nos últimos anos levou para a pauta do FSM a discussão da relação entre movimentos sociais e Estado. A avaliação é do sociólogo e professor da Universidade Central da Venezuela Edgardo Lander que, em entrevista ao Brasil de Fato , afirma que a discussão política de 2006 também será mais intensa, pois o Fórum está sendo realizado na Venezuela, "onde a política corresponde exatamente com a prática".
- Como o Fórum Social Mundial 2006 pode influenciar a conjuntura política da Venezuela?
- Creio que há três aspectos importantes. O primeiro, é do ponto de vista das organizações sociais venezuelanas, criadas recentemente, que tem uma experiência internacional muito limitada. Isso é uma limitação, porque aqui há um olhar muito auto-centrado sobre o processo político e voltado para a conjuntura imediata. Dessa maneira, há dificuldades de comparação com as lutas de outros povos, o que, com freqüência, leva ao sectarismo e à intolerência. Falta debate sobre a experiência de outras praticas democráticas. Nesse sentido, creio que será muito bom que essas organizações entrem em contato com movimentos de outros países, troquem experiências, conheçam pessoalmente aqueles movimentos e, a partir disso, estabeleçam uma rede de contatos e possam enriquecer o processo social venezuelano.
- E os demais aspectos?
- Outro, vital, é que, de fora da Venezuela, é difícil ter uma visão completa do que acontece no país. Há algumas organizações solidárias à Venezuela, com base numa visão maniqueísta, pouco analítica. O Fórum vai permitir que essas pessoas tenham um contato mais orgânico e direto com o que acontece no país. Elas terão a oportunidade de falar com os ativistas, com as organizações de base, e poderão ver, de perto, o processo venezuelano, seus problemas e conflitos. Se queremos aprofundar as relações de solidariedade com o povo venezuelano, isso tem que ser feito de maneira transparente, não com apoio incondicional.
- Só isto?
- Não. Em terceiro lugar, também é muito importante que uma gama tão significativa de campanhas e redes conheçam a Venezuela com mais profundidade e se sensibilizem com a ameaça que a política imperial representa para o país. Assim, acredito que a presença internacional na Venezuela é uma espécie de escudo de proteção à ameaça que o governo Bush representa.
- Como os participantes do FSM vão sair da Venezuela? O FSM acabará mais politizado?
- Quando foi feita a consulta para a elaboração do programa do Fórum, um dos temas que apareceu com mais forca, foi o da política como tal. Por exemplo, qual deve ser a relação dos movimentos na América Latina com os governo de esquerda? Qual é o impacto da crise do governo Lula sobre os movimentos sociais? Eles devem manter um apoio crítico, ou devem romper com o governo? Quando foram definidos os eixos temáticos do FSM, o primeiro foi a política, a relação entre partido e movimentos, entre movimentos e Estado. E isso não tem a ver só com a Venezuela, mas com um amadurecimento do Fórum, que está crescendo nos debates conceituais. Esse é um Fórum mais político do que o de Porto Alegre. A isso se soma o fato de estar sendo feito Venezuela, onde a política está culminando expressamente na prática. Aqui, a política será colocada como um tema, de maneira natural, não imposta.
Uma das críticas ao Fórum é que há muito debate e, no final, nada é colocado em prática.
Esse é um dos principais debates políticos do FSM. Acho que se tentarmos impor um ritmo fora da própria dinâmica dos movimentos, o Fórum pode morrer. A questão é que o processo de politização do FSM não é uniforme, não há alguém que fale em nome de tudo isso. Mas a Assembléia Mundial de Movimentos Sociais pode construir uma plataforma e uma declaração única comum.
Isso é muito forte, muito importante. Se a campanha contra a Alca conseguir articular seu programa de lutas com a campanha contra a guerra, e a campanha contra os trangênicos, se os movimentos forem capaz de articular campanhas que tenham elementos comuns de convergência, esse processo está se fortalecendo. Temos que seguir estimulando o processo do FSM, mas ao ritmo dos movimentos, de sua própria dinâmica, e, assim, seguir avançando para surtir efeito sobre o conjunto do Fórum.
- Como será a discussão sobre o aumento do número de governos de esquerda na América Latina?
- No continente, houve mudanças profundas nos últimos seis anos. Há seis anos, o panorama político era desolador. Se, de um lado, a política imperial, da guerra e a ameaça militar seguem avançando de maneira muito mais agressiva, por outro, do ponto de vista governamental houve um motor de esquerda. Diante disso, surge uma nova relação dos movimentos com os governos, que não podem seguir atuando como se estivessem lidando com os governos anteriores. Isso não quer dizer que devam entrar para o governo, mas que precisam atuar de outra maneira. Com um governo de direita têm que contê-lo, e num governo com o qual quase se tem empatia, a estratégia é a pressão. Todas essas questões não têm uma solução teórica única, são conjunturais e variam de país a país
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