O décimo aniversário dos atentados do 11 de Setembro dá lugar a uma enxurrada de artigos, documentários e programas áudio-visuais para ratificar a versão bushiana dos acontecimentos, mas também a uma opinião pública cada vez mais cética. Para Thierry Meyssan, que está na origem do debate mundial sobre a interpretação desses atentados, a excessiva campanha midiática é a última tentativa do sistema imperial para preservar a sua aparente legitimidade e justificar as próximas guerras que empreenderá.
É estranho observar a maneira pela qual a imprensa ocidental celebra o décimo aniversário dos atentados do 11 de Setembro: ainda que o assunto possa ser abordado por ângulos os mais diversos, uma palavra de ordem se impôs, ou foi imposta. Os veículos da mídia rivalizam em matéria de testemunhos sobre o tema: “O que você estava fazendo naquele dia, naquele momento?”. Essa abordagem ilustra a vontade coletiva de não recuar, de não analisar os acontecimentos e as suas conseqüências, de se limitar apenas ao registro da emoção instantânea, ou seja, de não fazer jornalismo, mas um grande espetáculo.
Essa comemoração é acompanhada de injunções orwellianas: “Como você ousa duvidar da versão oficial face à dor das famílias das vítimas?”, ou ainda “Aqueles que colocam em dúvida a versão oficial são negativistas inimigos da democracia!”. Ora, precisamente, o respeito às vítimas – não apenas aquelas que morreram naquele dia nos Estados Unidos, mas também aquelas que foram mortas em seguida no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e em outros lugares – exige que busquemos a verdade em vez de nos contentarmos com mentiras inverossímeis. E como é que se pretende manter viva a democracia se nos recusamos a questionar as verdades oficiais, ou pior, se substituímos o debate argumentativo pela injúria?
Desde os primeiros dias que se seguiram aos atentados, através de uma série de artigos, e depois, ao longo dos meses seguintes, através de livros e conferências, eu contestei a versão bushiana dos acontecimentos e acusei uma facção do complexo militar-industrial estadunidense, dominado pelos straussianos, de os ter comandado. Ainda que inicialmente solitário na minha caminhada, alvo de zombarias pela imprensa atlântica, mobilizei progressivamente a opinião pública internacional, incluindo a estadunidense, até que no ano passado os meus questionamentos irromperam na tribuna da Assembléia Geral das Nações Unidas. Quanto mais as autoridades estadunidenses tentavam me contradizer, mais elas próprias se contradiziam, e mais os questionamentos se espalhavam. Hoje eles são maioria.
Como sempre acontece quando o vento muda de direção, os oportunistas garantem o seu futuro se afastando da versão que defenderam por tanto tempo e que agora é questionada por toda a parte. Foi o que aconteceu ontem com Thomas Kean e Lee Hamilton, presidente e vice-presidente, respectivamente, da comissão presidencial sobre os atentados, que se afastaram de seu próprio relatório, e é o que acontece hoje com Richard Clarke, que acusa os seus colegas de dissimulação. Em 10 anos, as autoridades estadunidenses e britânicas foram incapazes de mostrar as provas que tinham prometido à Assembléia Geral das Nações Unidas para justificar os atos de “legítima defesa” no Afeganistão. Ao contrário, elas mostraram que tinham um grande segredo a esconder e que não pararam de multiplicar as mentiras para o encobrir. Quem ousa agora afirmar, como fez Colin Powell no Conselho de Segurança, que Saddam Hussein foi cúmplice do 11 de Setembro, ou, como Tony Blair, que Osama Bin Laden comandou os atentados de Londres?
Durante estes dez anos, um número crescente de especialistas mostraram as incoerências da versão bushiana, defendida por outros. Se os argumentos destes fossem convincentes, a polêmica não teria prosseguido. Mas o debate carece tanto de elementos científicos que a divisão entre os especialistas se dá a partir de uma linha de separação exclusivamente política. Se eles aprovam a invasão do Afeganistão e o Ato Patriótico, então dizem que as estruturas metálicas das Torres Gêmeas não resistiram ao calor dos incêndios, que a Torre 7 era muito frágil, e que um avião se desintegrou no interior do Pentágono. Ao contrário, se eles ficam horrorizados pela expansão militar imperial e pela legitimação da tortura, então consideram impossível que as Torres Gêmeas sejam as únicas a ruir da forma que foi, que a Torre 7 tenha ruído por mimetismo, e que um avião do porte de um Boeing comercial tenha entrado no Pentágono pela porta principal sem danificar o umbral.
A versão bushiana do 11 de Setembro transformou-se no dogma central do imperialismo. Somos levados a acreditar nele como uma verdade revelada. Sob risco de colocar em questão a Nova Ordem Mundial e sermos rejeitados como hereges e cúmplices intelectuais do terrorismo.
A linha que separa estas duas posições se resume assim: de um lado, as elites ocidentais globalizadas, que se agarram à versão oficial; do outro lado, a maioria das populações ocidentais e do Terceiro Mundo, que proclamam a mentira.
O fundo da questão não é tanto saber como indivíduos que não figuravam na lista de passageiros embarcaram num avião e o raptaram durante o vôo, nem como um Boeing conseguiu dobrar as suas asas para poder entrar por uma pequena porta e atingir o Pentágono, mas sim se o Ocidente se tornou, a partir desse dia, alvo de um complô islâmico mundial, ou se uma facção estadunidense organizou esse evento para se lançar impunemente à conquista do mundo.
Os filósofos que estudam a história das ciências garantem que os erros científicos não desaparecem para sempre apenas com o seu ocultamento. É preciso também fazer desaparecer a geração que os denuncia. O que permite que uma verdade acabe suplantando um erro é que, com o tempo, a verdade conserva um poder explicativo, ao passo que o erro não.
Desde 2001, tenho concluído as minhas análises alertando para a generalização de leis contrárias à liberdade. Tenho recusado a imagem da Al-Qaida como uma organização terrorista anti-ocidental, e afirmado, ao contrário, que ela abrigava mercenários árabes que eram utilizados pela CIA em inúmeros conflitos, como no Afeganistão, contra os soviéticos, na Bósnia-Herzegovina e no Kosovo contra os sérvios, e na Chechénia contra os russos, de acordo com a estratégia Brzezinski. Enfim, já tinha anunciado a iminente invasão do Iraque e a remodelagem do Oriente Médio desejada pelos neoconservadores herdeiros de Kissinger.
Na época, a imprensa de referência concentrava a derrubava das minhas análises em quatro pontos principais:
– Le Monde dizia que os Estados Unidos jamais atacariam o Iraque porque já teriam resolvido a questão com a operação “Tempestade do Deserto”, e que somente o meu anti-americanismo primário me permitia enxergar o contrário.
– Le Monde Diplomatique falava doutamente que eu não conhecia nada da política estadunidense, por imaginar uma aliança neocon-Kissinger.
– Washington Post nos inundava com detalhes sobre o tentacular complô islâmico mundial, o qual eu sempre me recusava a considerar, cego que estaria à presença árabe em França.
– E o New York Times tecia elogios à Lei Patriota e à criação do departamento da Segurança da Pátria, ao qual somente um europeu impregnado do espírito de Munique poderia se opor.
Todavia, 10 anos depois, qualquer um pode constatar, a respeito desses quatro itens, que eu tinha razão, e que os meus detratores estavam errados. Eles tentam se recuperar, hoje, dizendo em alto e bom som, que a administração Bush “se utilizou” do 11 de Setembro para impor a sua agenda. Com o tempo, acabarão por reconhecer que eu não era um profeta irresponsável que teve sorte em algumas previsões, das quais eles não puderam desconfiar, e que uma análise política rigorosa teria permitido antecipar que os idealizadores do 11 de Setembro pretendiam colocar em prática tal agenda.
Agora que a OTAN acaba de conduzir os companheiros de Bin Laden ao poder em Trípoli, é mais indispensável do que nunca que se compreenda o 11 de Setembro, no sentido de identificar os perigos reais que ameaçam a paz no mundo, e combatê-los. Como não ver que as personalidades que celebram enfaticamente esse aniversário serão os mesmo que amanhã apoiarão novas guerras no Oriente-Próximo e na África do Norte?
Traduzido por Gustavo Lapido Loureiro.
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