Em 1991, o Secretário de Estado americano, General Colin Powell, mente com demasiada convicção, perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Foi baseado naquilo que ele reconheceu mais tarde, a título privado, ser um falso testemunho, que Washington destruiu o Iraque.

A guerra dos impostos alfandegários dos EUA contra a China e as novas sanções contra a Rússia, são sinais de uma tendência que vai mais além dos acontecimentos actuais. Para compreender qual é, devemos recuar trinta anos.

Em 1991, os Estados Unidos, vencedores da Guerra Fria e da primeira guerra após a Guerra Fria, declararam ser “o único Estado com uma força, um prestígio e uma influência verdadeiramente global, em qualquer esfera - seja ela política, económica e militar” -”e que, no mundo “não existe nenhum substituto para a liderança americana”.

Confiando na hegemonia do dólar, no alcance global das suas multinacionais e dos seus grupos financeiros, sob controlo de organizações internacionais (FMI, Banco Mundial, OMC/WTO), os Estados Unidos promovem o “comércio livre” e a “livre circulação de capitais” à escala global, reduzindo ou eliminando impostos e regulamentações. As outras potências ocidentais movem-se no seu encalço.

A Federação Russa, em profunda crise após a desagregação da URSS, é considerada por Washington como um território fácil de conquistar, para ser desmembrada para melhor controlar seus grandes recursos. A China, que se abre à economia de mercado, também parece estar apta a ser conquistada com capital e produtos dos EUA e explorada como um grande reservatório de mão-de-obra barata. Trinta anos depois, o “sonho americano"”do domínio incontestado do mundo, desvaneceu-se. A Rússia, organizou uma frente interna de defesa da soberania nacional, superou a crise recuperando o estatuto de grande potência. A China, a “fábrica do mundo” na qual produzem, também, as multinacionais dos EUA, tornou-se o maior exportador de mercadorias do mundo e faz, cada vez mais, investimentos no estrangeiro. Hoje desafia a supremacia tecnológica dos Estados Unidos.

O projeto de uma nova Rota da Seda - uma rede rodoviária, ferroviária e marítima entre a China e a Europa, através de 60 países - coloca a China na vanguarda do processo de globalização, enquanto os Estados Unidos se encerram, erguendo barreiras económicas. Washington olha com crescente preocupação, a parceria económica e política entre a Rússia e a China, que desafia a própria hegemonia do dólar.

Não conseguindo opor-se a este processo, apenas com expedientes económicos, os Estados Unidos usam os militares. O golpe na Ucrânia e a consequente escalada nuclear na Europa, a mudança de estratégia na Ásia, as guerras no Afeganistão e na Síria, fazem parte do plano pelo qual os EUA e as outras potências ocidentais tentam manter o domínio unipolar num mundo que se está a tornar multipolar. No entanto, esta técnica está a sofrer uma série de imprevistos como num jogo de xadrez.

A Rússia e a China, submetidas à crescente pressão militar, reagiram fortalecendo a cooperação estratégica. A Rússia não só foi só encostada às cordas, mas, com um movimento de surpresa, interveio militarmente a apoiar o Estado sírio que, nos planos dos EUA/NATO, deveria ter terminado juntamente com o líbio. No Afeganistão, os EUA e a NATO estão atolados numa guerra que dura há mais de 17 anos.

Como reacção a esses fracassos, intensifica-se a campanha para fazer a Rússia parecer um inimigo perigoso, usando também o argumento de falsa bandeira dos ataques químicos na Inglaterra e na Síria. A mesma técnica foi usada em 2003, quando, para justificar a guerra contra o Iraque, o Secretário de Estado, Colin Powell apresentou à ONU, a “evidência” de que o Iraque possuía armas de destruição em massa.

O mesmo Powell, em 2016, teve de admitir a inexistência de tais armas. No entanto, durante 15 anos, a guerra causou mais de um milhão de mortes.

Tradução
Maria Luísa de Vasconcellos
Fonte
Il Manifesto (Itália)