O escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura, criticou ontem os protestos "desproporcionais" realizados por participantes do Fórum contra o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, mas também não perdoou suas atitudes "paternalistas".
Saramago participou ontem de uma conferência intitulada Quixotes de Hoje: Política e Utopia, uma iniciativa financiada pelo governo espanhol, que busca fazer uma conexão entre o quarto centenário da publicação de Dom Quixote, de Manuel Cervantes, e a luta contemporânea contra os males da globalização capitalista.
Estiveram também no painel, Eduardo Galeano, escritor uruguaio, o diretor da publicação francesa Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet, e o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República do Brasil, Luiz Dulci.
Além de Saramago, viu-se novamente - já haviam comparecido a uma série de encontros nos últimos dias - a presença do espanhol Federico Mayor Zaragoza, ex-diretor da Unesco, e do italiano Roberto Savio, secretário-geral do Media Watch Global e presidente emérito da IPS.
Todos queriam entrevistar Saramago, mas ele se negou a dar entrevistas. Ao invés disso, fez uma coletiva de imprensa e as perguntas não giraram em torno da luta nobre e inútil do fidalgo cavaleiro Dom Quixote de La Mancha, mas se voltaram para os personagens da política real, menos quixotescos e mais calculistas.
A figura central foi o presidente Lula, perseguido pelos grupos radicais por não cumprir com mais rapidez suas promessas de melhorar a vida dos brasileiros ou simplesmente por havê-las abandonado. Coisa que Lula rechaça e, a julgar pelo encontro que manteve no FSM na quinta-feira, dia 28, a maioria continua acreditando.
"A vitória de Lula (em 2002) despertou grandes expectativas, não só no Brasil e na América Latina como também em todo o mundo, expectativas que no fundo correspondiam às promessas feitas", disse Saramago.
O escritor ressaltou as dificuldades enfrentadas por um governo de esquerda para dar resposta às necessidades imediatas das pessoas e fazer mudanças enquanto enfrenta uma ordem internacional dominada pelas grandes potências e organismos multilaterais de crédito.
Saramago condenou as manifestações feitas "com radicalismo" e "desproporcionais em relação à causa" feitas no Fórum pelos grupos que consideram Lula uma espécie de traidor.
Lula também não poupou críticas, dizendo que o grupo de jovens enfurecidos que o vaiava era de "filhos do PT", que mais cedo ou mais tarde voltariam ao reduto que os viu nascer.
"Eu diria ao presidente Lula que o paternalismo é uma atitude que não convém a ninguém, muito menos a um político com responsabilidade", disse Saramago a título de conselho.
Na conferência deste sábado, assistida por cerca de cinco mil pessoas, o ministro Dulci também foi vaiado por um grupo minoritário de assistentes. O funcionário foi acusado de "oportunista" por destacar em seu discurso as obras do governo.
Enquanto isso, o uruguaio Galeano sustentou que a administração de Lula "enfrenta os mesmos desafios de outros governos da América Latina que têm vontade de fazer mudanças e que geraram expectativas de mudanças nas novas gerações".
Esses governos "têm uma grande responsabilidade porque as pesquisas de opinião revelam que a situação da juventude é patética. A juventude não tem fé na democracia. Existe uma proporção muito alta de jovens que não têm fé na democracia e não é culpa deles: é uma reação lógica" a anos de frustração, afirmou ele.
"A esquerda, que está no poder ou próxima ao poder em muitos países, tem essa responsabilidade imensa neste momento", acrescentou ele.
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