A pontualidade britânica dos cerimoniais de ambos os países foi a tônica da curta programação do casal George e Laura Bush em Brasília neste domingo (6), culminando com os igualmente rápidos pronunciamentos dos dois presidentes, nos jardins da Granja do Torto, pouco antes do almoço. Exatamente às 13h20min, Lula começou o discurso de saudação, lembrando o primeiro encontro dos dois, no começo de dezembro de 2002, em Washington, quando sequer havia tomado posse na presidência da República. A partir daí, segundo ele, foram vários os encontros, as cartas trocadas e os telefonemas, num processo ininterrupto de aprofundamento do diálogo entre os dois países.

Foi uma fala protocolar, lida com atenção ao microfone, mas nem por isto insípida ou vazia de recados. O presidente Lula falou da liderança brasileira no subcontinente, citando a criação da Comunidade Sul-Americana de Nações, e da investida diplomática e comercial aos 14 países africanos onde esteve, além de China, Índia, Rússia, Coréia e África do Sul. Pisou no freio em seguida, garantindo que, ao contrário do que “alguns pensavam, esse aumento de intercâmbio não significou a deterioração nas relações com os Estados Unidos”, e voltou a acelerar enfatizando a “franqueza nas divergências”, a reforma das Nações Unidas e o tratamento mais justo para a numerosa comunidade brasileira nos EUA – “a ponte entre os nossos países”.

Diplomático, Lula evitou abordar a Alca, pomo da discórdia na Cúpula das Américas em Mar del Plata, mas repisou posições brasileiras na Organização Mundial do Comércio já fartamente conhecidas no mundo inteiro, contra os subsídios agrícolas, tema delicado para o governo norte-americano, que protege desde o pequeno produtor agrícola até indústrias pesadas como a siderúrgica. Ao final, defendeu o diálogo estratégico e privilegiado entre os dois países, citou o investimento norte-americano no Brasil, crescente a cada ano e que, em 2004, alcançou US$ 4 bilhões, e anunciou novas parcerias em ciência e tecnologia, educação, agricultura e saúde, com destaque para o combate à Aids.

George Bush, por sua vez, foi ainda mais protocolar: lamentou não poder visitar mais “deste belo país”, revelou que Lula o convidou para pescar quando deixar a Casa Branca de vez e disse que aguardava “ansiosamente o churrasco brasileiro, que me lembra minha terra natal”, o Texas. Mas tampouco desperdiçou a oportunidade de lembrar ao anfitrião que os Estados Unidos “estão dispostos a reduzir seus subsídios se os europeus também o fizerem”, disse que um comércio bilateral forte não pode prejudicar os setores produtivos de nenhum dos dois países e defendeu com firmeza a Área de Livre Comércio das Américas, “que vocês chamam de Alca”.

O presidente norte-americano se confessou impressionado com as reformas econômicas em andamento no Brasil, o aumento das exportações e do comércio bilateral com seu país, falou en pasant de sua admiração pelo combate às desigualdades sociais e ao programa Fome Zero e situou o país entre as duas maiores democracias mundiais, juntamente com os EUA, claro.

Ele também anunciou a cooperação no combate à Aids, mas como gancho para outro tipo de guerra que lhe é mais cara, contra o narcotráfico e o terrorismo, e finalizou o discurso com um elogio inesperado: “Eu gosto de trabalhar com o senhor, que tem uma postura franca e aberta”. Sob aplausos gerais, seguiram todos os convidados, àquela altura tão ansiosos quanto Bush, para a área da churrasqueira, porque eram quase duas da tarde. No cardápio, picanha, maminha, fraldinha e outros cortes da carne brasileira, para desmentir o risco de aftosa no rebanho nacional.

Operação de guerra e protestos

O presidente norte-americano desembarcou na noite de sábado (5) na base aérea de Brasília, para a primeira visita ao Brasil, vindo da Argentina, onde se despediu de Néstor Kirchner agradecendo muito sua hospitalidade, porque sabe como é difícil recebê-lo. Brasília inteira pôde constatar esta dificuldade aludida por Bush, desde quando ele ainda estava em Mar del Plata para a Cúpula dos países americanos. Amplas avenidas e vias secundárias foram palco de uma operação de segurança inédita, a cargo de 250 agentes dos Estados Unidos, outro tanto da Polícia Federal e um contingente não revelado de policiais militares do Distrito Federal. Para a cobertura da rápida programação, o controle sobre a imprensa foi também incomum, com detectores de bombas, espelhos, cães treinados e a boa e velha revista policial nos carros e bolsas de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas.

Nada impediu, entretanto, a ruidosa manifestação nas proximidades da Granja do Torto, local do encontro entre os dois presidentes. Foi lá que, megafone em punho, gritando palavras de ordem contra o visitante, o deputado Babá (P-Sol) rogou a jocosa praga: "Bush comeria carne cheia de aftosa". Em seguida, envolveu-se na briga entre PMs e o dirigente do PT da cidade satélite do Guará, Wagner Juracy, e ouviu do tenente Alves: “O senhor quer fazer sua guerrilhazinha, vá fazer longe daqui”.

Na realidade, nem foi necessário porque, driblando os cerca de 250 manifestantes, a comitiva de Bush é que passou longe dali, entrando pela porta dos fundos da Granja, ao chegar do primeiro compromisso matinal, o encontro com crianças e adolescentes selecionados a dedo pela embaixada. Depois do churrasco, Bush teve uma reunião com empresários e decolou para o Panamá por volta das seis da tarde.

Carta Maior