Senhor Presidente,
Senhor Ministro,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhoras e Senhores,
Dentro de oito meses os eleitores de toda a Europa irão pronunciar-se sobre aquilo que juntos conseguimos realizar nos últimos cinco anos.
Durante este período, a Europa esteve mais presente do que nunca na vida dos seus cidadãos. As questões europeias foram debatidas nos cafés e nos debates televisivos mais populares de todo o continente.
Gostaria de fazer um balanço sobre tudo o que alcançámos juntos. E sobre o que está ainda por fazer. Gostaria de vos transmitir o que considero serem os principais tópicos para que se possa manter um verdadeiro debate político europeu antes das eleições europeias do próximo ano.
Senhoras e Senhores Deputados,
Faz agora precisamente cinco anos, o governo norte-americano viu-se obrigado a intervir para assumir o controlo da Fannie Mae e da Freddie Mac, resgatar a AIG e fazer face à insolvência do Lehman Brothers.
Estes acontecimentos desencadearam uma crise financeira global. Essa crise evoluiu posteriormente para uma crise económica sem precedentes, acabando por gerar uma crise social com consequências dramáticas para muitos dos nossos cidadãos. Esses acontecimentos agravaram o problema da dívida pública que ainda hoje ameaça os nossos governos, tendo provocado um enorme aumento do desemprego, em particular entre os jovens. Os seus efeitos ainda hoje condicionam as nossas famílias e as nossas empresas.
Mas a Europa soube reagir a esses desafios. Nestes cinco anos, conseguimos dar uma resposta firme. Sofremos em conjunto os efeitos da crise e apercebemo-nos de que teríamos de combatê-la em conjunto. E foi precisamente o que fizemos e estamos a fazer.
Se olharmos para trás e pensarmos em tudo o que conseguimos fazer juntos para manter a Europa unida durante a crise, penso que se pode dizer que não acreditaríamos que tal fosse possível há cinco anos atrás.
Estamos a proceder a uma profunda reforma do setor financeiro para garantir a segurança das poupanças dos particulares.
Melhorámos a forma como os governos colaboram entre si, ajudando-os a recuperar a solidez das finanças públicas e a modernizar as respetivas economias.
Mobilizámos mais de 700 000 milhões de EUR para ajudar à recuperação dos países mais afetados pela crise, naquele que foi o maior esforço de estabilização entre países jamais efetuado.
Recordo-me bem da reunião que tive no ano passado com os principais economistas de muitos dos nossos maiores bancos. Na sua maior parte, achavam que a Grécia iria sair do euro. Todos receavam que pudéssemos assistir à desintegração da área do euro. Hoje, podemos dar uma resposta clara a esses receios: ninguém saiu ou foi forçado a sair do euro. Este ano, a União Europeia passou de 27 para 28 Estados-Membros. Para o ano, a área do euro passará de 17 para 18 membros.
O que importa agora é saber que conclusões tiramos dos progressos efetuados. Devem ser motivo de orgulho ou devemos desvalorizá-los? Devemos ganhar confiança para prosseguir o processo iniciado ou menosprezar os resultados alcançados?
Senhoras e Senhores Deputados,
Acabo de regressar da reunião do G20 em São Petersburgo e posso garantir-vos uma coisa: este ano, contrariamente ao que sucedeu nos últimos anos, os europeus não receberam lições de outras partes do mundo sobre a forma de resolver a crise. Recebemos sim reconhecimento e incentivo.
Não porque a crise já tenha terminado, porque ainda não terminou. A capacidade de resistência da União Europeia continuará a ser posta à prova. Os nossos esforços criam confiança na nossa capacidade para ultrapassar a crise - mas não podemos ser complacentes.
Em conjunto, temos dado resposta aos nossos desafios.
Temos de fazê-lo em conjunto.
Neste mundo de transformações geoeconómicas e geopolíticas tectónicas, estou convencido de que só em conjunto, enquanto União Europeia, podemos realizar as aspirações dos nossos cidadãos: que os nossos valores, os nossos interesses, a nossa prosperidade sejam defendidos e promovidos na era da globalização.
É chegada a altura de superarmos as nossas questões puramente nacionais e os nossos interesses paroquiais e realizarmos progressos genuínos para a Europa. É altura de introduzir uma perspetiva verdadeiramente europeia no debate com as circunscrições nacionais.
É pois chegada a altura de todos aqueles que se interessam pela Europa, independentemente do seu posicionamento politico ou ideológico, ou da sua origem, darem voz à Europa.
Não o fazendo nós próprios, não poderemos esperar que outros o façam por nós.
Senhoras e Senhores Deputados,
Desde o início da crise já percorremos um longo caminho.
No discurso sobre o Estado da União do ano passado, afirmei que «apesar de todos os [nossos] esforços, as nossas respostas não convenceram ainda os cidadãos, os mercados nem os nossos parceiros internacionais».
Um ano mais tarde, os factos mostram que os nossos esforços começam agora a convencê-los. Os spreads em geral têm vindo a baixar. Os países mais vulneráveis pagam juros mais baixos pelos empréstimos contraídos. A produção industrial tem aumentado. A confiança dos mercados está a regressar. As bolsas têm apresentado bons resultados. As perspetivas de negócio têm vindo a melhorar de forma consistente e a confiança dos consumidores tem subido acentuadamente.
Constatamos que os países mais vulneráveis à crise e que tiveram de envidar mais esforços para proceder a reformas nas suas economias começam agora a apresentar resultados positivos.
Em Espanha, como resultado das reformas muito importantes e do aumento da competitividade, as exportações de bens e serviços representam hoje 33 % do PIB, a percentagem mais elevada desde a criação do euro. Desde o verão de 2012, a Irlanda tem conseguido obter financiamento junto dos mercados de capitais, a sua economia deve crescer este ano pelo terceiro ano consecutivo e as suas empresas transformadoras voltaram a recrutar pessoal.
Em Portugal, a balança de transações correntes, estruturalmente negativa, deverá agora ser globalmente equilibrada e o crescimento regressou ao país após uma série de trimestres negativos. A Grécia concluiu, em apenas três anos, um processo de consolidação orçamental verdadeiramente extraordinário, estando a recuperar a sua competitividade e perto de apresentar, pela primeira vez em décadas, um excedente primário. Também Chipre, que iniciou o programa mais tarde, tem conseguido executá‑lo como previsto, o que constitui uma pré‑condição para o seu regresso ao crescimento.
Quanto à Europa, a recuperação está agora à vista.
É evidente que temos de continuar vigilantes. «Uma andorinha não faz a primavera». Sejamos realistas na nossa análise. Não sobrevalorizemos nem subvalorizemos os resultados alcançados. Nem um trimestre positivo significa que tenhamos deixado para trás o temporal económico. Mas significa, sem dúvida, que nos encontramos no bom caminho. Em função dos dados e das tendências atuais temos bons motivos para estar confiantes.
Isto significa que temos de prosseguir os nossos esforços. Temos de fazê-lo em prol dos que ainda não sentiram os efeitos da recuperação e dos que ainda não beneficiaram desta evolução positiva. Os nossos 26 milhões de desempregados merecem-no. Especialmente os jovens, para quem representamos a esperança. A esperança e a confiança também fazem parte da equação económica.
Senhoras e Senhores Deputados,
Se chegámos onde chegámos é porque nós mostrámos determinação em adaptar as nossas políticas e as nossas estratégias em função dos ensinamentos retirados da crise.
E quando digo «nós», quero mesmo salientar «nós»: este tem sido, de facto, um esforço conjunto.
O Parlamento Europeu desempenhou, em cada etapa deste processo, um papel decisivo, tendo apresentado resultados verdadeiramente impressionantes em termos de trabalho legislativo. Pessoalmente, considero que os cidadãos europeus não têm plena consciência desse esforço, que merece ser devidamente valorizado e reconhecido.
Continuemos pois a trabalhar em conjunto em prol da reforma das nossas economias, do crescimento e da criação de emprego, e da adaptação da nossa arquitetura institucional. Só assim poderemos superar esta fase da crise.
Há ainda muito que podemos fazer em conjunto durante o atual mandato deste Parlamento e desta Comissão.
O que podemos e devemos fazer, antes de mais, é concretizar a união bancária. Trata‑se da primeira e mais urgente fase na via do aprofundamento da nossa união económica e monetária, tal como delineado no Plano pormenorizado para uma União Económica e Monetária efetiva e aprofundada da Comissão apresentado no último outono.
O processo legislativo relativo ao Mecanismo Único de Supervisão encontra-se praticamente concluído. A próxima fase consiste na avaliação independente dos ativos dos bancos pelo BCE, antes de este assumir o seu papel de supervisão.
As nossas atenções devem agora centrar-se urgentemente no Mecanismo Único de Resolução. A proposta da Comissão foi apresentada em julho e, conjuntamente, temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que seja adotada ainda durante esta legislatura.
É essa a forma de garantir que os contribuintes deixam de ser os primeiros a ser chamados sempre que é necessário pagar os custos da falência de um banco.
É essa a forma de realizar progressos a fim de se dissociar os bancos do risco dos Estados.
É essa a forma de resolvermos um dos resultados mais alarmantes e inaceitáveis da crise: o aumento da fragmentação do setor financeiro e dos mercados de crédito europeus – ou mesmo uma renacionalização implícita.
E é também a forma de contribuirmos para restaurar as condições normais de concessão de crédito à economia, nomeadamente às PME. Isto porque, apesar da nossa política monetária acomodatícia, o fluxo de crédito não é ainda suficiente para a economia na área do euro. Esta é uma questão muito complexa e que tem de ser abordada com determinação.
Em última análise, trata-se apenas de uma coisa: crescimento, que é fundamental para resolver um dos problemas atuais mais prementes, o desemprego. A taxa de desemprego atual é economicamente insustentável, politicamente indefensável e socialmente inaceitável. Por esse motivo, todos nós na Comissão - e congratulo‑me por estarem hoje aqui presentes todos os meus comissários - queremos colaborar estreitamente com o Parlamento e os Estados‑Membros para concretizar a maior parte possível da nossa agenda para o crescimento. Estamos a mobilizar todos os instrumentos mas - sejamos honestos – nem todos são a nível europeu, alguns são a nível nacional. Gostaria que nos centrássemos na execução das decisões sobre o emprego dos jovens e sobre o financiamento da economia real. Temos de evitar uma recuperação sem criação de emprego.
A Europa deve, por isso, acelerar o ritmo das reformas estruturais. As nossas recomendações específicas por país definiram o que os Estados‑Membros têm a fazer nesta matéria.
A nível da UE – porque há questões que podem ser tratadas a nível nacional e outras a nível europeu - importa concentrarmo-nos naquilo que é verdadeiramente importante para a economia real: principalmente explorar todo o potencial do mercado único.
Temos um mercado único de bens que funciona muito bem e colhemos os seus benefícios económicos. Devemos alargar essa fórmula de sucesso a outros domínios: mobilidade, comunicações, energia, finanças, comércio eletrónico, a título de exemplo. Temos de eliminar os obstáculos que entravam as pessoas e as empresas dinâmicas. Temos de completar a interligação da Europa.
Gostaria de anunciar que, hoje, vamos adotar formalmente uma proposta que constitui um grande passo para a criação do mercado único das telecomunicações. Os cidadãos sabem que a Europa já conseguiu reduzir consideravelmente os custos de roaming. A nossa proposta irá reforçar as garantias e assegurar preços mais baixos para os consumidores, criando novas oportunidades para as empresas. Sabemos que no futuro o comércio será cada vez mais digital. Não será paradoxal que tenhamos um mercado interno para os bens, mas que quando se trata do mercado digital, nos deparamos com 28 mercados nacionais? Como podemos tirar partido de todas as oportunidades futuras proporcionadas pela economia digital se não realizarmos este mercado interno?
A mesma lógica se aplica no quadro mais global da agenda digital, que resolve problemas reais e contribui para melhorar a vida quotidiana dos cidadãos. A força da futura base industrial da Europa depende de uma boa interligação entre pessoas e empresas. E, ao combinarmos devidamente a agenda digital com a proteção dos dados e a defesa da privacidade, o nosso modelo europeu reforça a confiança dos cidadãos. Tanto no que diz respeito aos desenvolvimentos internos como externos, a Comissão Europeia atribui a máxima importância à adoção da legislação proposta em matéria de proteção de dados.
O mercado único é uma alavanca essencial para a competitividade e o emprego. Se, nos próximos meses, conseguirmos adotar todas as propostas remanescentes no âmbito dos Atos para o Mercado Único I e II e lançar o Mecanismo «Interligar a Europa», estaremos a criar as bases para a prosperidade nos anos vindouros.
Temos estado também a adaptar-nos a transformações dinâmicas à escala global, por isso temos de incentivar esse dinamismo inovador à escala europeia. É por isso que temos de investir mais na inovação, na tecnologia e no papel da ciência. Deposito grande esperança na ciência, nas capacidades da mente humana e numa sociedade criativa para solucionar os problemas. O mundo está a mudar drasticamente. Acredito que muitas das soluções, na Europa e fora dela, resultarão de novos estudos científicos, de novas tecnologias. Gostaria de ver a Europa a liderar esse esforço a nível global. É por isso que nós – Parlamento e Comissão – atribuímos a prioridade ao programa Horizonte 2020 no âmbito das discussões sobre o orçamento da UE.
É por esse motivo que utilizamos o orçamento da UE para investir nas qualificações, na educação e na formação profissional, dinamizando e apoiando assim o talento. Foi por isso também que lutámos pela criação do programa Erasmus Plus.
E é por isso que, no próximo outono, iremos apresentar novas propostas para uma política industrial mais adaptada ao século XXI. Por conseguinte, mobilizamos apoio para as PME, porque acreditamos que uma base industrial dinâmica é indispensável para uma economia europeia forte.
No âmbito da luta contra as alterações climáticas, os nossos objetivos 20-20-20 colocaram a economia na via do crescimento verde e da eficiência dos recursos, reduzindo os custos e criando emprego. Até final deste ano, iremos apresentar propostas concretas em matéria de clima e energia até 2030. E continuaremos a modelar a agenda internacional mediante a conclusão com os nossos parceiros, até 2015, de um acordo global e juridicamente vinculativo sobre o clima. A Europa não pode combater sozinha as alterações climáticas. Muito francamente, os outros têm também de dar o seu contributo. Simultaneamente iremos dar continuidade ao nosso trabalho sobre o impacto dos preços da energia na competitividade e na coesão social.
Todos estes fatores impulsionadores do crescimento foram integrados na nossa agenda «Europa 2020», cuja plena e rápida aplicação é mais urgente que nunca. Em certos caso, teremos mesmo de ir mais além do previsto na agenda 2020.
Isto significa que temos de fazer avançar igualmente a nossa agenda comercial ativa e assertiva. Trata-se de aproximar a UE dos mercados de países terceiros em crescimento e de garantir a nossa posição na cadeia de abastecimento global. Contrariamente ao que se pensa, apesar de a maior parte dos nossos cidadãos considerarem que estamos a perder terreno no comércio mundial, temos um excedente comercial, considerável e crescente, superior a 300 000 milhões de EUR anuais, a nível dos bens, serviços e agricultura. Temos de tirar partido desta situação. Este aspeto irá reclamar muita da nossa atenção nos próximos meses, nomeadamente no âmbito da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento com os EUA e das negociações com o Canadá e com o Japão.
Por último mas não menos importante, temos de nos empenhar na aplicação do Quadro Financeiro Plurianual, o orçamento europeu. O orçamento da UE é a principal ferramenta ao nosso dispor para promover o investimento. Em algumas das nossas regiões o orçamento da União Europeia é a única forma de obter investimento público, porque não existem outras fontes a nível nacional.
Tanto o Parlamento Europeu como a Comissão queriam obter mais recursos. Lutámos juntos nesta matéria. Mas, ainda assim, um único orçamento anual da UE representa mais dinheiro – a preços atuais – do que a totalidade do plano Marshall na altura! Temos agora de garantir que os programas podem de facto arrancar em 1 de janeiro de 2014; que os resultados se farão sentir no terreno; e que tiramos partido de todas as possibilidades de financiamento inovadoras, desde os instrumentos já em curso, aos capitais do BEI e às obrigações para financiamento de projetos.
Temos de respeitar o compromisso assumido em julho.
Da parte da Comissão, iremos honrar esse compromisso. Vamos apresentar o segundo orçamento retificativo para 2013 ainda este mês. Não temos tempo a perder: por isso chamo a atenção para a sua urgência. Apelo nomeadamente aos Estados-Membros para que não se atrasem.
Nunca é demais salientar: os cidadãos não se deixarão convencer por retóricas ou promessas vãs, mas apenas por um conjunto concreto de realizações comuns. Temos de pôr em evidência os vários domínios em que a Europa resolveu os problemas que se colocavam aos cidadãos. A Europa não é a causa dos problemas; a Europa é parte da solução.
Na carta que hoje enviei ao Presidente do Parlamento Europeu e que os Senhores Deputados também receberam, abordo mais exaustivamente tudo o que há a fazer. Não entrarei agora em pormenores quanto ao programa do próximo ano.
Vou ser muito claro: juntos, temos ainda muito a fazer antes das eleições. Não é altura para baixar os braços, é altura para arregaçar as mangas.
Senhoras e Senhores Deputados,
Nada disto é fácil. Os tempos são difíceis. Um verdadeiro teste de resistência da UE. O caminho para uma reforma profunda e duradoura é tão exigente quanto inevitável. Não tenhamos ilusões: não existe qualquer possibilidade de voltarmos à rotina. Há quem pense que depois disto, tudo pode voltar ao que era antes. Enganam‑se, esta crise é diferente. Não é uma crise cíclica mas sim uma crise estrutural. Não voltaremos à vida que tínhamos. Teremos de construir uma vida nova. Estamos num período de transformação histórica. Temos de interiorizar esse facto; não basta falar nele. Mas temos de retirar todas as consequências, nomeadamente em termos do nosso estado de espírito e da forma como reagimos aos problemas.
Os primeiros resultados mostram-nos que é possível.
E todos sabemos, por experiência, que é necessário.
Na fase atual, com a recuperação ainda frágil, o maior risco que antevejo é de caráter político: falta de estabilidade e de determinação. Nos últimos anos verificámos que qualquer facto que suscite dúvidas quanto ao empenho de um governo em levar a cabo as reformas é imediatamente punido. Por outro lado, a existência de decisões resolutas e convincentes tem igualmente um impacto importante e imediato.
Nesta fase da crise, o papel dos governos é proporcionar a segurança e a previsibilidade de que os mercados precisam.
Certamente que todos já ouviram falar de Justus Lipsius; é o nome do edifício do Conselho em Bruxelas. Justus Lipsius foi um académico e humanista muito influente do século XVI, que escreveu uma obra muito importante, intitulada De Constantia.
A «constância», segundo escreveu, é «um reto e imutável vigor de ânimo, que não se ensoberba nem abate com os sucessos exteriores ou fortuitos». Só uma «firmeza de ânimo», engendrada «do juízo e da reta razão», pode ajudar-nos a atravessar este período conturbado e preocupante.
Espero que nos tempos que correm, nestes tempos difíceis, todos nós, incluindo os representantes dos governos que se reúnem no edifício Justus Lipsius, mostremos essa determinação e essa perseverança quando chegar a altura de implementar as decisões que adotámos. Porque uma das questões que se levanta é ser coerente: não apenas tomar decisões, mas ser capaz de seguidamente concretizá‑las no terreno.
Senhoras e Senhores Deputados,
É natural que, nos últimos anos, os nossos esforços para ultrapassar a crise económica tenham ofuscado tudo o resto.
No entanto, a nossa ideia de Europa vai muito além da economia. Somos muito mais do que um simples mercado.
O ideal europeu reflete os próprios alicerces da sociedade europeia. Diz respeito a valores e sublinho: valores. Baseia‑se numa forte crença em padrões políticos, sociais e económicos, enraizados na nossa economia de mercado social.
No mundo de hoje, o nível da UE é indispensável para proteger estes valores e estes padrões e promover os direitos dos cidadãos, da defesa dos consumidores aos direitos laborais, dos direitos das mulheres ao respeito pelas minorias, das normas ambientais à proteção dos dados e da privacidade.
Quer defendendo os nossos interesses no comércio internacional, garantindo o nosso abastecimento energético ou restabelecendo o sentido de justiça das pessoas através da luta contra a fraude e a evasão fiscais: só agindo como uma União fazemos valer o nosso peso à escala global.
Quer procurando um impacto para a ajuda ao desenvolvimento e a ajuda humanitária que concedemos aos países em desenvolvimento, gerindo as nossas fronteiras externas comuns quer procurando desenvolver na Europa uma política forte de segurança e defesa: só procedendo a uma maior integração podemos realmente atingir os nossos objetivos.
Não há qualquer dúvida. A nossa coerência interna e o protagonismo internacional são indissociáveis. A nossa atração económica e a dinâmica política estão fundamentalmente interligadas.
Alguém acredita verdadeiramente que, se o euro se tivesse desmoronado, ainda teríamos, nós e os nossos Estados‑Membros, qualquer credibilidade a nível internacional?
Alguém se dá já conta da forma como o alargamento, que tem sido um êxito em termos de sarar feridas históricas profundas, estabeleceu democracias, quando ninguém pensava que tal seria possível? Como é que a política de vizinhança foi e continua a ser a melhor forma de proporcionar segurança e prosperidade em regiões de importância vital para a Europa? Onde estaríamos hoje sem tudo isto?
Hoje em dia, países como a Ucrânia procuram cada vez mais estabelecer laços estreitos com a União Europeia, atraídos pelo nosso modelo económico e social. Não lhes podemos virar as costas. Não podemos aceitar quaisquer tentativas para condicionar as decisões soberanas destes países. A liberdade de escolha e de consentimento devem ser respeitadas. Estes princípios são igualmente os que estão subjacentes à nossa Parceria Oriental, que pretendemos fazer avançar na nossa cimeira de Vilnius.
E alguém se lembra ainda do quanto a Europa sofreu com as suas guerras durante o último século e de como a integração europeia constituiu a resposta válida?
No próximo ano, fará um século que começou a Primeira Guerra Mundial, uma guerra que devastou a Europa, de Sarajevo ao Somme. Nunca devemos considerar a paz como um dado adquirido. Devemos recordar que é à Europa que se deve o facto de antigos inimigos se sentarem agora à mesma mesa e trabalharem juntos. É apenas devido ao facto de lhes ter sido oferecida uma perspetiva europeia que a Sérvia e o Kosovo chegaram agora a um acordo, com a mediação da UE.
O Prémio Nobel da Paz do ano passado recordou‑nos essa conquista histórica: a Europa é um projeto de paz.
Nós próprios devíamos estar mais conscientes do facto. Penso, por vezes, que não devíamos ter vergonha de estar orgulhosos. Não arrogantes. Devemos olhar para o futuro, mas com uma sabedoria adquirida com o passado.
Permitam‑me que diga a todos os que se regozijam com as dificuldades da Europa e que pretendem fazer regredir a nossa integração e voltar ao isolamento: a Europa pré‑integração das divisões, da guerra, das trincheiras, não é o que as populações desejam e merecem. O continente europeu nunca na sua história conheceu um período tão longo de paz como desde a criação da Comunidade Europeia. É nosso dever preservar e aprofundar este facto.
Senhoras e Senhores Deputados,
É precisamente com os nossos valores que enfrentamos a intolerável situação na Síria, que pôs à prova, ao longo dos últimos meses, a consciência mundial. A União Europeia liderou a resposta da ajuda internacional através da mobilização de cerca de 1,5 mil milhões de EUR, dos quais 850 mil milhões provêm diretamente do orçamento da UE. A Comissão envidará todos os esforços para ajudar o povo sírio e os refugiados nos países vizinhos.
Testemunhámos recentemente acontecimentos que pensávamos terem sido há muito erradicados. A utilização de armas químicas é um ato hediondo que merece uma condenação clara e uma resposta forte. A comunidade internacional, tendo no seu centro as Nações Unidas, tem uma responsabilidade coletiva de sancionar estes atos e pôr termo a este conflito. A proposta de entrega e controlo das armas químicas sírias pode vir a ser um desenvolvimento positivo. O regime sírio tem agora de demonstrar que a irá aplicar de imediato. Na Europa, acreditamos que, em última análise, só uma solução política proporciona uma boa possibilidade de alcançar a paz duradoura que o povo sírio merece.
Senhoras e Senhores Deputados,
Há os que alegam que uma Europa mais fraca tornaria o seu país mais forte, que a Europa é um fardo; que estariam melhores sem ela.
A minha resposta é inequívoca: todos precisamos de uma Europa unida, forte e aberta.
No debate que está em curso por toda a Europa, a questão principal é a seguinte: Queremos fazer avançar a Europa ou desistir dela?
A minha resposta é inequívoca: avancemos!
Se não gostam da Europa como está: melhorem‑na!
Encontrem formas de a tornar mais forte, a nível interno e internacional, e terão em mim o mais firme apoiante. Encontrem formas que permitam a diversidade sem criar discriminações, e estarei convosco de alma e coração.
Mas não se desviem do objetivo.
Reconheço: como qualquer outra criação humana, a UE não é perfeita.
Por exemplo, as controvérsias sobre a divisão do trabalho entre os níveis nacional e europeu nunca terminarão de forma conclusiva.
Considero a subsidiariedade extremamente importante. Para mim, a subsidiariedade não é um conceito técnico. É um princípio democrático fundamental. Uma União cada vez mais estreita entre os cidadãos da Europa requer que as decisões sejam tomadas de forma tão aberta quanto possível e tão perto quanto possível das populações.
Nem tudo precisa de uma solução a nível europeu. A Europa deve centrar-se em áreas onde pode assegurar o maior valor acrescentado. Não tem de imiscuir-se onde não deve. A UE deve ser grande em grandes coisas e pequena em coisas mais pequenas – algo que talvez tenhamos negligenciado no passado. A UE deve demonstrar que tem capacidade para estabelecer prioridades positivas e prioridades negativas. Tal como todos os governos, temos de ter um cuidado especial com a qualidade e a quantidade da nossa regulamentação, sabendo que, tal como referiu Montesquieu, «As leis inúteis enfraquecem as leis necessárias».
Existem, no entanto, Senhoras e Senhores Deputados, domínios de maior importância, nos quais a Europa deve mostrar mais integração, mais unidade. Nos quais só uma Europa forte pode apresentar resultados.
Acredito que uma união política deve ser o nosso horizonte político, tal como salientei no discurso sobre o «Estado da União» do ano passado. Não se trata apenas do desejo de um europeu convicto. É a forma indispensável para avançar na consolidação dos nossos progressos e garantir o futuro. Em última análise, a solidez das nossas políticas, nomeadamente da união económica e monetária, depende da credibilidade da construção política e institucional que lhe está subjacente.
Por conseguinte delineámos, no Plano pormenorizado para uma União Económica e Monetária efetiva e aprofundada da Comissão, não apenas as características económicas e monetárias, mas igualmente as necessidades, possibilidades e limites do aprofundamento da nossa estrutura institucional a médio e longo prazo. A Comissão continuará empenhada na aplicação do seu Plano, passo a passo, etapa por etapa.
E confirmo, tal como anunciado no ano passado, a intenção de apresentar, antes das eleições europeias, novas ideias sobre o futuro da União e a melhor forma de consolidar e aprofundar o método comunitário e a abordagem comunitária a mais longo prazo. Deste modo, podem ser sujeitas a um verdadeiro debate europeu. Definirão os princípios e as orientações necessárias para uma verdadeira união política.
Senhoras e Senhores Deputados,
Só podemos dar resposta aos desafios do nosso tempo se reforçarmos o consenso sobre os nossos objetivos fundamentais.
Do ponto de vista politico, não podemos deixar que as diferenças entre a área do euro e os que estão fora dela, entre o centro e a periferia, entre o Norte e o Sul, entre o Leste e o Oeste criem divisões entre nós. A União Europeia deve continuar a ser um projeto para todos os membros, uma comunidade de membros com os mesmos direitos.
Do ponto de vista económico, a Europa foi sempre uma forma de ultrapassar as diferenças existentes entre os países, as regiões e os povos. E assim deve permanecer. Não podemos fazer o trabalho dos Estados‑Membros por eles. Continua a caber‑lhes a responsabilidade. Podemos e devemos, no entanto, complementá‑la com responsabilidade e solidariedade europeias.
Por essa razão, o reforço da dimensão social constitui uma prioridade para os próximos meses, em conjunto com os nossos parceiros sociais. A Comissão apresentará a sua comunicação sobre a dimensão social da união económica e monetária no dia 2 de outubro. A solidariedade constitui um elemento essencial do que significa fazer parte da Europa e algo de que nos devemos orgulhar.
Salvaguardar os seus valores, tais como o Estado de direito, é o que compete à União Europeia fazer, desde a sua criação até aos últimos capítulos do seu alargamento.
No discurso sobre o estado da União do ano passado, num momento de desafios para o Estado de direito nos nossos próprios Estados‑Membros, mencionei a necessidade de construir uma ponte entre persuasão política e processos por infração específicos, por um lado, e o que considero a opção drástica de aplicar o artigo 7.º do Tratado, ou seja, a suspensão dos direitos de um Estado-Membro.
A experiência confirmou a utilidade do papel da Comissão como árbitro independente e objetivo. Devemos consolidar esta experiência através de um enquadramento mais geral. Devia basear-se no princípio da igualdade entre Estados-Membros, ativado apenas em situações em que se verifica um risco sistémico grave para o Estado de direito e desencadeado por critérios de referência previamente definidos.
A Comissão apresentará uma comunicação sobre esta questão. Considero que se trata de um debate fundamental para a nossa ideia de Europa.
Tal não significa que a soberania nacional ou a democracia estão refreadas. Mas necessitamos de um mecanismo europeu robusto através do qual poderemos exercer influências quando estão em jogo princípios básicos comuns.
Existem certos valores não negociáveis que a UE e os seus Estados‑Membros devem defender e defenderão sempre.
Senhoras e Senhores Deputados,
A polarização que pode resultar da crise coloca um risco para todos nós, para o projeto, para o projeto europeu.
Nós, os representantes políticos legítimos da União Europeia, podemos inverter a tendência. Os Senhores Deputados, representantes democráticos da Europa, eleitos diretamente, estarão na linha da frente do debate político. A questão que gostaria de colocar é a seguinte: que imagem da Europa será apresentada aos eleitores? A versão objetiva ou a versão fantasiosa? O mito ou os factos? A versão honesta, razoável ou a versão extremista, populista? É uma diferença importante.
Há quem diga que a Europa é a culpada pela crise e pela austeridade.
Mas podemos recordar às pessoas que a Europa não esteve na origem desta crise. A crise resultou de uma gestão incorreta das finanças públicas por parte dos governos nacionais e de um comportamento irresponsável nos mercados financeiros.
Podemos explicar a forma como a Europa trabalhou para resolver a crise. O que teríamos perdido se não tivéssemos conseguido defender o mercado único, porque estava ameaçado, e a moeda comum, porque houve quem previsse o fim do euro. Se não tivéssemos coordenado esforços para a recuperação e adotado iniciativas para a criação de emprego.
Algumas pessoas dirão que a Europa está a forçar os governos a reduzir as despesas.
Mas, podemos recordar aos eleitores que a dívida pública se descontrolou mesmo antes da crise, não devido à Europa mas apesar da Europa. Podemos acrescentar que os mais vulneráveis nas nossas sociedades e as nossas crianças, acabarão por pagar um preço se não formos perseverantes agora. E a verdade é que países da área do euro ou de fora dela, na Europa ou fora da Europa, estão a envidar esforços para controlar as suas finanças públicas, muito sobrecarregadas.
Alguns farão campanha dizendo que demos demasiado dinheiro a países vulneráveis. Outros dirão que demos muito pouco dinheiro a países vulneráveis.
No entanto, cada um de nós pode explicar o que fez e por que razão o fez: existe uma ligação direta entre os empréstimos de um país e os bancos de outro país, entre os investimentos de um país e as empresas de outro país, entre os trabalhadores de um país e as empresas de outro país. Este tipo de interdependência significa que só funcionam as soluções europeias.
O que digo às pessoas é o seguinte: quando estamos no mesmo barco, não podemos dizer: «o teu lado do barco está a afundar-se.» Estávamos no mesmo barco quando as coisas corriam bem e estamos nele juntos quando as coisas são difíceis.
Alguns podem fazer campanha dizendo: a Europa conquistou demasiado poder. Outros alegarão que a Europa faz sempre muito pouco e muito tarde. O que é interessante é que por vezes encontramos os mesmos a dizer que a Europa não faz o suficiente e ao mesmo tempo recusam‑se a fornecer os meios para a Europa fazer o que tem de fazer.
Mas podemos explicar que os Estados‑Membros delegaram na Europa certas atribuições e competências. A União Europeia não é um poder externo. É o resultado de decisões democráticas tomadas pelas instituições europeias e pelos Estados‑Membros.
Temos de reconhecer simultaneamente que, em certos domínios, a Europa ainda não tem o poder de fazer o que esperam dela. Este é um facto muito facilmente esquecido por aqueles, e há muitos por aí, que gostam sempre de nacionalizar os êxitos e europeizar os fracassos. Em última análise, o que temos e o que não temos é o resultado de uma tomada de decisões democrática. Penso que devemos recordar às pessoas este facto.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Espero que o Parlamento Europeu aceite este desafio com todo o idealismo que possui, com tanto realismo e determinação como os tempos o exigem.
Os argumentos são estes.
Os factos são estes.
A agenda foi fixada.
Dentro de 8 meses os eleitores decidirão.
Agora cabe‑nos a nós defender a Europa.
Podemos fazê‑lo aproveitando os próximos 8 meses para concluir o máximo de assuntos pendentes. Ainda temos muito a fazer.
Adotar e implementar o orçamento europeu: o Quadro Financeiro Plurianual. É fundamental para o investimento nas nossas regiões em toda a Europa. É indispensável para dar resposta à nossa principal prioridade: combater o desemprego, nomeadamente o desemprego dos jovens.
Fazer avançar e concretizar a união bancária: é fundamental para resolver o problema do financiamento das empresas e das PME.
As nossas prioridades são claras: emprego e crescimento.
O nosso trabalho não acabou. Está na sua fase decisiva.
Porque Senhoras e Senhores Deputados, as eleições não serão apenas sobre o Parlamento Europeu, nem sobre a Comissão Europeia ou o Conselho, ou sobre esta ou aquela personalidade.
Serão sobre a Europa.
Seremos julgados em conjunto.
Por isso, trabalhemos juntos – pela Europa.
Com paixão e com determinação.
Não esqueçamos: há cem anos – a Europa caminhava como um sonâmbulo para a catástrofe da Guerra de 1914.
Para o ano, em 2014, espero que a Europa esteja a sair da crise a caminho de uma Europa mais unida, mais forte e aberta.
Obrigado pela vossa atenção.
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