A imprensa nos Estados-Unidos e na Europa faz causa comum contra o golpe de
Estado militar no Egipto e lamenta-se pelo milhar de mortos que se seguiu. É
evidente para ela que os Egípcios, que derrubaram a ditadura de Hosni Moubarak,
serão hoje em dia vítimas de uma nova ditadura e que Mohamed Morsi, eleito
«democraticamente», é o único com legitimidade para exercer o poder.

Ora, esta visão das coisas é contradita pela unanimidade na sociedade egípcia
apoiando o seu exército. Abdelfatah Al-Sissi anunciou a destituição do presidente
Morsi na presença dos representantes de todas as sensibilidades do país, incluindo o
reitor da universidade Al-Azhar e o chefe dos salafistas, que vieram apoiá-lo. Ele
pode-se gabar de ser apoiado, no seu combate, pelos representantes de 95 % dos seus
compatriotas.

Para os Egípcios, a legitimidade de Mohamed Morsi não se mede pelo modo como
foi designado presidente, com ou sem eleições, mas pelos serviços que prestou ou não
ao país. Ora, os Irmãos (muçulmanos-ndT) mostraram, acima de tudo, que o seu
slogan «O islão, é a solução!» mascarava mal a sua impreparação e a sua
incompetência.

Para o homem da rua, o turismo rarefez-se, a economia regrediu, e a libra caiu 20 %
de valor .

Para a classe média, Morsi jamais foi eleito democraticamente. A maior parte dos
gabinetes de voto estiveram ocupados por bandos armados dos Irmãos e 65 % dos
eleitores abstiveram-se. Esta mascarada foi sancionada pelos observadores
internacionais, despachados pelos Estados-Unidos e União Europeia que apoiavam a
Confraria. Em Novembro, o presidente Morsi revogou a separação de poderes
interditando os tribunais de contestar as suas decisões. Depois, ele dissolveu o
Supremo Tribunal e revogou a Procuradoria Geral. Suspendeu a Constituição, e fez
redigir uma nova por uma comissão nomeada, para o efeito, por ele, antes de fazer
adoptar esta lei fundamental aquando de um referendo boicotado por 66 % dos
eleitores.

Para o exército, Morsi caiu ao anunciar a sua intenção de privatizar o canal do Suez,
símbolo da independência económica e política do país, e de o vender aos seus
amigos cataris. Ele iniciou a venda de terrenos públicos do Sinai a personalidades do
Hamas, afim de permitir que eles transferissem para o Egipto os trabalhadores de
Gaza e possibilitando assim a Israel acabar com a sua «questão palestina». Mas,
sobretudo, declarou guerra contra a Síria, posto-avançado histórico do Egipto no
Levante, colocando em perigo a segurança nacional que lhe incumbia proteger.

Entretanto, o problema de fundo dos Ocidentais face à crise egípcia tem a ver com o
uso da força. Visto de Nova Iorque ou de Paris, um exército que usa balas reais contra
manifestantes é tirânico. E, a imprensa trata de sublinhar, para aumentar o horror, que
numerosas vítimas são mulheres e crianças.

É uma visão efeminada das relações humanas, em que supostamente uma pessoa
estaria pronta para o debate pacífico só pelo simples facto de estar desarmada. Mas,
o fanatismo é um modo de comportamento que não tem nenhuma relação com o facto
de se estar armado ou não. Os Ocidentais enfrentaram, exactamente, este problema
há 70 anos atrás. Na época, Franklin Roosevelt e Winston Churchill fizeram arrasar
cidades inteiras, como Dresden (na Alemanha) e Tóquio (no Japão), cujas populações
civis estavam desarmadas. Ora, estes dois líderes não são por isso considerados como
criminosos, mas sim celebrados como heróis. Era evidente e indiscutível que o
fanatismo dos Alemães e dos Japoneses tornava qualquer solução pacífica impossível.

São os Irmãos muçulmanos terroristas, e deverão ser aniquilados? Toda a resposta
cega estará errada, já que existem numerosas tendências no seio da Confraria
internacional. No entanto, há um balanço que fala por si próprio: eles têm um pesado
passado de putschismo em numerosos Estados árabes. Em 2011, organizaram a
oposição a Mouamar el-Kadhafi e aproveitaram-se do seu derrube pela Otan.
Continuam a fomentar o ataque para se apoderarem do poder na Síria. Em relação à
Confraria no Egipto, o presidente Morsi reabilitou os assassinos do seu predecessor
Anouar el-Sadate, e libertou-os. Também nomeou governador de Luxor o segundo
cabeça do comando que aí massacrou 62 pessoas, principalmente turistas, em 1997.
Além disso, durante o simples apelo dos Irmãos à manifestação para o
restabelecimento do «seu» presidente, eles usaram de vingança queimando 82 igrejas
coptas (minoria cristã- ndT).

A repulsa dos Ocidentais pelos governos militares não é partilhada pelos Egípcios,
único povo no mundo a ter sido exclusivamente governado por militares – com
excepção do ano de Morsi – durante mais de 3 000 anos.

Tradução
Alva