O reconhecimento do ministro espanhol de Relações Exteriores, Miguel Angel Moratinos, sobre o papel que jogou o governo espanhol no golpe de Estado na Venezuela em abril de 2002, tem confirmado e colocado novamente na esteira a ingerência estranjeira nos processos políticos latinoamericanos, em especial, no caso venezuelano. No mesmo mês, poucos dias depois do golpe, denunciamos tal participação no artigo abaixo:
Domingo, 21 de abril de 2002
Um jornalista español dizia na semana passada , depois do frustrado golpe de Estado contra o governo constitucional de Hugo Chávez: "Que cheiro de hambúrguer, jabugo (presunto serrano) e petróleo!". Obviamente o homem sabia do que falava: da participação de funcionários estadunidenses, espanhóis e salvadorenhos no golpe encabeçado pelo líder empresarial Pedro Carmona.
Nenhuma dessas afirmações parecem hoje descabeladas, já que os próprios embaixadores de Estados Unidos e Espanha, Charles Shapiro (quem antes articulou o escritório Cuba no departamento de Estado) e Manuel Viturro, se reuniram o "presidente" Pedro Carmona, depois que ele dissolveu a Assembléia e as principais instituições.
Deacordo com investigações privadas, uma das consequências do golpe era a desnacionalização do petróleo: privatização da Petróleos de Venezuela S.A (PDVSA), para deixá-la nas mãoes de uma empresa estadunidense ligada ao presidente George Bush e da espanhola Repsol; vender a filial estadunidense da PDVSA, Citgo, a Gustavo Cisneros e seus sócios do mesmo país do norte, e por fim, a reserva do Estado venezuelano no subsolo.
Para isso, havia que desconhecer a Constituição de 1999 e aproveitar do conflito com a empresa estatal, onde a gerência jogou de acordo com as regras enviadas do norte por seu ex-presidente, Luís Giusti. Ainda assim, para isso, se contava com a ativa participação no golpe e o financiamento do mesmo, pelo empresário Isaac Pérez Recao, do qual Carmona era empregado na petroleira Venoco.
Uma importante fonte militar disse a agÇencia France Press o que havia publicado a imprensa local: que Perez Recao ordenava a um pequeno grupo "extremista de direita, que estava fortemente armado, inclusive com fusis lança-granadas, (...) sob a condução operacional do contraalmirante Carlos Molina tamayo", um dos oficiais que já se havia revelado publicamente contra Chávez em fevereiro passado, e que já estava a cargo da Casa Militar de Carmona. De acordo com a fonte. este grupo "pertencia a uma empresa de segurança, de propriedade de ex-agentes do Mossad (serviçoes israelenses de segurança. terrorismo e espionagem), o que significaria que Israel estivesse envolvido no complô.
Esta declaração tampouco chamou a atenção: o personagem com cara e armamento de Rambo que custodiava pessoalmente a Carmona era Marcelo Sarabia, vinculado com organismos e empresas de segurança -algumas eram franquias da Mossad- que se vangloriava de pernoitar no Bunker da embaixada estadunidense. Sarabia foi com Pérez Recao no mesmo sábado, 13. Sua noiva dois dias depois abandonou a televisão Televén para se uni ra ele.
A agência privada de inteligência estadunidense Straffor denunciou que a CIA "tinha conhecimento dos planos (golpistas), e inclusive pode never apoiado aos civis e oficiais militares de extrema direita que tentaram, sem êxito, apoderar-se do governo interino", disse a agência, após citar militantes da Opus Dei e a oficiais vinculados com o general retirado Rubem Pérez Pérez -genro do ex-presidente Rafaela Caldera- como participantes do golpe.
Ficou confirmado que o avião em que se pretendia levar a Chávez até a ilha La Orchila pertencia ao banqueiro de origem paraguaia Victor Gil (Totalbank). O destino? Segundo a equipe da aeronave registrada nos Estados Unidos, o plano de vôo era Porto Rico, território estadunidense.
A intervenção dos EUA não somente esteve nos "conselhos" de altos funcionários de Washington, como Rogélio Pardo Maurer - a serviço de oerações especiais e conflitos de baixa intensidade na Amérivca Altina e no Pentágono - Otto Reich e/ou John Maisto, se não também que o tenente coronel James Rodger, da equipe de temas militares da embaixada dos EUA em Caracas, apoiou com sua presença a sublevação, instalado no quinto piso do Comando do Exército, de onde se assessorou aos generais subelevados.
Reiche encarregado dos assuntos latinoamericanos do Departemento de Estado disse que falou "duas ou três vezes" durante o golpe com Gustavo Cisneros, companheiro de pesca de altura do ex-presidenet George Bush e a cabeça máxima de um império empresarial que se extende dos EUA a Patagonia (DirectTV, Venevisión, Coca-Cola, Televisa). Reich disse a revista estadunidense Newsweek que somente buscava informação, não incitava ou dirigia os organizadores. "Não tivemos absolutamente nada a ver com isso", afirmou.
Talvez chame a atenção o caso dos salvadorenhos detidos depois de 11 de abril e que, segundo fontes da inteligência local, formariam parte de um esquadrão da morte treinado para realizar atentados em diversos países latinoamericanos (antes em Cuba e Panamá). Os vínculos que sinalizam essas fontes são os do ex-embaixador en São Salvador, o democratacristão Leopoldo Castilho, hoje comentarista de rádio e assessor da central empresarial.
No canal de TV,Venevision, se reuniram os que faziam parte do complô na tarde do golpe, entre eles, Carmona. "Esse governo foi armado nos escritóriso de Gustavo Cisneros", disse o deputado opositor Pedro Paulo Alcântara (Ação Democrática), quem se fez famoso por ser um dos censores enviados em 1992 a imprensa do então presidente Carlos Andrés Perez. Quem leu o decreto de Carmona e foi momeado Procurador Geral, Daniel Romero, foi destinado a secretário privado de Pérez e funcionário da organização Cisneros.
As repercussões do frustrado golpe começaram em Washington e ameaçaram em se converter no primeiro escândalo público, em política exterior, da administração Bush. Não se descarta que o comitê de Relações Exteriores do Senado estadunidense tenha ordenado o requerimento de documentos que detalhassem os contatos dos cidadãos venezuelanos - como do ex-presidente da PDVSA, Luís Giusti - com funcionários estadunidenses de mais alto nível civil e militar.
Depois de que o governo plutocrático de Carmona dissolveu a Assembléia
Nacional e desconheceu a Constituição, após comprovar o mal estar produzido entre os chefes de Estado do Grupo de Rio reunidos em Costa Rica, boa parte dos generais e da oposição civil a Chávez, começou a falar de uma junta de governo pluralista, que respeitaria a vigência do Congresso, e a atuação de governadores e prefeitos.
Inúmeras chamadas se realizaram entre a noite de sexta-feira e o meio-dia do sábado entre Caracas e Washington. Do Pentágono se comunica o general Efraín Vásquez, principal poder durante a breve interinidade de Carmona, no cumprimento de uma série de pontos, que são transmitidos na capital estadunidense por funcionários do Departamento de Estado ao encarregado de negócios da Venezuela, Luis Herrera Marcano à Carmona pelo próprio embaixador Shapiro, a mando castrenses pelo coronel Harkins, que também fazia parte da delegação dos Estados Unidos em Caracas.
Na fuga do Palácio Miraflores os golpistas deixaram um espetacular almoço sem servir e vários documentos no despacho presidencial. Um deles, enviado por Luis Herrera Marcano, a quem, sem dúvida, era o enlace dos golpistas com o governo estadunidense, o contraalmirante Molina Tamayo (comunicação 913, estranhamente com o bracelete da Embaixada da Venezuela e um da República Bolivariana de Venezuela), que diz textualmente:
Na manhã de hoje se comunicou telefonicamente comigo o senhor Phillip Chicola, do Departamento de Estado, para me pedir que comunicasse urgentemente ao governo venezuelano os seguintes pontos de vista do governo dos Estados Unidos:
1- Dado que os Estados Unidos assinaram e apoiam a plena vigência da Carta Democrática Interamericana, que condena qualquer ruptura da legalidade constitucional é necessário que a transição que se está operando atualmente en Venezuela, que comprendem e com a qual simpatizam, conserva as formas constitucionais. A esse fim consideram indispensable que se conquiste a aprovação da Assembleía Nacional à renuncia do presidente Chávez e que, no caso de haver recurso no Tribunal Supremo, este também se pronuncie afirmativamente. O senhor Chicola deixo bem claro que não se tratava de uma imposição, se não antes bem a exortação a facilitar a eles para dar formalmente o apoio às novas autoridades. Indicou que não apenas estavam obrigados pelas disposições da Carta Democrática, se não que também estavan submetidos a normas legais que os obrigam a prestar contas ao Congresso de qualquer interrupção da legalidade constitucional de um país do Continente e, eventualmente, a suspender todas as atividades de cooperação.
2- Nesta mesma ordem, sugeriu ao senhor Chicola que o novo governo dirigisse o quanto antes uma comunicação ao governo dos Estados Unidos na qual se expressava formalmente o compromisso de chamar eleições em um prazo razoável indicando que nestas eleições seriam bem-vindos os observadores da OEA.
3- Indicou que era de grande importância que chegasse uma cópia da renúncia assinada pelo presidente Chávez.
4- Finalmente assinalou que sua esperança de que fosse imediatamente substituído o atual representante permanente de Venezuela na OEA. Insistiu que se tratava de uma sugestão amistosa, para o bem da Venezuela, e não uma declaração de y “persona non grata".
Por fim, expressou ao senhor Chicola que esta mesma mensagem seria transmitida pelo Embaixador dos Estados Unidos na Venezuela.
Ingerência? Sugestão?
O cartilha já havia sido aprendida pelos representantes no Conselho Permanente da OEA. Neste espaço, César Gaviria, o colombiano Secretário General havia sugerido que como o governo de Chávez havia sido deposto, o embaixador Jorge Valero não deveria entrar na reunião. A noticia foi transmitida pelo representante chileno Esteban Tomic e pela presidenta do Conselho, a salvadoreña Margarita Escobar. Estados Unidos, Equador, El Salvador, Costa Rica, Nicaragua e Colombia se esforçavam para que se se reconhesse o governo imposto, enquanto México, Argentina e Brasil -com apoio unânime dos países países caribenhos- insistíam no texto da Carta Democrática. Estes países se incomodaram pela segunda vez com Gaviria quando notificou que o governo de Carmona havia destituído a Valero, e foi o representante de Barbados quem se encarregou de fazer o enlace entre os golpistas e a OEA, e por ordenar o encerramento das funções de um embaixador sem que fossem cumpridos os trâmites legais.
Um dos apressados em apoiar o governo de Carmona foi Santiago Cantón, relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, quem neste mesmo sábado, 13, enviou uma comunicação dirigida ao “excelentíssimo senhor ministro de Relaciones Exteriores, José Rodríguez Iturbe”.
Pelo lado espanhol, não puderam dissimular a estratagema. Nem o ministro de Relações Exteriores, Josep Piqué, nem os funcionários da embaixada em Caracas. Alguns empresários espanhóis que se davam melhor com Chávez que com a embaixada, afirmavam que houve um poço de 500 milhões de bolívares (pouco mais de meio milhão de dólares) para co-financiar a greve geral e o golpe, com dinheiro de grandes empresas como Repsol e bancos, mas nada disso foi possível confirmar.
De qualquer maneira, Viturro reuniu todo o pessoal espanhol de alto cargo no domingo passado para deixar claro qual era a estratégia que seguirão daqui em diante: insistir por todos os meios na necesidade de um referendo ou que Chávez convoque novas eleições em curto prazo. Exatamente a mesma estratégia lançada por Shapiro do Bunker de Valle Arriba, sudeste de Caracas, aos periodistas anglo-falantes credenciados no país.
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