Sob a vigia de Obama, Fernando Lugo é o segundo presidente da esquerda latino-americana a ser deposto do cargo em um cenário orquestrado por seus adversários políticos e amigos muito próximos dos EEUU. Nil Nikandrov prevê que este padrão de golpes de estado constitucionais "suaves" contra líderes desafiantes – testado com sucesso pelos EEUU em Honduras e, agora, no Paraguai – será amplamente replicado em outros países nos próximos anos. A interferência insidiosa nos assuntos internos da região pelo tio Sam não vai ser relegada logo para a pilha de cinzas da história.
A operação lançada pelo Departamento de Estado dos EUA e a CIA com o objetivo de deslocar o primeiro Presidente esquerdista do Paraguai, Fernando Lugo, entrou em sua fase final no dia 16 de junho, quando as forças policiais foram enviadas para expulsar os posseiros da fazenda Morumbí, no distrito de Curuguaty, perto da fronteira com o Brasil. Essa propriedade é conhecida por pertencer ao empresário paraguaio e político Blas Riquelme. Ao chegar ao local, a polícia inesperadamente se viu sob um tiroteio profissional com rifles de calibre alto o suficiente para perfurar cinturões à prova de balas. O chefe de uma unidade de polícia de operações especiais (GEO) e seu vice foram mortos a tiros, e a polícia, para a qual instruções haviam sido emitidas para evitar o uso da força, foi deixada sem outra escolha mas retornar o fogo. Como resultado, onze civis foram derrubados e dezenas feridos.
O incidente sangrento em Curuguaty imediatamente obteve resposta do poder legislativo paraguaio, com os deputados e senadores, principalmente os representantes dos partidos da direita-centrista, afirmando que o Presidente Lugo havia perdido seu domínio sobre a situação sendo incapaz de governar o país. Mesmo o Partido Liberal, que confirmou a candidatura de Lugo nas eleições de 2008, distanciou-se do seu antigo protegido. Em geral, Lugo enfrentou um impeachment que ele descreveu como "golpe expresso" do Parlamento.
Os conselheiros legais de Lugo praticamente não tiveram tempo para preparar sua defesa frente ao Parlamento, mas, na verdade, ficou claro que os críticos do Presidente não tinham intenção de mergulhar em detalhes e que o veredito do Senado foi uma conclusão previamente tomada. Toda a operação que levou ao deslocamento de Lugo foi cuidadosamente planejada a fim de descartar um inquérito parlamentar imparcial e foi implementada como uma pressão ofensiva. Sem dúvida, parte da motivação por trás dessa pressa foi depor Lugo antes que os parceiros do Paraguai na UNASUL pudessem se organizar para consultas e decidir sobre um conjunto de medidas em seu apoio.
A vitória deve ter sido fácil para os coordenadores do enredo na Embaixada dos EUA em Assunção. É verdade que a Presidência de Lugo era um tanto quanto nominal desde que o Parlamento, a polícia e o exército no Paraguai estavam do lado da oposição. Tendo prosperado sob financiamento da USAID durante décadas, um grupo de ONGs estava preparado para organizar protestos em massa se o plano anti-Lugo falhasse, mas não foi preciso e – com excessão do número de mortes em Curuguaty – a derrubada do presidente legítimo no Paraguai merece ser enumerada como um caso exemplar no registro da comunidade de inteligência dos EEUU.
Uma equipe de emissários da UNASUL, chefiada pelo Secretário Geral da organização, venezuelano Alí Rodríguez Araque, visitou o Paraguai, reuniu-se com Lugo e com uma delegação parlamentar e testemunhou o procedimento de impeachment, mas foi incapaz de redirecionar os desenvolvimentos. Os senadores paraguaios mostraram pouca consideração para com os visitantes, para não dizer que foram abertamente hostis. Lugo, deve ser observado, mostrou uma total falta de vontade para enfrentar o desafio – ao contrário de sua promessa inicial para se defender nas audições parlamentares, ele simplesmente as assistiu na TV de sua residência. Citando seu compromisso com a lei, o Presidente sendo ejetado irregularmente aceitou a decisão de cassação (à qual apenas quatro senadores disseram Não). A inação de Lugo pode ser atribuída em grande parte ao fato de ele não ter nenhuma influência sob as circunstâncias: ao longo dos três anos da sua Presidência, ele não conseguiu construir uma base de apoio popular e, mesmo quando a pressão aumentou, não teve nenhuma facção própria ou um movimento populista para apoiá-lo. Protestos de rua demonstrando suporte para Lugo irromperam incoerentemente no dia do impeachment mas foram dispersados pela polícia que usou máquinas de água, gás lacrimogêneo e balas de borracha contra a multidão.
O vice-Presidente paraguaio Federico Franco, que foi empossado sem demora assim que Lugo foi deposto, ocupará o cargo até que o mandato do presidente deposto se expire em agosto de 2013. As eleições ocorrerão no mesmo mês, e Washington abertamente favorece o líder do Partido Colorado Horacio Cartes, um empresário que, de acordo com a ABC Color, a DEA (Drug Enforcement Administration) dos EEUU por algum tempo suspeitou de lavagem de dinheiro e de cumplicidade com os cartéis de droga. A torção na reputação de Cartes é revelada em alguns dos cabos expostos pelo WikiLeaks, e as chances são de que as agências dos EUA montaram tal arsenal de relatórios implicando Cartes que Washington não teria nenhuma dificuldade em mantê-lo – como a alguns presidentes latino-americanos – sob estreito controle.
Enquanto o mandato inacabado de Lugo foi marcado pela tendência lenta do Paraguai em direção a regimes populistas na América Latina, o golpe da direita-conservadora promete que o país se submitirá totalmente aos ditames dos EEUU. A agenda no horizonte provável inclui esforços para desestabilizar a UNASUL, formando, no seio da Aliança, um bloco de dissidentes para equilibrar as influências do Brasil, da Venezuela e do Equador. Pode-se presumir também que um novo sopro de vida vai ser dado ao outro projeto de Washington – uma aliança de algum tipo novo entre Chile, Peru, Colômbia e México – para enfraquecer o Brasil internacionalmente.
O Secretário Geral da UNASUL, Alí Rodríguez Araque, disse que a demissão de Lugo foi inconstitucional e foi equivalente a um golpe disfarçado, e salientou ainda que muitos dos governos latino-americanos iriam negar reconhecimento a Franco. Presidente Dilma Roussef citou as cartas da UNASUL e MERCOSUL para sugerir a expulsão do Paraguai desses grupos devido à violação das normas democráticas. Cristina Kirchner da Argentina também opinou que sanções contra o Paraguai seriam apropriadas. Ela descreveu a evolução no país como um golpe e mencionou no contexto as tentativas de golpe de estado contra R. Correa e Evo Morales, e o golpe que depôs M. Zelaya em Honduras. A líder argentina declarou firmemente que tais fenômenos não democráticos são inaceitáveis para a região e que medidas seriam tomadas em consonância com as decisões a serem tomadas pelo MERCOSUL. O Presidente equatoriano R. Correa expressou apoio à chamada de D. Roussef para colocar a funcionar as disposições da carta da UNASUL que garantem diversas formas de pressão – não-reconhecimento dos governos correspondentes, exclusão dos países culpados de conduta anti-democrática da Aliança e o fechamento de fronteiras – como punição para os golpistas. Hugo Chávez da Venezuela e Daniel Ortega da Nicarágua contribuiram com declarações semelhantes sobre o assunto.
Perspectivas de uma investigação séria sobre o tiroteio no Paraguai são sombrias. O derramamento de sangue ajudou os adversários de F. Lugo dando credibilidade à sua lista de queixas, enquanto a maioria dos observadores da América Latina reconhece paralelos entre o recente drama paraguaio e o tiroteio na ponte Llaguno em Caracas em abril de 2002. Neste último caso, atiradores dispararam aleatoriamente em manifestantes contra-Chavez, em partidários de Chávez, e em quem quer que estivesse passando. O incidente foi atribuído às forças sob o comando de Chávez, mas circunstâncias curiosas surgiram mais tarde: por exemplo, um correspondente da CNN conseguiu gravar uma entrevista com os oficiais do exército que se opunham a Chavez os quais, como verificou-se, estavam cientes do ataque planejado de atiradores e das mortes iminentes.
Várias versões do tiroteio de Curuguaty são encontradas na web. Uma possível explicação é a de que a responsabilidade recai sobre Blas Riquelme, que teria contratado os atiradores através de suas conexões com o exército; mas, no entanto, ainda não está claro por que os atiradores dispararam contra a polícia. Uma versão alternativa é que o episódio teria sido uma provocação encenada pelo Exército do Povo Paraguaio, um grupo clandestino supostamente forjado pela polícia para combater extremistas. Esta origem hipotética pode ser a razão por que tal exército sobrevive apesar do intenso trabalho realizado no Paraguai por especialistas em anti-terrorismo convidados dos Estados Unidos e Colômbia.
Alvarado Godoy escreveu no site intitulado Descubriendo Verdades (Descobrindo Verdades) que o episódio inteiro havia sido "montado", essencialmente um show seguindo um determinado modelo. Ele alega ter informações de que a operação envolveu comandos da marinha dos EEUU que estiveram no Paraguai para treinar soldados do país (Fusna). O enredo não soa exótico considerando quão frequentemente cidadãos americanos são apanhados com rifles atiradores por toda a América Latina, como recentemente na Argentina e na Bolívia. A CIA, a DEA e a Agência de Inteligência de Defesa dos EEUU rotineiramente contratam empreiteiros para executar operações secretas com uso de armas de fogo.
A simples previsão é que o padrão testado com sucesso pelos Estados Unidos em Honduras e no Paraguai – o deslocamento pseudo-constitutional de líderes desafiadores – será amplamente replicado na América Latina nos próximos anos. Ainda, Washington seria ingênuo em acreditar que a violência associada a essa estratégia pode ser contida. Em Honduras, o governo fantoche de P. Lobo se agarra ao poder ao custo de uma campanha de terror que já tomou centenas de vidas de políticos progressistas, jornalistas, ativistas sindicalistas, estudantes e líderes indígenas, e isto quase certamente é o que o futuro reserva para o Paraguai.
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