Bem que ele sonhava com algo que acreditava pudesse ser mais digno. Afinal, quando como suposto social-democrata brasileiro ele encarnou por aqui o “consenso de Washington” e o “pensamento único” – através do qual acreditou ter produzido sua obra-prima, o Plano Real –, olhava para a Europa e suspirava com a idéia de ser um misto de Mitterrand e Felipe Gonzalez.
Teve a ajuda direta do marqueteiro de Clinton e acabou tendo de se conformar com a “terceira via”, já que aqueles dois já haviam caído no ocaso, sob graves acusações de corrupção.
Mitterrand, pelo menos, depois de abandonar qualquer prurido socialista, quando triunfou definitivamente seu atlantismo original e aderiu ao neoliberalismo, buscou consolação na figura de De Gaulle, tentando se identificar com a nação francesa, por cima das ideologias. Já Felipe Gonzalez se deu conta da corrupção que grassava no seu governo e no seu partido, depois de ter introduzido a flexibilização laboral, chegando à taxa recorde de 25% de desemprego, refugiou-se nos bastidores, nunca mais se candidatou a nada, com medo de que os processos voltassem à tona, já com vários ex-ministros presos.
Ele sonhava com pelo menos algo como Carter – ter uma fundação, circular pelo mundo como ex-mandatário, mais além da graninha que descolava com conferências – especialmente nos EUA, na esteira dos seus amigos clintonianos. Não podia ambicionar ao que pretendeu Mitterrand, porque se condenou a “virar a página do getulhismo”, não podendo pretender herdar a aura de Vargas. Recebeu de presente dos empresários a quem havia presenteado com as privatizações uma sede luxuosíssima em São Paulo, mas de nada adiantou. As pesquisas o indicam perpetuado como o eventual candidato com maior rejeição. O tempo passa, mas a condenação do seu governo, fracassado, apesar da exaltação da mídia – que depois de perder Collor o elegeu como seu queridinho –, o persegue como um pesadelo.
Mas seus verdadeiros parceiros foram Alberto Fujimori, Salinas de Gortari, Carlos Andrés Perez, Carlos Menem – todos processados e condenados, fugitivos, sofrendo o opróbrio dos seus povos. Gostaria de continuar convivendo com Antony Giddens e com Alain Touraine, mas sua decadência o condena a reunir-se com Jorge Bornhausen e com Artur Virgilio, figuras que ele despreza pela mediocridade e pelo grotesco que representam, mas às quais ele se assemelha cada vez mais.
Como havia sido eleito com a ajuda de Clinton, a quem agradeceu, entre outras coisas com a licitação forjada do Sivam – a Raytheon foi dos maiores contribuintes da campanha do ex-presidente dos EUA –, além do grotesco elogio que o devota atualmente – que faz Clinton o considerar um pobre diabo decadente –, agora lançou suas memórias nos EUA. Como se prestasse contas do seu mandato a quem deveu o seu mandato – aos estadunidenses. Esse o significado de lançar no império, ao invés de fazê-lo aqui, suas memórias. Os norte-americanos saberiam – se tivessem tido a sandice de comprar seu livro – de suas confissões de ex-presidente acidental antes do que os brasileiros.
O acidental foi decifrado, desde o começo, por José Luis Fiori: o plano de estabilização estava pronto, faltava quem o aplicasse. Collor tentou e acabou fracassando. Aí o ex-sociólogo vestiu a carapuça. O acidente se chamava PC Farias, que bloqueou o mandato de Collor e tornou FHC presidente acidental. Não um presidente que formulou um plano, mas que vestiu a carapuça de um plano pronto.
Hoje ele viaja a Washington e na saída ataca a Venezuela – música para os ouvidos bushianos. Tornou-se o homem dos gringos no Brasil (apesar de ter buscado três vezes contatos com o presidente venezuelano para, bem ao seu estilo, desmentir o que disse, para não parecer excessivamente de direita, para o que não teve retorno algum).
Por aqui, é o homem da direita e da extrema-direita. Pobre diabo, que escorrega de incontinência verbal a incontinência verbal, roxo de inveja por seu sucessor – de origem operária, do ABC paulista, que nunca leu Max Weber – estar usufruindo do sucesso internacional que ele gostaria de ter tido; em lugar de se parecer com Mitterrand, ou Felipe Gonzalez, ou Clinton, se assemelha mais a um vizinho e ex-colega: Carlos Menem.
Decadente como Menem, fracassado como Menem, prestes a ser denunciado pelos escândalos das privatizações como Menem, torpe como Menem, neoliberal como Menem, privatizador como Menem. Merece um tango como Menem. Talvez Cambalache, por seu tom depressivo. Ou apenas uma milonga.
Ainda tropeçará no seu orgulho ferido por alguns anos, unindo vexames a novos vexames na sua biografia – que ninguém escreverá –, sem a coragem de um réquiem merecido: uma nova candidatura, que sabe previamente condenada à derrota vergonhosa, como julgamento do governo mais antinacional, mais antipopular e mais corrupto da história brasileira.
Seria o epitáfio que ele merece: uma campanha em que, qualquer que seja o seu preposto, carregará a sombra do seu fracasso, e se tornará um novo plebiscito sobre seus malditos oito anos. Ainda não apareceram as últimas poeiras que lhe esperam no chão da sua decadência.
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