O Patriarca da Igreja maronita, Bechara Rai, virou definitivamente a página de um
diferendo de várias décadas com a Síria ao decidir viajar para Damasco afim de
assistir à entronização do novo Patriarca greco-ortodoxo, Juan X Yazigi.
Esta visita de carácter religioso e pastoral tem uma indiscutível dimensão política e
não se teria dado sem a intervenção do Vaticano, que ao que parece recomendou aos
chefes da Igreja maronita e da Igreja greco-ortodoxa a participação na cerimónia de
Damasco, como uma demonstração de solidariedade com os cristãos da Síria, que
atravessam momentos difíceis devido ao aumento do extremismo islâmico estimulado
nesse país pelas monarquias wahabitas do Golfo. A visita consagra portanto o
histórico reposicionamento estratégico dos cristãos do Oriente, que – abandonados
pelo Ocidente– se viram obrigados a rever as suas alianças. Segundo o Patriarca
greco-católico Gregório III Laham, 1.000 cristãos foram assassinados pelos
terroristas na Síria desde o começo dos incidentes e 200.000 foram expulsos das suas
casas.
O presidente libanês Michel Sleiman expressou no Sábado o seu apoio à visita de
monsenhor Bechara Rai. «O patriarca maronita é o guardião dos direitos dos cristãos no Oriente e eu apoio a sua visita à Síria. Ele sabe o que faz», declarou
Sleiman no fim da missa organizada por ocasião da festa de São Marón.
Damasco transformou-se assim, no momento da entronização, na capital dos cristãos
do Oriente. A cerimónia organizada na igreja da Sagrada Cruz, em pleno coração de
Damasco, esteve rodeada de medidas excepcionais de segurança: atiradores especiais
colocados nos telhados, proibições de estacionamento, minuciosos controlos e
portais magnéticos. A proteção esteve a cargo da temida Guarda Republicana.
Assistiram à cerimónia um representante do presidente Bachar al-Assad – o ministro
Mansour Azzam – e os ministros dos Deslocados, Joseph Soueid; da Informação,
Mahmoud el Zohbi; dos Assuntos Religiosos, Abdel Sattar el-Sayyed; bem como
dignitários religiosos muçulmanos e numerosos diplomatas, entre os quais o Núncio
Apostólico e o embaixador do Irão em Damasco. Fora da igreja, milhares de fieis
seguiram a cerimónia graças a um ecrã gigante.
No discurso que pronunciou durante a cerimónia, o Patriarca Juan X declarou que « a
Síria encontrará o caminho da salvação através do diálogo e recuperará o sua
imagem de antanho». «Deus não aceita que a vida que compartilhamos com os nãocristãos
se quebre por causas políticas e porque haja entre nós e entre eles gente que
defende tendências fundamentalistas que nada têm que ver com a religião»,
prosseguiu. Anunciando em seguida que rezará e agirá pela unidade da Síria, o novo
Patriarca pediu a Deus que o ampare no seu ministério. Juan X terminou garantindo
que não olvida o Líbano e saudou o povo e o presidente do país, rendendo em seguida
homenagem ao presidente Bachar al-Assad.
O chefe da Igreja maronita pronunciou por seu lado um discurso em que se dirigiu ao
novo Patriarca: «Assume as suas funções num contexto difícil para a Síria ferida que
sofre. No Líbano vivemos essa ferida em chaga causada por guerras absurdas».
«Viemos hoje à Síria para expressar a nossa solidariedade com o nosso povo
sofredor e ferido, trazendo o evangelho da paz, o evangelho da fraternidade, o
evangelho da dignidade humana.» Para o Patriarca maronita, «todo o sangue
inocente derramado sobre esta terra hospitaleira são lágrimas de Jesus Cristo».
No sábado, numa homilia, o cardeal pugnou pela aplicação de reformas na Síria e
exortou ao diálogo. Respondendo ás críticas, disse que tinha vindo para «reunir-se
com os cristãos e sobretudo com os 60 000 maronitas» e sublinhou que a igreja «está
sempre contra a guerra e a favor do diálogo».
Numa primeira reacção oficial síria à visita do Patriarca Rai a Damasco, o viceministro
das Relações Exteriores Faysal Mokdad declarou que os povos do Líbano e
da Síria são como um só povo, acrescentando que monsenhor Rai estava « como em
sua casa».
No Líbano, a visita de monsenhor Rai suscitou o entusiasmo da maioria dos cristãos,
que hoje pensam que o seu próprio destino está ligado ao dos seus irmãos de fé sírios.
Mas algumas vozes próximas do movimento 14 de Março levantaram a voz para
criticar a decisão do prelado. Como o fez o secretário-geral do 14 de Março, Fares
Souhaid. Saleh Machnouk, filho do deputado da Corrente do Futuro Nouhad Machnouk, qualificou de «missa satânica» o ofício religioso que monsenhor Rai
celebrou em Damasco, declarações essas que provocaram vigorosos protestos nas
redes sociais.
Esmagados pelo exército nos arredores de Damasco, os rebeldes estão a matar-se
entre si no norte de Síria.
Enquanto a aragem internacional e regional começa a mudar de direcção,
multiplicam-se os reveses que os grupos extremistas activos na Síria sofrem no
terreno ante o Exército Árabe Sírio, mas apesar disso não se passa um dia sem que as
lutas internas cessem entre as fileiras dos rebeldes.
A quinta ofensiva, anunciada como a que lhes permitiria entrar finalmente em
Damasco, converteu-se num desastre para os grupos armados. Informações sobre
discussões entre os elementos da al-Qaeda que compõem a Frente al-Nusra já tinham
chegado aos serviços sírios de inteligência. 20 000 combatentes, entre os quais
numerosos jihadistas estrangeiros, tinham sido enviados para os arredores de
Damasco.
O plano dos extremistas consistia em avançar a partir de dois eixos – Jobar-Zamalka–
para tomar o controlo da Praça dos Abássidas, o que teria obrigado o exército a
descuidar a frente de Daraya para enviar reforços à nova frente. Nessa altura,
começaria em Daraya a outra fase da ofensiva, em direcção ao aeroporto militar de
Mazzé e ao centro da capital. Conhecedor dos detalhes desse plano, o Exército Árabe
Sírio retirou as suas unidades das primeiras linhas antes de proceder a um
bombardeamento de artilharia sem precedentes contra as linhas dos rebeldes.
Centenas de elementos armados foram mortos logo no início do assalto, entre os
quais os mais treinados e importantes chefes. Os grupos armados tiveram que retirarse
após terem sofrido enorme número de baixas e sem haver logrado avançar um
único metro.
No entretanto, registaram-se pelo menos 4 incidentes em que a população enfrentou
os membros da Frente al-Nusra no noroeste da Síria.
Estes conflitos, dos quais pelo menos um esteve a ponto de converter-se num
confronto armado, produziram-se na região de Atme, em Idlib. Combatentes da al-
Nusra, que conta nas suas fileiras com numerosos estrangeiros, intervieram no
princípio da semana numa disputa entre vários habitantes de Qah, segundo contaram
duas testemunhas à AFP. Os elementos da al-Nusra detiveram um homem que tinha
utilizado uma linguagem agressiva após um banal acidente de trânsito e trataram de o
levar para a vizinha cidade de Daret Ezza para que fosse julgado por um tribunal
islâmico.
Um responsável local, irmão do detido, mobilizou de imediato várias dezenas de
homens armados para libertar o seu irmão, enquanto outros jihadistas chegavam para
reforço do seu quartel general em Atme.
Depois de uma perigosa discussão, afirmaram as duas testemunhas, os aldeões
dispararam contra os pneus dos veículos dos membros da al-Nusra, que tentavam
levar o seu prisioneiro, e prenderam por sua vez um chefe da organização islamista.
Este último foi libertado dois dias depois graças a uma mediação, após os seus
captores lhe terem cortado a tesouradas a sua larga barba de salafista e em troca da
libertação do aldeão que os jihadistas tinham detido.
Sexta-feira, em Atme, um xeque jordano da Frente al-Nusra quis fazer uso da palavra
na mesquita durante a prédica semanal. Mas uma personalidade local impediu-o, em
conjunto com a maioria dos locais presentes, segundo reportaram vários habitantes.
A tensão subiu rapidamente e os homens da al-Nusra parece terem querido recorrer as
suas armas, o que deu lugar a uma grande altercação com os fieis. «a situação esteve
a ponto de rebentar», sublinhou uma fonte rebelde citada pela AFP.
Dois dias antes, uma situação similar, diante da mesma mesquita, deu lugar a uma
briga entre vários dos locais e alguns membros da al-Nusra.
Na povoação de Ad Dana, um grupo de fieis e vários jihadistas, membros de um
grupo filiado na Frente al-Nusra, também andaram ao murro numa mesquita quando
um xeque koweitiano quis fazer uso da palavra na vez do imã local.
«A cada dia que passa dão-se, agora, este tipo de incidentes com essa gente que quer
impor-nos a sua maneira de fazer as coisas. Estão a começar a converter-se num
problema», comentou uma personalidade local de Atme.
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