O ensaísta esloveno Slavoj Zizek os chama de “liberal comunistas” – incluindo na mesma categoria também a George Soros, aos executivos de Google, da IBM, de Intel, entre outros – que têm no editorialista do New York Times, Thomas Friedman, um dos seus escribas de plantão.
A palavra chave desses tipos é smart. “Ser smart, é ser dinâmico e nômade, inimigo da burocracia centralizada; acreditar no diálogo e na cooperação contra a autoridade central; apostar na flexibilidade contra a rotina; na cultura e no saber contra a produção industrial; privilegiar as trocas espontâneas e a autopoïese (a capacidade de um sistema de se auto-engendrar) contra as hierarquias rígidas.”
Bil Gates é a melhor imagem do que ele chama de “capitalismo sem fricções” ou da sociedade pós-industrial, com o “fim do trabalho”, etc., etc. Ele busca projetar a imagem de um “marginal subversivo”, um antigo hacker que tomou o poder e se disfarçou de executivo respeitável para seguir fazendo a mesma coisa de sempre.
No entanto sua doutrina é uma versão pós-moderna da “mão invisível” de Adam Smith, em que o mercado e a “responsabilidade social” não se contradizem, podem ser conciliados para o interesse de todos. Nas palavras de Friedman, não é mais preciso hoje ser um canalha para fazer negócios: a colaboração com os assalariados, o diálogo com os consumidores e o respeito pelo meio ambiente são as chaves do sucesso.
Olivier Malnuit fez uma lista dos dez mandamentos dos libreais-comunistas na revista francesa Technikart, que consistem no seguinte:
1. Você concederá tudo (internet com acesso livre, fim dos direitos de autor); você só cobrará os serviços adicionais, o que basta para te tornar rico.
2. Você mudará o mundo, em lugar de se contentar em vender coisas.
3. Você será super simpático: você terá o sentido do compartilhamento e da responsabilidade social.
4. Você será criativo: privilegiará o design, as novas tecnologias, as ciências.
5. Você dirá tudo: não terá segredos, se sacrificarás ao culto da transparência e da livre circulação da informação; toda a humanidade deve colaborar e dialogar.
6. Você não trabalhará nunca: os empregos fixos de 9 a 17 horas não são para você, você se dedicará à comunicação smart, dinâmica, flexível.
7. Você voltará à escola: praticará a formação permanente.
8. Você será uma enzima: não contente de trabalhar para o mercado, você criará novas formas de colaboração social.
9. Você acabará pobre: você redistribuirá suas riquezas aos que têm necessidade, pois você não poderia jamais gastar.
10. Você será o Estado: as empresas devem trabalhar como parceiras do Estado.
Os liberais-comunistas são pragmáticos que detestam a ideologia. Não há mais classe operária explorada, há apenas problemas concretos a resolver: a fome na África, o destinos das mulheres muçulmanas, a violência fundamentalista. O que mais adoram os liberais-comunistas são as “crises humanitárias”, em que eles podem dar o melhor de si mesmos. Ao invés de diagnosticar a exploração colonial e imperialista nas crises da África, busca-se a melhor maneira de resolver concretamente cada problema: colocar os indivíduos, os governos e as empresas a serviço do interesse geral, fazer com que as coisas aconteçam ao invés de ficar esperando tudo dos Estados, abordar a crise de uma forma criativa e original.
Eles se consideram os verdadeiros “cidadãos do mundo”, que vivem o tempo todo preocupados com o destino do planeta. Se inquietam com o populismo, o fundamentalismo, o terrorismo. As raízes profundas dos problemas do mundo estão na pobreza e no desespero que produzem o terrorismo fundamentalista. Eles não estão a fim de ganhar dinheiro, mas de mudar o mundo – e de passagem, se enriquecer ainda mais. Bill Gates transformou-se – ou foi transformado – no maior benfeitor a história da humanidade. Ele demonstra todos os dias seu amor pelo próximo consagrando centenas de milhões de dólares à educação, à luta contra a fome e a pobreza.
Mas, para distribuir riquezas, é preciso ganhá-las – ou, como diriam os liberais-comunistas: tê-las criado. Essa é a questão de fundo. Para conseguir esses fundos, a empresa privada é de longe a forma mais eficiente diante dos métodos ineficientes dos Estados centralizados e coletivistas. Taxando as empresas, regulando suas atividades, o Estado se choca com sua própria razão de ser: tornar a vida melhor para o maior número de pessoas, ajudar os que necessitam. Isso daria sentido à sua vida, eles não querem ser máquinas de produzir lucros. Por isso também eles são adeptos da espiritualidade, da meditação não-confessional. Eles fazem da responsabilidade social e da gratidão seu credo: são os primeiros a reconhecer que a sociedade os favoreceu incrivelmente, o que lhes permitiu juntar grandes fortunas, daí sua obrigação de promover um retorno para a sociedade, ajudando as pessoas a terem oportunidades de seguir um caminho similar. Eles dão com uma mão o que ganharam com a outra. Soros, por exemplo, usa a metade do seu tempo em especular, a outra em atividades “humanitárias”, que buscam compensar, em parte, os efeitos negativos da sua especulação. Bill Gates também tem duas caras: de um lado, um homem impiedoso, que esmaga ou compra seus concorrentes para criar um quase-monopólio. Por outro, o grande filantropo, que recorda: “De que adiante ter computadores, se as pessoas não têm o que comer?”
Na oposição entre essas duas caras – smart e non smart -, a idéia mestra é a de deslocalizar, exportando a face escondida (e indispensável) da produção para os paises da periferia – non smart -, com a super-exploração e a degradação do meio ambiente.
Assim Zizek se opõe a Bill Bates e os seus “liberais-comunistas”.
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