Indústria cinematográfica dos EUA, mídia privada na Venezuela e Rádio Martí, transmitida de Miami para Cuba, são exemplos de como a comunicação pode ser usada como arma. Apenas o programa de envio de “informações filtradas” do governo Bush já teria gasto US$ 6,6 bilhões.
Questionada em sua seção de perguntas e respostas sobre como se mantinha o regime Cubano, uma revista dos EUA respondeu afirmando que a sustentação do governo de Fidel só era possível graças ao governo terrorista de Hugo Chávez. No filme Bad Boys II, estrelado por Will Smith e Martin Lawrence e lançado em 2003, o vilão, um traficante latino, se refugia em Cuba após uma batalha contra a polícia de Los Angeles. A explicação dada por um dos personagens do filme é clara: tal traficante sustenta financeiramente o regime de Fidel e em troca recebe apoio.
Fatos como estes ilustram como as potências dominantes, em especial os EUA, se utilizam da comunicação como arma de propaganda de sua visão de mundo. Mais do que criar estilos ou promover produtos, as informações vindas destes países visam interferir diretamente nos processos decisórios tanto em escala internacional como em nível local. Este foi o tema do debate “Crise da mídia nos EUA e a democratização dos meios”, promovido pela ONG norte-americana Toward Freedom na quinta-feira (26) durante o Fórum Social Mundial de Caracas.
Em meio ao estacionamento do Parque Del Este, conhecido pelas atividades esvaziadas por se localizar longe do centro onde acontecem os principais eventos do Fórum, o debate reuniu mais de 200 pessoas, em sua maioria norte-americanos e europeus. Eles ouviram representantes de países como Cuba, Haiti e da própria Venezuela relatar como a mídia do norte influi diretamente na política local destes países de forma nociva e a favor dos interesses destas potências.
Eva Gollinger, autora de um livro sobre as ações dos EUA em relação à Venezuela chamado “The Chavez Code”, mostrou que o terrorismo midiático dos EUA não é uma infeliz coincidência de agências de notícias internacionais simpáticas à Bush e vários meios ligados às elites de cada um dos países afetados observados com atenção pelos EUA. Segundo ela, há uma política deliberada de propaganda comandada pelo governo de Bush denominada ‘operações psicológicas’ e que se baseia “no envio de informação filtrada para influenciar comportamentos e decisões de outros países”.
De acordo com levantamento da escritora, nos últimos anos foram gastos cerca de US$ 6,6 bilhões neste programa, o que mostra sua importância para o governo estadunidense. Ela argumentou que a iniciativa vem ganhando cada vez mais força frente ao fracasso crescente da política de invasões ‘preventivas’ dos EUA pós-11 de Setembro. “Fizeram isso por que estão perdendo a guerra e isso visa influenciar a favor da manutenção das invasões”, afirmou.
Na Venezuela, um dos principais alvos das operações é o ataque incessante ao presidente Chávez. O discurso objetiva caracterizar o presidente como uma força negativa para o continente e busca vinculá-lo ao tráfico de drogas e ao terrorismo, argumento divulgado inclusive explicitamente pela secretária de Estado de Bush, Condoleeza Rice.
“Há uma visão errada dos americanos quanto à Venezuela. Para pessoas que nem sabiam onde era este país já havia informação de que seu presidente é terrorista”, disse fazendo referência ao caso da revista que abre esta matéria. A ofensiva das grandes agências de notícias das grandes emissoras internacionais ligada aos EUA acontece de forma coordenada à ofensiva internos da mídia comercial venezuelana. O mais novo episódio é a retomada dos ataques das emissoras comerciais a partir da abertura de apuração por parte da justiça sobre sua contribuição negativa nas investigações sobre a morte do procurador Danilo Anderson, que chefiava o caso do golpe de estado contra Hugo Chávez em 2004.
A divulgação pelas emissoras de um depoimento dado por uma testemunha-chave do caso foi interpretado pela justiça como ato prejudicial às investigações. Em resposta, o Supremo Tribunal de Justiça proibiu que a mídia tornasse público qualquer ata ou documento sigiloso do processo, ação que vem sendo alvo de intensos e recorrentes críticas. Emissoras como a Globovisión, repetem à exaustão o vídeo do depoimento e trazem diariamente acadêmicos, jornalistas e pessoas para endossar seu repúdio à decisão judicial.
Outro presente ao debate foi Greg Wilpert, editor da página eletrônica venezuelaanalysis.com, que criou sua página após indignar-se com as informações divulgadas pelos meios comerciais durante o golpe que tentou derrubar Chávez. Na opinião do editor, havia uma relação desigual entre o alcance do discurso do governo e da mídia comercial, e o presidente venezuelano, depois de sofrer na pele os perigos deste cenário, tomou boas decisões para reverter a situação. “O governo Chávez teve boa estratégia ao fortalecer a mídia estatal, injetar recursos no estímulo à mídia comunitária e ao criar a Telesur”. No entanto, para Wilpert estes meios seriam mais bem sucedidos se fossem mais independentes do discurso oficial do Palácio de Miraflores.
O painel também proporcionou aos presentes importantes esclarecimentos quanto à ofensiva contra o outro inimigo dos EUA: o regime de Fidel Castro. Quem abordou o assunto foi Teresa Valdez, representante do sindicato de artistas e escritores de Cuba e militante do movimento de meios comunitários. Na sua opinião, há uma influência muito forte das grandes transnacionais de mídia na opinião formada a respeito da América Latina tanto no mundo inteiro quanto dentro do próprio continente. “A CNN esconde, omite e manipula todos os atos terroristas cometidos contra Cuba”, diz.
Ela contou o caso da Rádio Martí, emissora criada pelo governo Bush que transmite de Miami para promover a contra-informação em oposição ao regime de Fidel. Segundo informações divulgadas pela escritora, a administração Estadunidense disponibilizou US$ 18 milhões só para a manutenção da emissora, além de outros US$ 210 milhões para manter aviões que rondam a ilha com a função de garantir as transmissões.
Na sua opinião, a contraposição a esta ofensiva deve vir com a criação e fortalecimento de meios alternativos e contra-hegemônicos que possam competir com as grandes agências, como a CNN e a Reuters. “Temos que fortalecer o conceito de que a informação de meios alternativos deve ser de qualidade”, defendeu. Valdez lamentou também o impacto na mídia dentro dos próprios EUA, o que tem forte contribuição na manutenção de George W. Bush à frente da presidência. “Lá [nos Estados Unidos] 54% dos jovens dos EUA passam até nove horas na frente da televisão, o que eleva à TV ao principal meio de formação de valores na nação de Bush”.
Outro testemunho foi o de Ben Dupuy, co-diretor do diário Haiti Progress. Dupuy criticou duramente a intervenção em seu país, que gerou o seqüestro do presidente Aristide e a instalação de uma ‘força de paz’ patrocinada pelos EUA e chefiada pelo Brasil. Na sua avaliação, há uma grande desinformação sobre o episódio e sobre o que está acontecendo no Haiti. “As transnacionais repetem as mentiras que o governo de Bush conta, como no caso da fábula das ‘armas de destruição em massa’ do Iraque. Os meios alternativos devem furar este bloqueio, não cair nestas mentiras e divulgar o que realmente se passa no país”.
Permaneçam em Contacto
Sigam-nos nas Redes Sociais
Subscribe to weekly newsletter