Durante a campanha eleitoral de 2002, o PT elaborou o documento "Vida Digna no Campo", programa em que afirmava os compromissos históricos do partido para o meio rural.
No capítulo sobre transgênicos está consignado o compromisso do Partido com o principio da "precaução", pelo qual, os organismos modificados geneticamente -transgênicos- somente seriam liberados comercialmente, se as amplas pesquisas comprovassem que não haveria prejuízo para o meio ambiente, para a saúde dos consumidores e para os agricultores. O documento está assinado pelo médico e coordenador do programa de governo, Antonio Palloci.
Nesses quase dois anos de governo, o Presidente Lula já assinou duas Medidas Provisórias liberando o plantio e a comercialização da soja transgênica no país, sem que pesquisas idôneas fossem realizadas e pudessem atestar a inocuidade de tais OGMs. Tampouco a Monsanto, principal interessada e que detém a patente mundial da soja transgênica Round -up, apresentou qualquer resultado de pesquisa realizada em solo brasileiro sobre impacto ambiental e/ou influencias na saúde humana, apesar de haver uma ação, tramitando na Justiça Federal há mais de seis anos, para impedir o cultivo da soja transgênica. Tempo suficiente para apresentar provas necessárias, se elas existissem, para a liberação do produto. Por que não o fizeram, não se sabe.
O governo federal se viu obrigado a editar as tais MPs liberando o plantio da soja transgênica em função das alianças eleitorais e políticas com o PMDB gaúcho. Por conta desses acertos optou por liberar o consumo de soja transgênica no Brasil, a despeito de desconhecer suas conseqüências imediatas e futuras.
Poderia, na malandragem, passar o problema adiante e liberar apenas para exportação. Mas, no meio do caminho há uma pedra. Ou melhor, a nefasta Lei Kandir que assegura a isenção de impostos estaduais, como subsídio e incentivo às exportações.
Ora, como quase a totalidade da soja gaúcha é transgênica, ao ser exportada ficaria isenta do ICMS e, nesse caso, o governo gaúcho iria a falência, pois não arrecadaria nada.
Então, entre mudar a lei Kandir, que beneficia apenas os exportadores, ou levar à bancarrota o governo do PMDB, governo preferiu editar a MP e deixar o povo pagar essa fatura.
A Monsanto aplaudiu a decisão. E tinha mesmo de comemorar, pois a Medida Provisória reconhecia a existência da soja transgênica, até então negada, e com isso dava a legitimidade que a Monsanto precisava para poder então cobrar royalties dos agricultores gaúchos. Dinheiro fácil, sem plantar um grão sequer.
E, mesmo sem vender um grão sequer de sementes, recolheu na ultima safra 80 milhões de reais, com um pequeno escritório de advogados no centro de Porto Alegre. E assim salvou a matriz estadunidense do vermelho, e suas ações voltaram a subir.
Mais tarde, diante de todas as manifestações contrárias à liberação do plantio e questionadoras daquela decisão, o governo federal tentou se redimir, editando uma lei pela qual, estabelecia que todos os produtos comercializados que contivesse componentes transgênicos deveriam fazer constar no rótulo, para que as pessoas tivessem o direito de saber e optar se queriam ou não consumir tais produtos. Aliás, esse é um direito já garantido pelo código do consumidor.
Nesse processo de tentativa de rotulagem, instituiu um símbolo, representado por um triangulo amarelo, que deveria constar em todo produto que contivesse mais de 1% de organismo transgênico. A lei está em vigor há mais de um ano. Foram comercializadas no país, segundo o ministro da Agricultura, mais de 5 milhões de toneladas de soja transgênica. Toda ela, consumida pelo povo brasileiro, inserida em produtos alimentícios, tais como embutidos, lácteos e na ração dos animais que depois viram carne para consumo. Nenhuma indústria acatou a determinação da lei, e ficou por isso mesmo.
Porém, a polêmica continuou na sociedade, inconformada com uma decisão parcial que beneficiava um pequeno segmento de produtores em detrimento da maioria da população brasileira.
As MPs, como o próprio nome indica, deveriam ser provisórias. Para dar um encaminhamento mais adequado à questão, a Casa Civil elaborou então, no final do ano passado, um projeto de lei de Biossegurança, e que foi debatido com as entidades ambientalistas, com os movimentos sociais do campo. O projeto de lei realmente buscava preservar a segurança e os direitos do povo brasileiro. Foi para a Câmara dos Deputados e, lá, misteriosamente, o próprio líder do governo, o ex-comunista Aldo Rebelo, não só não defendeu o projeto do governo como o desfigurou, atendendo apelos dos ruralistas e das transnacionais. A ministra Marina Silva reagiu vigorosamente, mas surtiram mais efeitos as pressões pessoais do ministro da Agricultura. A votação foi realizada por acordo de líderes, com protestos de mais de 40 deputados do PT. É um projeto rebaixado, em que libera a pesquisa com OGMs, mas preservava minimamente o direito de precaução no que se refere à comercialização, exigindo estudos de impacto ambiental e a submissão das decisões a um conselho de ministros para analisar os interesses do país, antes de liberar qualquer produto.
No Senado, os senadores Osmar Dias (PDT-PR) e Ney Suassuna (PSDB-Paraíba jogaram uma pá de cal no espírito inicial do projeto de lei do governo. Retirou-se qualquer principio de precaução social. Liberaram a soja transgênica imediatamente, deram total poderes para uma pequena comissão de 15 técnicos e membros do governo, a CTN-Bio, que se reúne uma vez por mês, para liberarem inclusive comercialmente, sem nenhum estudo de impacto ambiental ou de implicações para saúde humana.
Retiraram a exigência do rótulo, e impediram que os governos estaduais mantivessem a autonomia que já lhes fora outorgada por suas assembléias legislativas de manterem seus territórios livres de transgênicos, tais como os estados do Paraná, Goiás, Santa Catarina e Pará que editaram leis proibindo o cultivo de transgênicos em seus territórios.
As modificações são tão ruins que diversos senadores do próprio PT se recusaram a votar e, portanto, faltou quorum. Fomos salvos pela falta de quorum. E agora, só vai a votação em meados de outubro, possivelmente quando você estiver lendo esse artigo.
Se for aprovado no Senado, volta para a Câmara. Como não haverá tempo para regulamentar o plantio da soja, o governo deve editar uma nova MP para, de novo, proteger os interesses de alguns fazendeiros agricultores gaúchos, esquecendo que estão em jogo interesses de toda população brasileira, e sua segurança alimentar e de nosso meio ambiente.(até o fechamento do artigo, não se tinha ainda confirmação)
Mas o que está em jogo mesmo, com os transgênicos ?
Ao contrário do que os defensores da liberação dos transgênicos apregoam, a verdade é que o que os movimentos sociais e os ambientalistas mais querem é a pesquisa. É imprescindível que se pesquise ao máximo, para que se tenha segurança absoluta em cada caso, até porque há uma enorme quantidade os estudos provando a periculosidade de tais OGMs, tanto para o meio ambiente como para a saúde humana. A recusa em proceder às pesquisas necessárias para liberação do produtos e a pressa com que alguns grupos querem ver tais produtos amplamente comercializados deixa muitas interrogantes. Seguramente, não é para resolver o problema da fome no país.
Por outro lado, qual é o problema em rotular tais produtos? Se são realmente bons, rotulados, darão à população a possibilidade de optar pelo melhor.
O que os defensores da liberação dos transgênicos não têm coragem de dizer é que, no fundo, o que está em jogo é o poder monopólico das dez empresas transnacionais que controlam todas as sementes transgênicas existentes no mundo. Elas querem nos impor suas sementes, para controlar nossa agricultura e nos expropriar por meio da lei de patentes da OMC, nos cobrando royalties.
Na verdade, o que esta em jogo, nessa polêmica acerca dos transgênicos é se seremos um país que garante a segurança alimentar do seu povo, assegurando que um setor vital da economia, a agricultura, permaneça sob controle dos agricultores e a serviço do povo brasileiro. Ou, cederá passo para a apropriação pelas transnacionais dos transgênicos do fruto do trabalho dos agricultores, da riqueza nacional e, mais grave ainda, colocando em risco a integridade do povo brasileiro.
E o poder econômico das transnacionais, conhecem sobejamente as vulnerabilidades de caráter e não hesitam em pagar viagens e outros mimos para parlamentares, jornalistas com o fim de atraí-los para o seu campo e convertê-los nos arautos da transgenia.
O que está em jogo é nosso futuro. O que precisa ficar esclarecido nesse processo é se o povo brasileiro terá autonomia sobre a produção de seus alimentos, ou seja se preservará a soberania alimentar, ou será dependente das transnacionais para se alimentar. E como nos advertiram tantos pensadores, "um povo que não produz e não controla seus próprios alimentos, não é um povo livre!"
Dos nossos governantes esperamos, no mínimo, que tenham consciência de suas responsabilidades históricas perante nosso povo.
João Pedro Stedile, membro da via campesina Brasil
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