Em visita ao Rio de Janeiro para participar do Seminário Internacional Alternativas à Globalização, de 8 a 13, e da conferência internacional Pensamentos e Movimentos Sociais na América Latina e Caribe: Imperialismo e Resistência, de 15 a 17, o cientista político argentino Atílio Boron fez uma análise do que o linguista Noam Chomsky chamou de "meios de desinformação de massas".
Segundo ele, esses meios desinformam, com notícias que não interessam a ninguém, e escondem as notícias mais importantes. Ao comentar, nesta entrevista ao Brasil de Fato, a democracia na América Latina, o professor disse que "o modelo político cubano - que a grande imprensa chama de ditadura - é muito mais democrático do que as plutocracias (governo dos ricos) e oligarquias (governo de alguns) que surgem do sufrágio universal, mas que representam os interesses das minorias endinheiradas".
- Qual a alternativa para a América Latina face à globalização?
- Eu creio que a forma de globalização que temos hoje não é a única possível. Ou seja, o formato dessa globalização obedece a uma repartição do poder mundial imposta pelo capital financeiro. Porém, os que estudam esse tema sustentam, com razão, que é possível uma outra forma de globalização. No meu entender, o pior, no movimento que propomos a essa globalização, seria nós nos retirarmos dela. O que significaria voltar ao passado. Isso é absolutamente impossível. É como se na época da Revolução Industrial quiséssemos voltar às velhas formas de produção da época pré-industrial. É impossível voltar atrás.
A globalização chega para ficar. A pergunta que deve ser feita é: quais são os globalizadores? São o capital estrangeiro, os países mais ricos, as classes dominantes dos nossos países da América Latina. Pensamos que há outra globalização possível. Uma globalização solidária, que preserve o ambiente, a natureza e o planeta Terra. Que uniformize os direitos sociais e trabalhistas de todos os homens e mulheres. Isso depende de uma correlação de forças, neste momento. Em outro plano, tem-se a experiência da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) na América Latina, que tenta impor essa globalização quase como um estatuto constitucional. E tem como outra possibilidade a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), proposta pelo presidente venezuelano Hugo Chávez. Assim, é possível estabelecer um esquema altamente globalizado, de intercâmbio de produtos, mas numa lógica não mercantil.
- É isso que pode se chamar de solidariedade?
- Sim, uma solidariedade concreta, não retórica. Ou seja, quando Chávez disse: "Vou garantir aos países do Caribe petróleo abaixo do preço internacional, porque o combustível tem que ser um elemento civilizatório que permita a todos viver melhor", está demonstrando que os países podem dar um passo muito importante nessa direção. Se ele fosse acompanhado com essa mesma força pelo Brasil, pela Argentina e pelo México, as mudanças na América Latina seriam enormes. Essa é uma direção alternativa para a globalização.
- Os governos da Argentina, Brasil e Uruguai, mais progressistas, não podem apoiar mais ativamente a Venezuela?
- Hoje, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sobretudo no terreno da política econômica, é um dos mais neoliberais da região. Muito mais do que os da Argentina e do Uruguai. Então, esses governos não estão acompanhando Chávez como deveriam. Ouvi dizer que ele insistiu em fazer acordos vantajosos para o Brasil, que só agora começou a aceitá-los. Porque a relação entre o Brasil e a Venezuela é estratégica. E o Brasil ganharia muitíssimo fortalecendo essa relação. Mas, como os Estados Unidos não querem, e o Brasil presta muita atenção nos capitalistas que dominam a economia mundial... em vez de avançar decididamente no aprofundamento das relações com Chávez, o país anda muito lentamente nessa direção. Por isso, a Venezuela está acompanhada somente pelo presidente cubano Fidel Castro. E, como todos sabem, e Fidel já repetiu muito, Cuba é um país pequeno e subdesenvolvido. Com uma enorme vocação de transformação social, que faz milagres mesmo em face do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos. Mas que não pode tomar a iniciativa num processo como esse. Toma-a Chávez, mas precisa de parceiros que estão atuando com muita lentidão.
- Essa lentidão não tem a ver com a difusão de informações que criam instabilidade na sociedade?
- Claro, assim são os meios de informação na América Latina, quase todos dominados pelos setores mais reacionários de nossos países. O objetivo fundamental desses veículos não é informar as pessoas, fazer com que pensem. Ao contrário. Por isso, o linguista estadunidense Noam Chomsky, em vez de dizer "meios de informação de massas", fala de "meios de desinformação das massas". O objetivo é desinformar. E a mídia desinforma com notícias que não interessam a ninguém, além de esconder as mais importantes.
Ou dá uma informação parcial. Em todo caso, há um mecanismo pelo qual, na medida em que os EUA consideram a Venezuela um inimigo, um país que pode ser cúmplice do terrorismo, isso exerce um efeito paralisante sobre os governos que não têm uma vocação séria de mudanças. Senão poderiam dar de ombros ao que dizem os estadunidenses e fazer as políticas que lhes convêm. Eu tenho grandes dúvidas de chamar esses nossos governos de democráticos. São mais plutocracias (governo dos ricos) e oligarquias (governo de alguns). Governos que surgem do sufrágio universal, mas que representam os interesses das minorias endinheiradas. Que governam para essas minorias. Não é um acidente da divina providência que o capital financeiro dos grandes bancos no Brasil obtenha os maiores lucros da sua história. Foi obra de homens. Quais? Dos que governam. Que optaram por favorecer os lucros dos banqueiros em detrimento do Programa Fome Zero.
- O senhor acredita que esses governos, particularmente o do Brasil, só possam se modificar sob pressão popular?
- Na América Latina, nos últimos anos, as mudanças importantes não foram produzidas pelas vias institucionais, mas quando a gente saiu às ruas. Como foram as Diretas Já e a derrubada do ex-presidente Fernando Collor de Melo, no Brasil. Ou a saída do ex-presidente Alberto Fujimori, no Peru. Os três presidentes que foram derrubados por mobilizações populares no Equador. Dois presidentes na Bolívia. A saída de Fernando de la Rua na Argentina. Tudo feito pelas massas. Isso revela que na América Latina a institucionalidade política não tem nenhuma eficácia para resolver as crises.
- Por meio das eleições, então, não muda nada?
- Não muda nada. E o Brasil acaba de demonstrar com a eleição de Lula. O governo do PT tinha uma única arma que podia utilizar e não o fez. Imagine se, assim que chegou ao governo, Lula tivesse convocado o povo para um referendo, dizendo: "Senhores, eu fui obrigado a assinar essa Carta aos Brasileiros, mas fomos enganados. A realidade brasileira mostra um grau de dependência e submissão ao capital financeiro que é ruinosa para o Brasil. E temos que tomar uma decisão drástica: romperemos com esse sistema e avançaremos por outro caminho. E isso eu não posso resolver sozinho. Vou consultar o povo para que decidamos. Se seguimos como estamos ou mudamos de caminho". Lula não fez isso. Custou-lhe o governo. O poder real só se tem com o respaldo popular organizado e mobilizado.
- Os movimentos sociais representam uma saída?
- A única saída, não existe outra.
- Como o senhor vê as democracias em nossos países latinoamericanos?
- Vejam o exemplo do modelo político cubano, que muitos consideram incompatível com a democracia. É um modelo que contém elementos democráticos muito mais profundos do que os que encontramos nas outras democracias. Porque há um traço fundamental na democracia: a redução da distância existente entre governantes e governados. Em nossos países, ditos "democráticos", porque não o são, essa distância é imensa. Em Cuba, ela é absolutamente mínima. E isso foi reconhecido em uma assembléia do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), em 2003, por um dos maiores pensadores do liberalismo político contemporâneo, que é o professor Robert Dall, da Universidade de Yale.
Ter um sistema bipartidário é uma das bobagens mais difundidas na América Latina. Vejam o exemplo estadunidense. Como disse Noam Chomsky, sobre as últimas eleições presidenciais nos EUA, podia-se escolher entre dois grupos de supermilionários que iriam governar o restante da sociedade. Isso porque tanto George W. Bush quanto seus oponentes são todos supermilionários. Assim, Cuba, com um só partido, é muitíssimo mais democrática. Mas os EUA têm também partido único.
A menos que demonstrem que republicanos e democratas representem opções diferentes de organização econômica e social, o que têm são duas equipes que realmente funcionam para os mesmos grupos dirigentes e nada mais. Claro que em Cuba eles não têm muitas coisas para comprar, como indivíduos. Mas como coletividade têm alimentação, saúde e educação asseguradas, estas últimas entre as melhores do mundo. E produzem uma população melhor preparada pelo que se pode ver pelas incontáveis medalhas de ouro que ganham nas olimpíadas e jogos pan-americanos. Esses são indicadores da qualidade de vida democrática. E isso não é dito pela grande mídia, que sobre Cuba só diz mentiras, como quando escrevem que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um grupo insurrecional de guerrilheiros. Mentiras apresentadas de tal maneira que, para o leitor desinformado, parecem verdades.
Quem é
Atílio Boron, PhD em Ciência Política pela Universidade de Harvard, é professor da Universidade de Buenos Aires e secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso). Entre suas obras estão Mercado contra Democracia no capitalismo contemporâneo (Vozes, 2002), Filosofia Política Marxista (Cortez, 2003).
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