Para transformar a realidade, há que escolher um caminho. O governo venezuelano optou por romper com a agenda neoliberal e eleger como prioridade o investimento social. Um dos resultados foi a alfabetização de 1.482 milhão de pessoas em um ano e meio.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Aristóbulo Istúriz, ministro da Educação, Cultura e Esporte da Venezuela, afirma que a ruptura com o modelo privatista da educação e a reestruturação do orçamento foram os elementos determinantes para a eliminação do analfabetismo no país. “Somente uma nação autônoma e livre pode orientar o seu orçamento para o social,” diz o ministro.
- Como a Venezuela conseguiu erradicar o analfabetismo?
- Temos que fazer uma reflexão política importante. Devemos nos perguntar se todos os países latino-americanos estão se esforçando para erradicar o analfabetismo e por que a Venezuela teve êxito. Acredito que se ainda estivéssemos transitando no modelo neoliberal não teríamos conseguido o mesmo resultado. O analfabetismo é conseqüência de um processo histórico de exclusão, característico do neoliberalismo. Somente quando o povo venezuelano, com o governo revolucionário de Hugo Chávez, passa a caminhar contra aquela corrente é que a Venezuela consegue avançar.
- Qual era o número de analfabetos antes do governo Chávez?
- Na década anterior a Chávez, foram alfabetizadas 70 mil pessoas. Em um ano e meio, o atual governo conseguiu alfabetizar 1.482 milhão de compatriotas. Temos 1.466 milhão cursando o ensino médio, mais de 450 mil na Missão Sucre, incorporados à educação superior. Até 2002, o Censo apontava 1,2 milhão de analfabetos. Isso significa que alfabetizamos mais de 99% da população.
- Como foi possível o avanço?
- A diferença entre mais de um milhão em um ano e 70 mil durante dez anos está relacionada com o modelo político e com a vontade política. Enquanto estávamos impregnados pelo neoliberalismo, o impacto sobre a educação era tremendo, com acentuada divisão entre a educação pública e privada. Nunca houve um decreto determinando a privatização da educação. No entanto, o desmonte da educação se deu com a deterioração do ensino público. Com isso, a população se via obrigada, por mais pobre que fosse, a buscar a educação privada. E o número de excluídos cresceu a cada dia. Pouco a pouco, o número de ingressos nas escolas foi diminuindo. Ao avaliar a educação naquele período, o que vemos é o aumento da privatização e, por conseqüência, o desenvolvimento de uma educação elitista. Só quando o povo decide que a educação é um direito humano fundamental, e nós a assumimos com um enfoque de direito para combater a pobreza, então a educação se converte em uma obrigação real do Estado, que precisa massificá-la.
- Quais são as bases do novo modelo educativo?
- Vimos que deveríamos aperfeiçoar o modelo educativo e trabalhar para garantir educação para todos. Muitos compatriotas nunca foram à escola por serem pobres. Essa realidade contribuiu para estimular os voluntários que passam a participar de um modelo de educação de inclusão. O presidente tomou quatro medidas para frear o caminho por onde caminhávamos: o fim da cobrança da matrícula nas escolas públicas, o programa de alimentação escolar, a construção de bibliotecas e escolas bolivarianas e o aumento do orçamento.
- E depois disso?
- Transformar a educação pública implica em ter uma política agressiva de recuperação, reestruturação e criação de infraestrutura. Em recobrar a auto-estima do docente que estava no subsolo. O currículo é muito importante. Não podemos permitir que venezuelanos saiam das escolas e continuem reproduzindo os valores neoliberais, segundo os quais, o ter é mais importante do que o ser. Estamos determinados a criar um ser social solidário, criativo.
- Qual o orçamento destinado para a educação?
- Nós aumentamos os recursos para educação de 2,7% do PIB para 7% do PIB. Somente um país autônomo, livre, pode orientar o seu orçamento para o social. Para nós isso não significa gastos, e sim investimento na nossa gente. Mas sem vontade política não é possível qualquer mudança. BF - De que maneira a Missão Robinson, de alfabetização, contribuiu para a criação e consolidação das demais missões sociais? Istúriz - As missões são um subsistema dentro do processo educativo, que contemplam a alfabetização e a pós alfabetização. Missão Robinson para alfabetizar, Missão Robinson II para o ensino médio. Missão Ribas para o segundo grau e Missão Sucre para a universidade tudo isso conforma o sistema de educação bolivariano.
As missões se inter-relacionam porque não se pode conceber educação sem saúde, por isso a Missão Bairro Adentro. Não se concebe sem a capacitação e a organização para a produção, por isso a Missão Vuelvan Caras. Não se concebe sem a alimentação, para isso está o Mercal, que beneficia 16 milhões de pessoas. Não concebemos um sistema educativo que não inclua os excluídos. Estamos em um processo de transição no qual ainda convivem os modelos velho e novo. Assumimos um novo conceito de educação fundamental, criamos escolas e liceus bolivarianos e estamos em um processo de transformação também do ensino superior. Criamos a Universidade Bolivariana e queremos que ela esteja onde as pessoas estão, e que atenda às necessidades da comunidade. Estamos criando as aldeias universitárias para que o ensino superior chegue aos pequenos municípios para dar resposta às demandas.
- Por que o governo venezuelano decidiu adotar o método cubano, Yo, sí, puedo (Sim, eu posso)?
- Porque é um método que vai do mais complexo ao mais simples. Do conhecido, ao desconhecido. Aplica o conceito andragógico segundo o qual os adultos conhecem os números, mas desconhecem as letras. Aproveita a experiência de vida dos adultos para acelerar o processo de aprendizagem. Pela associação de letras e números se facilita a compreensão. Em sete semanas e meia, um adulto aprende a ler e escrever. Um dos aspectos importantes foi incorporar a tecnologia da comunicação, o televisor [1], o videocassete, o professor no vídeo acompanhado de um facilitador na sala de aula. O uso da tecnologia permitiu massificar o método. Com a ajuda dos assessores cubanos e das Forças Armadas conseguimos implementar o programa.
- De que maneira o Estado associa a educação com a consolidação da revolução bolivariana?
- A educação e a organização social vão gerando consciência política. Todas as missões estão cruzadas. Difi cilmente vamos ver um estudante da missão de alfabetização que não esteja integrado aos Comitês de Terra, urbano ou rural, na Contralodoria Social ou qualquer outra organização de bairro. Essa é a maneira de dar sustentação ao processo e torná-lo irreversível.
- O que representa para a América Latina essa conquista do povo venezuelano?
- Significa que todos podemos. Basta ter vontade política. A Venezuela é o exemplo de que sim, podemos fazer mudanças.
[1] Andragogia - É a arte e ciência de orientar adultos a aprender. O modelo andragógico é um método de formação de adultos que se caracteriza por uma educação horizontal. Procura-se garantir a formação de comunidades de estudo interdependentes que possibilitem alto grau de participação de seus membros.
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