A oposição venezuelana deu início às negociações. A regulamentação da atuação dos meios de comunicação privados pode indicar o tamanho do recuo dos setores opositores durante a campanha para o referendo revogatório de 15 de agosto.
O surpreendente encontro, dia 18, entre o presidente Hugo Chávez e o magnata venezuelano das telecomunicações, Gustavo Cisneros, acusado de ter sido um dos principais articuladores do golpe, sinalizou um possível diálogo entre governo e os meios de comunicação.
A reunião marcou o segundo passo da oposição às vias institucionais. A primeira rendição à nova Constituição foi aceitar o referendo revogatório como alternativa legal para tentar tirar o mandatário venezuelano do Palácio Miraflores.
Cisneros se reuniu "disposto a respeitar a Constituição e reconhecer a necessidade de equilíbrio entre os meios de comunicação. Me parece importante, mas o país verá se serão equilibrados", disse Chávez, dia 20, em seu programa dominical Alô Presidente.
O encontro a portas fechadas no Forte Tiúna, sede do Ministério da Defesa, abriu o precedente para uma série de especulações sobre um possível pacto entre o governo e a oposição, tese negada tanto por Chávez quanto por Cisneros. Em um comunicado à imprensa, o empresário afirma que o encontro teve como tema a democracia e a Venezuela , mas que não se chegou a pacto algum.
O mesmo garantiu Chávez. "O único pacto que tenho é com o povo venezuelano. Nem a Constituição, nem o projeto estão em negociação. Não há pactos por debaixo da mesa".
O presidente prometeu que após o referendo abrirá as portas de Miraflores para qualquer venezuelano que queira ajudar. Esta foi uma resposta ao pronunciamento de Cisneros, que de volta de uma visita ao Brasil afirmou que pretende dialogar depois da data do referendo para somar esforços no combate à pobreza, para promover a saúde, educação e oportunidades econômicas. No Brasil, o empresário aproveitou para criticar Chávez e a economia venezualana e anunciar um investimento de 200 milhões de dólares em empresas de tecnologia no país vizinho.
Na avaliação da cientista política Margarita Lopez Maya, da Universidade Central da Venezuela (UCV), a estratégia de mudar a tônica e o discurso sobre a condução de políticas públicas, indicada pelo empresário, não convence.
"Isso é pura retórica. Um dos argumentos da oposição para criticar o governo era justamente o papel das missões, que pretendem combater esses problemas", critica. Para ela a diferença entre o projeto do governo atual e da oposição é que o primeiro canaliza os recursos do ingresso petroleiro para gerar fontes de emprego e combater diretamente os problemas sociais. "Já a estratégia da oposição é fazer política de focalização", mantendo os privilégios dos setores rentistas.
Na mira, os meios de comunicação
O resultado do encontro mediado pelo ex-presidente estadunidense Jimmy Carter, amigo pessoal de Cisneros, reverberou dias depois, quando o argentino Francisco Diez, do Centro Carter (CC), organização que integra o quadro de observadores do referendo, anunciou um possível acordo entre os meios de comunicação privados para que a consulta popular ocorra em um cenário livre de conflito e violência. "A idéia é facilitar um canal para estabelecer esse clima", disse Diez.
O mediador escolhido pelo CC foi o especialista William Ury, da Universidade de Harvard, que se reuniu,dia 22, com o ministro de Comunicação e Informação, Jesse Chácon.
O ministro aproveitou a oportunidade para criticar a falta de equânimidade e transparência da imprensa do país. Para ele, os meios de comunicação não deveriam ser mais um ator da contenda política. E ainda fez uma sugestão: "Se querem participar ativamente na política deveriam fundar um partido e não esconder-se atrás do poder que significa deter um meio de comunicação".
No mesmo dia, William Ury se encontrou com os donos dos meios de comunicação privados e com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), orgão que deverá regular a propaganda durante a campanha eleitoral.
A tentativa de normatizar a atuação dos meios foi vista com bons olhos, mas sem muito entusiasmo pela professora de Comunicação Social da Universidade Central da Venezuela (UCV), Olga Dragnic. Para ela, é essencial que a imprensa "assuma o papel de informar de maneira imparcial e equilibrada", mas não acredita que um possível regulamento seja respeitado. "Muitas vezes foi acordado um equilíbrio no tratamento da cobertura e de fato nada foi realizado", ressalta a professora que integra o Observatório Global dos Meios da Venezuela.
Na Venezuela o poder de manipulação dos meios de comunicação têm se reduzido de maneira considerável. De acordo com o Observatório de Meios, a venda de jornais no país caiu mais de 50 % nos dois últimos anos. A dimensão do universo televisivo não foi mensurada.
"Isso é um reflexo da atuação propagandística. A capacidade dos meios de influir no comportamento da sociedade não é tão absoluta como imaginamos. A resposta da população ao golpe é um exemplo", afirma Dragnic, ao recordar a reação popular que levou milhares às portas do Palácio Miraflores em 11 de abril para exigir a volta do presidente, que esteve sequestrado durante 48 horas, enquanto as redes de televisão anunciavam que Chávez havia renunciado.
Armas na TV
Há uma semana, em uma das sedes do canal de TV Venevisión, de propriedade de Gustavo Cisneros, foram encontrados 24 revólveres, 5 pistolas e munição. A apreensão foi feita pela Disip (polícia política) sob ordens da Fiscalía Militar, órgão que investiga a suposta participação do grupo Cisneros no caso dos paramilitares colombianos presos no mês passado. O grupo Cisneros se eximiu de qualquer responsabilidade sobre as armas.
"Esse é um exemplo que ultrapassa os limites democráticos para a ilegalidade absoluta" critica Dragnic. A seu ver, o caráter propagandístico das coberturas midiáticas e a presença dessas armas levam a crer que os meios de comunicação também estão envolvidos em atos de violência liderados por setores da oposição.
A violência como alternativa ao descontentamento de alguns grupos tem provocado divisão até mesmo entre os setores da opositora Coordenadora Democrática. A "guarimba", protesto que em fevereiro deixou ao menos 7 mortos e dezenas de feridos e "sequestrou" as classes média e alta do leste de Caracas com a formação de barricadas, havia sido o último episódio de desestabilização dos grupos que apóiam a oposição.
"A oposição está fragmentada e não há um líder que coordene esse tipo de ação. Do lado do governo também há grupos violentos, mas Chávez tem o poder para conter os setores que não creêm na via pacífica", analisa Margarita Lopez Maya. Para ela, a oposição agora se assegura pelo canal institucional, sem descartar os caminhos menos democráticos. "Se trata de mais um jogo político. Institucionalizar-se é para parecer que baixaram a agressividade, mas não significa um recuo. Mesmo sabendo que será dificil ganhar o referendo, eles jamais vão reconhecer isso à essa altura" analisa.
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