A poucos dias da 4ª Cúpula das Américas, prevista para ocorrer entre 4 e 5 de novembro, em Mar del Plata, a relação entre Argentina e Estados Unidos entra em zona de definição: prevalece a unidade, mas subsistem discrepâncias quanto à Declaração Final e à Agenda.
Os encontros anteriores foram marcados pela hegemonia neoliberal. A 1ª Cúpula, organizada pelos Estados Unidos, em 1994, ocorreu em Miami; a 2ª foi em Viña del Mar, no Chile; e a 3ª se passou em Quebec, Canadá. Agora, esta quarta edição, sem renegar esse passado do Consenso de Washington, não poderá deixar de refletir certos pontos de vista desenvolvimentistas devido ao matiz político que hoje têm os governos da Argentina, Brasil, Uruguai e, mais à esquerda, Venezuela. A disputa que corre nos bastidores da diplomacia é entre essa posição dos sócios do Mercosul e a dos velhos dogmas expressados na proposta estadunidense da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Há 34 mandatários convidados para a festa, com a notória exceção de Fidel Castro, eterno excluído das reuniões da Organização dos Estados Americanos (OEA). Cuba foi expulsa da organização em 1962, depois de uma pressão estadunidense aceita por governos submissos que ainda hoje consentem com essa discriminação.
Os participantes da 4ª Cúpula podem se agrupar, grosso modo, em três tendências: duas bem definidas e antagônicas e uma terceira que flutua por ambas. As duas primeiras são representadas pelos Estados Unidos e pela Venezuela. A posição conciliadora é expressa pela Argentina, cujo pêndulo ainda não está claro o quanto ficará próximo de Bush. Ocorre que o presidente Néstor Kirchner não pode ofender demasiadamente o líder bolivariano Chávez com quem firmou importantes acordos, como para a reparação e construção de barcos, aquisição de maquinaria agrícola, investimento petroleiro e compra de títulos da dívida pública argentina.
Embate
A trincheira de Washington insiste que a 4ª Cúpula das Américas faça a propaganda do livre-comércio, das desregulamentações e das privatizações definidas no Consenso de Washington. Para Bush, essa é uma boa política que falhou na sua implementação, pois alguns governos incorreram em defeitos de corrupção.
Já os venezuelanos são partidários de um documento firme que questione as políticas intervencionistas dos Estados Unidos, defenda a autonomia dos povos e a construção dos espaços terceiromundistas como a Comunidade Sul-Americana de Nações, além de assinalar o fracasso das políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Alca.
Fazendo um equilíbrio entre essas duas posições, está a anfitriã da Cúpula, a Argentina, com uma terceira posição tão cara à história do peronismo. Kirchner propõe um texto que promova o "trabalho decente" e "políticas ativas para erradicar a pobreza". Em um nível internacional, postula um mundo menos desigual mediante "regras justas para as trocas", "um modelo de desenvolvimento com mais e melhores empregos" e mudanças no funcionamento dos organismos multilaterais de financiamento.
A recente intervenção de Kirchner na Cúpula Mundial da ONU e na Assembléia Geral coincidiu com a do chefe do império quanto à necessidade da luta antiterrorista. Essa unidade foi matizada com referências a que essa luta deva ocorrer em um marco de multilateralismo e a preservação dos direitos humanos.
Segurança
A segurança da 4ª Cúpula é outro motivo de agradecimento de Washington com os argentinos. Serão gastos 31 milhões de peso em segurança, além de 20 milhões com um cerimonial diplomático e 100 milhões em obras.
O comando da polícia argentina tem sido mais que atento com os requerimentos do FBI e a CIA. Foi fixada uma ampla zona de acesso proibido para os manifestantes, que terão de enfrentar barreiras metálicas impenetráveis, além de 7,5 mil policiais.
O Pentágono terá, ainda, à disposição até 8 mísseis inteligentes para abater eventuais naves intrusas. Essas concessões organizativas indicam que a Argentina até pode debater a pertinência do Consenso de Washington, mas sempre com o objetivo de melhorar a já "confiável" relação com o Norte.
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