Quando a China se tornou « a fábrica do mundo », a Produção já não permite viver no Ocidente. Os únicos que ganham dinheiro, e muito dinheiro, são os detentores de capitais. O sistema está em vias de colapsar. Podem os grandes capitalistas salvar ainda o total de sua fortuna ?
Rede Voltaire | 15 de Outubro de 2021
Já no século XVIII, os economistas britânicos do nascente capitalismo, reunidos à volta de David Ricardo, se interrogavam sobre a possível perenidade deste sistema. Aquilo que rendia muitíssimo a princípio, acabará por vir a tornar-se comum e por não acrescentar mais riqueza a ninguém. O consumo não irá poder justificar eternamente a produção em massa. Mais tarde os socialistas, à vota de Karl Marx [1], prediziam o inelutável fim do sistema capitalista.
Era suposto este sistema ter morrido em 1929, mas, para surpresa geral, ele sobreviveu. Aproximamo-nos de um momento análogo : a produção já não rende, agora apenas os financeiros ganham dinheiro. Por todo o Ocidente, vemos o nível geral da população a baixar, enquanto o património de alguns poucos indivíduos atinge os píncaros. O sistema ameaça afundar de novo para não mais se levantar. Podem os hiper-capitalistas salvar ainda os seus bens ou assistiremos a uma redistribuição aleatória das riquezas a seguir a um confronto generalizado ?
A crise de 1929 e a sobrevida do capitalismo
Quando sobreveio a crise de 1929 nos Estados Unidos, toda a elite ocidental estava convencida que a galinha dos ovos de ouro estava morta; que era preciso arranjar um novo sistema imediatamente, caso contrário a humanidade morreria de fome. É particularmente instrutivo ler a imprensa dos EUA e Europeia da época para entender a angústia que assolava o Ocidente. Grandes fortunas desapareceram do dia para a noite. Milhões de trabalhadores viram-se no desemprego e experimentaram não somente a miséria mas sobretudo a fome. Os povos revoltavam-se. Os polícias disparavam balas reais contra as multidões em fúria. Ninguém imaginava que o capitalismo pudesse emendar-se e renascer. Dois novos modelos foram propostos: o estalinismo e o fascismo.
Contrariamente à imagem que temos disso um século mais tarde, por essa altura todos tinham consciência das taras destas ideologias, mas o problema mais importante, vital, era saber quem conseguiria alimentar melhor a sua população. Já não havia nem direita, nem esquerda, apenas um salve-se quem puder geral. Benito Mussolini, que havia sido director do principal jornal socialista italiano antes da Primeira Guerra Mundial, depois agente do MI5 britânico durante a guerra, tornou-se o líder do fascismo, então visto como a ideologia que ia dar pão aos operários. Joseph Stalin, que fora bolchevique durante a Revolução Russa, liquidou quase todos os delegados do seu Partido e substituiu-os para construir a URSS, então vista como uma concretização da modernidade.
Nenhum dos dois líderes foi capaz de concretizar o seu modelo: no fim, os economistas acabam sempre por ceder o seu lugar aos militares. As armas têm sempre a última palavra. Ocorreu pois a Segunda Guerra Mundial, a vitória da URSS e dos Anglo-Saxões por um lado e a queda do fascismo por outro. Acontece que apenas os Estados Unidos não foram devastados pela guerra e que o Presidente Franklin Roosevelt, ao organizar o sector bancário, deu uma segunda oportunidade ao capitalismo. Os Estados Unidos reconstruiram a Europa sem esmagar a classe operária, por medo de a ver voltar-se para a URSS.
A crise após o desaparecimento da URSS
No entanto, quando a URSS desapareceu, no fim de 1991, o capitalismo privado de rival retomou os seus velhos defeitos. Em poucos anos, com as mesmas causas provocando os mesmos efeitos, a produção começou a decrescer nos Estados Unidos e os empregos foram deslocalizados para a China. A classe média começou o seu lento declínio. Então, os detentores de capitais Norte-Americanos sentiram-se ameaçados. Assim, tentaram sucessivamente várias abordagens para salvar o seu país e manter o sistema.
– A primeira foi a de transformar a economia dos Estados Unidos em exportadora de armas e usar as suas Forças Armadas para controlar as matérias-primas, e as fontes de energia da parte não-globalizada do planeta, utilizadas pelo resto do mundo. É este projecto, a adaptação ao « capitalismo financeiro » (se este oxímoro tem um sentido), a doutrina Rumsfeld/Cebrowski [2], que levou o Estado profundo dos EUA a montar os atentados do 11-de-Setembro e a guerra sem fim no Médio-Oriente Alargado. Este episódio deu vinte anos de respiro ao capitalismo, mas as consequências internas foram desastrosas para as classes médias.
– A segunda tentativa foi o travão (freio-br) ao livre comércio internacional e o retorno à produção Norte-Americana de Donald Trump. Mas ele declarara guerra aos homens do 11-de- Setembro e ninguém o deixou tentar salvar os Estados Unidos.
– Uma terceira hipótese foi considerada. Tratar-se-ia de deixar cair as populações ocidentais e mover os poucos bilionários para um Estado robotizado de onde eles poderiam, sem receio, dirigir os seus investimentos. É o projecto Neom que o Príncipe Mohamed bin Salman começou a construir no deserto saudita com a bênção da OTAN. Após um período de intensa actividade, as obras estão actualmente em ponto morto.
– A antiga equipa de Donald Rumsfeld (entre os quais os Drs Richard Hatchett [3] e Anthony Fauci [4]) decidiu lançar uma quarta opção por ocasião da pandemia do Covid-19. Trata-se de prosseguir e de generalizar nos Estados desenvolvidos aquilo que foi iniciado em 2001. O confinamento maciço de populações sãs obrigou os Estados a endividar-se. O recurso ao teletrabalho preparou a deslocalização de dezenas de milhões de empregos. O passe sanitário legalizou uma sociedade de vigilância em massa.
Klaus Schwab e a grande reinicialização (Great Reset)
Foi neste contexto que o presidente do Fórum de Davos, Klaus Schwab, publicou Covid-19: The Great Reset. Não se trata de forma alguma de um programa, mas de uma análise da situação e de uma antecipação sobre possíveis evoluções. Este livro foi escrito para os membros do Fórum e dá uma ideia do seu nível intelectual lamentável. O autor alinha uma série de clichés citando à toa, numa mistura, grandes autores e os números fantasmagóricos de Neil Ferguson (Imperial College) [5].
Nos anos 70-80, Klaus Schwab foi um dos directores da empresa Escher-Wyss (incorporada pela Sulzer AG), que desempenhou um papel importante no programa de pesquisa atómica da África do Sul do apartheid ; contribuição que teve lugar em violação da Resolução 418 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ele não tem, portanto, qualquer moral ou medo de nada. A seguir, criou um círculo de chefes de empresa que se tornou o Fórum Económico Mundial. Esta mudança de nome foi feita com a ajuda do Centro para a Empresa Privada Internacional (CIPE); o ramo patronal da National Endowment for Democracy (NED/CIA). Foi por isso que ele foi inscrito, em 2016, no Grupo de Bilderberg (órgão de influência da OTAN) como funcionário internacional, aquilo que oficialmente nunca foi.
No seu livro, Klaus Schwab prepara o seu público para uma sociedade orwelliana. Ele imagina tudo, e seja o que for, até mesmo à morte por Covid de 40% da população mundial. Não propõe nada de concreto e não parece preferir nenhuma opção. Compreendemos, precisamente, que ele e o seu público não decidirão nada, mas estão prontos a aceitar tudo para conservar os seus privilégios.
Conclusão
Estamos claramente no limiar de uma enorme reviravolta que varrerá todas as instituições ocidentais. Este cataclismo poderá ser evitado de uma maneira simples, mudando o equilíbrio de remunerações entre o trabalho e o capital. Esta solução é, no entanto, improvável porque implicará o fim das super-fortunas.
Se tivermos estes dados em mente, a rivalidade Leste-Oeste é apenas superficial. Não somente porque os Asiáticos não pensam em termos de competição, mas sobretudo porque eles veem o Ocidente a agonizar.
É por isso que a Rússia e a China edificam lentamente o seu mundo, sem esperança de nele integrar o Ocidente que consideram como um predador ferido. Elas não querem confrontá-lo, mas, sim tranquilizá-lo, prodigalizar-lhe cuidados paliativos e acompanhá-lo sem o forçar durante o seu suicídio.
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[1] Contribuição para a Crítica da Economia Política, Karl Marx (1859).
[2] “A doutrina Rumsfeld/Cebrowski”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 25 de Maio de 2021.
[3] “O Covid-19 e a Alvorada Vermelha”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 28 de Abril de 2020.
[4] “Covid-19 : aperta-se o cerco à volta do doutor Anthony Fauci”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 7 de Outubro de 2021.
[5] “Covid-19 : Neil Ferguson, o Lyssenko liberal”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 20 de Abril de 2020.
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