Os estrategas militares do Pentágono reconheceram que sofreram derrotas políticas, com consequências estratégicas nas suas recentes invasões militares do Iraque e do Afeganistão. O apoio militar dos EUA à invasões israelenses do Líbano e de Gaza, a ocupação etíope da Somália, apoiada pelos EUA, as tentativas de golpes na Venezuela (2002) e na Bolívia (2008) também não conseguiram derrotar os regimes populares no poder. Pior ainda, as redes nacionais civis, familiares, comunitárias e nacionais reforçaram os movimentos anti-colonialistas fornecendo apoio logístico essencial, informações, recrutamento e legitimidade.
Os estrategas do Pentágono, reconhecendo as bases sociopolíticas dos seus fracassos, viraram-se para cúmplices voluntários no mundo académico para fornecerem informações, sob a forma de relatórios etnográficos, de povos seleccionados, e tácticas e estratégias a fim de dividir e destruir fidelidades locais e nacionais. O Pentágono está a contratar cientistas sociais para traçarem ’mapas sociais’ a fim de identificar líderes e grupos susceptíveis de serem recrutados para o serviço do império. Por exemplo, a ’pesquisa de terreno’ académica contratada pelo Pentágono pretende demonstrar os modos como as práticas e os rituais religiosos tradicionais podem ser manipulados para facilitar a conquista imperial através da guerra cultural que desencoraje os povos subjugados de apoiarem os movimentos de libertação nacional. Em vez de confrontar o ocupante imperial com o objectivo de restabelecer a soberania nacional, as estratégias de ’guerra cultural’ orientam a população para se concentrarem em “problemas locais’. Estes são alguns dos ’projectos de investigação’ financiados pelo Pentágono a que se dedicam os ’académicos de uniforme’.
O Pentágono está profundamente empenhado nesta estratégia militar-académica de construção do império, atribuindo-lhe verbas de quase 100 milhões de dólares para a contratação de colaboradores académicos e para o financiamento de múltiplos projectos de ’investigação’ em todo o mundo contra estados, movimentos e comunidades seleccionados.
A ’Iniciativa de Investigação Minerva’ (MRI)
O maior, embora não seja o único, dos programas de investigação para a construção do império, financiados pelo Pentágono, nas ciências sociais, tem o nome de código de Iniciativa de Investigação Minerva (MRI). A MRI contrata grande número de académicos nos seus habituais bordéis académicos prestigiados, incluindo os chulos académicos veteranos e neófitos ambiciosos entre os assistentes pós-graduação e graduados. Estes ’estudiosos para o império’ estão actualmente empenhados em pelo menos catorze projectos O dinheiro da MRI foi buscar às universidades um amplo sortido de psicólogos, cientistas políticos, antropólogos, economistas, professores de estudos religiosos, especialistas de relações públicas, economistas do trabalho, e até mesmo físicos nucleares do MIT, Princeton, Universidade da Califórnia em San Diego e da Universidade Estadual do Arizona, entre outras. Esta generosidade do Pentágono constitui o que a Science (30/Jan/2009, p. 576) (revista oficial da Associação Americana para o Progresso da Ciência) chama ’um banquete para uma área habituada a viver de migalhas”.
Todas as regiões e grupos especificamente seleccionados para a investigação ’académica do Pentágono’ estão presentemente em conflito com o império dos EUA ou com o seu aliado israelense e incluem o sudoeste asiático, a África ocidental, Gaza, a Indonésia, o Médio Oriente. O parâmetro ideológico do Pentágono, que define a MRI, é a "guerra contra o terrorismo" ou as suas ’Operações de Contingência Ultramarina’, o novo fac-simile com o Presidente Obama.
A MRI tem um interesse especial em académicos que podem visar a área das organizações e actividades muçulmano-árabes, a fim de estudar e desenvolver métodos para "difundir e influenciar o discurso muçulmano contra-radical". Por outras palavras, a MRI está a contratar investigação académica, que irá permitir que o Pentágono penetre nas comunidades muçulmanas, co-opte os líderes e os transforme em colaboradores imperialistas.
A MRI não é um mero mecanismo de "poder ligeiro" – uma batalha de ideias – envolve académicos americanos nalguns dos aspectos mais brutais de guerra colonial. Por exemplo, as Equipas de Terreno Humano, financiadas pelo Pentágono, que operam no Afeganistão, estão profundamente mergulhadas na identificação e interrogatório/tortura de suspeitos combatentes da resistência, simpatizantes civis e membros de grandes famílias e clãs. Um professor de psicologia contratado pela MRI com antigas ligações às operações contra-insurreição do Pentágono, está profundamente envolvido no "estudo de emoções em alimentar ou reprimir movimentos motivados ideologicamente". Operações de ocupação dos serviços secretos têm estado profundamente envolvidas em "fomentar" a hostilidade entre as comunidades xiitas e sunitas no Iraque, no Líbano, no Irão e no Afeganistão. As torturas e as técnicas de interrogatórios duros, utilizadas no Médio Oriente e no Afeganistão, baseiam-se em estudos académicos e vulnerabilidades culturais e emocionais dos muçulmanos e são utilizadas pelos interrogadores militares americanos e israelenses para "quebrar" ou provocar profundos esgotamentos mentais nos activistas anti-ocupação ("repressão de movimentos ideológicos).
Esta versão contemporânea do Dr. Strangelove com a sua versão de fórmulas contra-insurreição imediatas cozinhadas por uma rede mundial de académicos de uniforme pode envenenar o ambiente académico – de modo muito semelhante ao que o Professor ’Bermans’ no estado do Michigan, MIT, Harvard, e noutros locais desenvolveu técnicas para investigar e destruir missões contra movimentos de base durante a Guerra do Vietname. O perigo e a atracção para os académicos do financiamento do Pentágono é especialmente agudo actualmente, dada a depressão económica e a imagem pseudo-progressista do regime Obama. As operações de salvamento da Wall Street e a queda do mercado de acções dos EUA têm reduzido as dotações às universidades o que provoca fortes reduções nos orçamentos académicos, salários e fundos para investigação, especialmente na investigação não relacionada com os militares ou com os negócios. O discurso duplo do regime de Obama que fala de paz e aumenta os orçamentos militares, reforçando as tropas no sudoeste da Ásia e alargando as sanções ao Irão, pode levar os académicos a justificar estas últimas citando as primeiras. Para arranjar recrutas académicos para o estábulo da MRI, o Pentágono organizou um seminário em Agosto de 2008, sob a fachada ideológica de "total abertura e estrita adesão à liberdade e integridade académica". Subsequentemente o Pentágono afirmou ter recebido 211 pedidos de académicos procurando um lugar na gamela imperialista.
Apesar da afirmação do Pentágono sobre o êxito da contratação de académicos, há sinais contrários que aparecem no mundo académico, principalmente à luz dos altamente publicitados raptos, tortura e interrogatórios de milhares de muçulmanos e activistas em todo o mundo inclusive nos Estados Unidos, feitos por Forças Especiais.
Fora da extrema-direita tem havido uma ampla relutância entre académicos em se associarem a um governo identificado com os abusos nas prisões de Abu Grahib e de Guantanamo, a destruição das protecções constitucionais dos EUA e as guerras coloniais de ocupação.
Mesmo no caso em que poderosos académicos pró-Israel e grupos de pressão tiveram êxito em conseguir a demissão de professores muito conhecidos por serem críticos do estado hebreu, estas purgas vingativas foram contestadas abertamente por muitos professores em todo o país, incluindo várias dezenas de académicos judeus. Mais recentemente, centenas de intelectuais e investigadores nos EUA, no Reino Unido e no Canadá, horrorizados com os crimes israelenses em Gaza, apelaram às universidades para boicotar as instituições académicas e os indivíduos israelenses que colaborem com as Forças de Defesa de Israel e com o Mossad para a destruição das instituições palestinas, e em especial o bombardeamento de universidades em Gaza.
Intimidação
O grupo de académicos com princípios, críticos da política de Israel e dos EUA, académicos distintos que desafiaram substancialmente o império através da sua investigação e publicações, não está livre da retaliação destinada a desencorajar outros intelectuais. Um caso recente é a suspensão do epidemiologista médico, o académico Dr. Gilbert Burnham da Escola de Saúde Pública Bloomberg da Universidade John Hopkins. O Dr. Burnham foi repreendido publicamente e suspenso da direcção de qualquer investigação envolvendo ’pessoas humanas’ por cinco anos por causa de ’quebras éticas de confidencialidade’ ( Science, 06/Março/2009, vol. 323, p. 1278). Estas ’violações éticas’ referiam-se à sua co-autoria do primeiro estudo epidemiológico rigoroso de larga escala sobre a mortalidade no Iraque durante a invasão e ocupação americana. Estudos locais exaustivos em todo o Iraque chegaram à conclusão de que morreram mais de 600 mil civis iraquianos de morte violenta entre a altura da invasão americana em Março de 2003 e o verão de 2006. Os resultados deste estudo sobre a morte e destruição induzidas pela guerra, publicados na prestigiada revista médica Lancet em Outubro de 2006, foram desmentidos por um Pentágono furioso mas confirmados por estudos subsequentes. As chamadas ’violações éticas’ referiam-se a uma questão técnica menor: a codificação incompleta de alguns dos nomes das famílias iraquianas entrevistadas nas folhas de inquérito de língua árabe. Para instituições imperialistas, como a Universidade John Hopkins, a utilização do falso pretexto de ’protecção da privacidade’ de centenas de milhares de mortos sem nome numa guerra americana de agressão para punir um distinto epidemiologista, é o mesmo que enviar uma mensagem de intimidação a intelectuais para que se abstenham de documentar as consequência genocidas de guerras imperialistas sobre um povo colonizado. Ao punir publicamente o Dr. Burnham com base nestas acusações idiotas, o Pentágono-Universidade John Hopkins estão a enviar uma clara mensagem aos académicos para não investigarem e revelarem os reais custos humanos da construção do império militar. Uma coisa é certa, as identidades dos que foram torturados ou expropriados com base nas políticas desenvolvidas pelos ’académicos’ Minerva patrocinados pelo Pentágono, vão manter-se certamente ’confidenciais’ – e muito provavelmente escondidas nas sepulturas em massa.
O facto de a Escola de Saúde Pública Bloomberg ter imposto um castigo tão extraordinariamente pesado sobre um dos epidemiologistas da sua própria faculdade, por causa de um erro técnico metodológico (o procedimento habitual é uma repreensão em privado), e o facto de as sanções terem merecido a maior divulgação pública, indica a natureza fortemente política de todo o processo. O que não é claro é se os apoiantes financeiros da Escola Bloomberg (juntamente com a sua Agenda do Médio Oriente) tiveram uma palavra a dizer nesta decisão punitiva.
Podemos esperar que o regime Obama, com a sua retórica ’mísseis para a paz’ e imagens populistas, proporcione uma cobertura para o recrutamento do Pentágono de académicos liberais para ’trabalhar para uma mudança a partir de dentro’. Desmascarar o papel da Iniciativa de Investigação Minerva do Pentágono como parte integrante da escalada militar de Obama é uma missão para todos os académicos que se opõem à construção do império e que apoiam a reconstrução duma república americana que apoia os direitos internacionais da auto-determinação.
Tradução de Margarida Ferreira.
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