Um acúmulo de dados contundentes comprova a obsessão do
governo Bush pelo controle e manipulação da informação e da mídia. E não me
refiro a indícios antigos evidenciados pela conduta pessoal do presidente George
W. Bush, que já apontavam nessa direção, mas aos fatos concretos mais recentes,
o último dos quais gerou um escândalo nos últimos dias, o caso de "Jeff
Gannon".
Jeff, estranho personagem, pintou certo dia na sala de imprensa da Casa
Branca, dizendo-se jornalista de um website conservador sem qualquer expressão,
quase desconhecido, chamado Talon News - propriedade de uma organização
igualmente suspeita, uma tal GOP USA, sendo GOP iniciais do apelido do Partido
Republicano (Great Old Party), e USA, claro, Estados Unidos da América.
Um raciocínio elementar já identificaria Jeff, o Talon News e o GOP USA como
capas óbvias de uma picaretagem grossa. Mas a Casa Branca estranhamente deu ao
cidadão que representava os dois grupos suspeitos (para dizer o mínimo) o
privilégio de receber credencial para participar dos "briefings" do porta-voz de
Bush, lado a lado com o "New York Times", "Washington Post", ABC, CBS, NBC,
etc.
Até o nome dele era falso
Pior do que isso: graças ao governo (no início Scott McClellan e seus
porta-vozes subordinados da sala de imprensa, e depois também o próprio
presidente, George W. Bush em pessoa), o tal Jeff virou estrela, embora fosse
falso até o nome dele (o nome real é James D. Guckert). Isso porque o picareta
não perguntava, como os jornalistas: só levantava a bola, com ataques à
oposição, para McClellan (ou Bush) chutar em gol.
A rotina fraudulenta se repetiu ao longo de meses. E a farsa afinal
escancarou-se na coletiva de Bush a 26 de janeiro. O presidente, já há algum
tempo, passara a adotar procedimento novo nas entrevistas. Escolhia com extremo
cuidado cada perguntador. A encenação parecia obedecer a um script. E excluía
gente que faz perguntas difíceis, como a veterana Helen Thomas, decana dos
correspondentes na Casa Branca.
No dia 26 um dos contemplados com a honra de perguntar foi o bom e velho
Jeff, chamado com simpatia por Bush. O falso jornalista fez então sua pergunta,
que era um editorial. Disse que o líder oposicionista Harry Reid falava em "fila
da sopa", como se o país estivesse na depressão, e Hillary Clinton descrevia uma
economia "à beira do colapso". E arrematou: "O senhor acha que ainda pode
trabalhar com gente desse tipo?"
Só um completo idiota não percebeu a farsa. Até porque Reid e Hillary não
tinham dito aquilo. Um extremista do conservadorismo bushista, o radialista de
"talk show" Rush Limbaugh, é que fabricara aquelas imagens para ridicularizar os
dois. O próprio radialista, muito "honrado", fez a correção em seu programa do
dia seguinte, vangloriando-se das suas imagens fantasiosas e enchendo a bola de
Jeff.
Recebendo vazamentos ilegais
Diante de tanta coisa concreta, toda a comunidade jornalística afinal ousou
indagar quem era o falso jornalista e como era admitido ali, se não passava de
picareta. O caso ganhou destaque e Jeff demitiu-se ante a revelação de que seus
websites fajutos ainda eram ligados a outros, pornográficos. Ficou no ar a
pergunta: quem deu credencial ao picareta, rejeitado antes ao tentar uma no
Congresso?
Jeff também já fora escolhido antes como um dos privilegiados a receber
vazamento ilegal da informação que identificou Valerie Palmer como agente da
CIA. Esse caso, ainda sob investigação, ameaça comprometer autoridades como Karl
Rove - marqueteiro e alto assessor de Bush. Pois o vazamento pode ter sido
vingança contra o marido de Palmer, ex-embaixador Joseph Wilson.
O pecado desse ex-diplomata foi ter constatado na África, a serviço da CIA,
que não passava de fraude a suposta prova de que o Iraque tentara comprar urânio
em Níger. Ele denunciou o presidente porque, mesmo depois de comprovada tal
fraude, Bush ainda repetiu a versão mentirosa num pomposo discurso do Estado da
União, perante sessão conjunta do Congresso.
A mesma obsessão do engodo
Daria para relevar o escândalo Gannon como apenas mais uma trapalhada da Casa
Branca, não fosse a sucessão de casos que comprovam a obsessão de usar a mídia,
com fraude, para enganar o país. Mais quatro antecedentes:
- Dinheiro do contribuinte foi usado para pagar dois atores, Karen
Ryan e Alberto Garcia. Vídeos gravados por eles, como se fossem repórteres,
falando de decisões maravilhosas do governo e eram usados por centenas de
emissoras de TV no país (o orçamento da "operação" era de US$ 124 milhões). Ryan
e Garcia tinham feito a mesma coisa antes, em comerciais da indústria
farmacêutica;
- Armstrong Williams, outro suposto jornalista (habituado a
participar de debates em "talk shows", defendendo Bush e sua gente), recebia
dinheiro de órgão oficial (ao todo, US$ 240 mil), o Departamento de Educação,
para defender como magníficas e revolucionárias as controvertidas iniciativas
educacionais do governo Bush;
- Mike McManus foi pilhado em flagrante levando grana (do
Departamento de Saúde) para falar bem do governo na TV e no rádio. Como
especialista em "ética e religião", nome de sua coluna na mídia, proclamava as
maravilhas do programa Bush de "defesa do casamento";
- Maggie Gallagher, próspera profissional do império Murdoch de
desinformação ("New York Post" e rede Fox, e mais veículos pelo mundo afora),
chegou a ser atraída em 1998 por uma editora de extrema direita, a Regnery, para
fazer o livro de Paula Jones (descrevendo, por exemplo, as características
peculiares do pênis do presidente Clinton). O governo Bush também pagou a ela,
mas para exaltar o "programa casamenteiro". Até que faz sentido: se entende de
pênis, deve ser boa em casamento
Tribuna da Imprensa
Permaneçam em Contacto
Sigam-nos nas Redes Sociais
Subscribe to weekly newsletter