Na comemoração dos 193 anos de independência do país do domínio espanhol, 5 de julho, os venezuelanos substituíram a espada pela caneta e papel para mais uma batalha: a campanha eleitoral pela continuidade do mandato do presidente Hugo Chávez após o referendo revogatório, em 15 de agosto.
Nem mesmo o forte calor de Caracas desanima os moradores do bairro popular La Pastora, oeste da cidade, que encaram o desafio de organizar grupos de mobilização com vistas a uma participação maciça em apoio ao processo político chefiado pelo presidente.
Caminhando pelos bairros
O técnico em informática,Oscar Negrini, coordenador da Unidade de Batalha Eleitoral (UBE) da Escola Juan Maria Alberti , é um dos muitos que preferiu caminhar pelos bairros para formar equipes de até 10 pessoas, denominados por Chávez de patrulheiros, à aproveitar o feriado prolongado e descansar na praia.
Nas ruas íngrimes do bairro periférico, em que o nome do libertador Símon Bolívar é encontrado a cada esquina, Negrini comenta que o ânimo da população é semelhante ao enfrentamento de mais uma batalha, dessa vez, para manutenção da independência política conquistada em 1811.
A campanha, liderada pelo próprio presidente, deve reunir um milhão de voluntários, de acordo com estimativas do governo. Com nome e endereço à mão, dados oficiais extraídos do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), os patrulheiros têm a missão de identificar as pessoas que não possuem cédula de identidade, se o registro eleitoral dos votantes ainda é válido e têm a tarefa política de angariar votos daqueles que não sabem se vão optar pelo “não” ou pelo “sim” no dia da consulta popular.
“Vamos buscar uma ampla vitória para que a oposição e o mundo não tenham dúvidas e se convençam que o não é vontade da maioria”, comenta Negrini. A meta desses venezuelanos é garantir, no mínimo, 4,5 milhões de votos na consulta popular.
Depuração do registro
Outra tarefa dos patrulheiros tem sido notificar o CNE se nas planilhas em que controlam os votantes há falecidos inscritos. "A depuração do registro eleitoral está sendo feita pelo povo bolivariano", comenta a arquiteta Maria Carrera, coordenadora das patrulhas de La Pastora, em uma das sedes do comando eleitoral.
Durante o processo de coleta de assinaturas para convocar o referendo, nomes de pessoas mortas, extraídas do registro eleitoral, foram utilizadas para falsificar cédulas de identidade com o objetivo de aumentar o número de possíveis eleitores contrários ao governo. "Com isso diminuímos quase pela metade a possibilidade de fraudes", afirma Maria.
Mobilização, de todos
Enquanto manejava os dados no computador com as informaçoes dos voluntários já inscritos para a campanha eleitoral, Maria conversa com o pequeno empresário Juvenal Sanchez, que acaba de se juntar à equipe.
"Me sinto culpado por termos chegado a esse referendo. Deixei que outros fizessem o trabalho por mim. Agora é definitivo, todos sabem que têm que ajudar”, observa Sanchez.
Para o patrulheiro de 50 anos, não somente o futuro da Venezuela estará em jogo em 15 de agosto. "Toda a América Latina está em risco. Existem dois projetos para escolher: ou seguimos sob o controle do capitalismo ou faremos um mundo mais humano, que começamos a fazer aqui. Sabemos que a desculpa para tudo isso é Chávez, mas o motivo é o petróleo”, avalia.
Uma das críticas da oposição do país, quarto maior produtor mundial de petróleo, é à utilização dos recursos provenientes da exportação do recurso para investimentos sociais. Para os grupos que controlaram a produção durante todo o século 20, a distribuição da renda petroleira por meio das missões populares de alfabetização, desenvolvimento rural e saúde é uma estratégia estritamente "eleitoreira e criminal", de acordo com um dos porta-vozes da oposição, o ex-esquerdista Pompeyo Marques.
Missão
Para remover o presidente do comando do país a oposição, que pretende mobilizar 400 mil voluntários para sua campanha, terá de conseguir mais do que os 3,75 milhões de votos que Chávez obteve quando foi eleito em 1998. Além disso, a quantidade de votos tem que ser superior ao número de eleitores favoráveis a continuação do mandato presidencial. Maria Carrera está confiante e não acredita que os grupos opositores consigam mais do que 3 milhões de votos durante o pleito.
Algumas pesquisas de opinião confirmam a avaliação da coordenadora de patrulha. De acordo com o levantamento realizado há um mês pelo Instituto de pesquisa Northamerican Opinión Research, 55% votariam a favor da continuação do mandato presidencial e 42% do eleitorado estariam contra.
As amostras colhidas pela Datos também indicam uma vitória de Chávez, por 51% a 35% da preferência da população. Os dados colhidos por Datanálisis, no entanto, revelam que o mandatário venezuelano perderia o pleito com 57,8% a 42,6% dos votos.
Bairro a dentro
Para tirar a prova do grau de aprovação do presidente basta circular pelos bairros mais pobres, onde está concentrada a base de apoio ao governo. Enquanto o técnico em informática, Oscar Negrini comenta que o artigo 184 da Constituição garante a participação da comunidade na realização de projetos públicos e indica que há muito a ser feito para melhorar as condições de vida da população, mostra com orgulho um dos 12 consultórios médico e odontológico recém inaugurados.
Equipado com aparelhos novos, onde trabalham os médicos cubanos e enfermeiras venezuelanas da missão Bairro Adentro, as salas não possuem trancas. Com naturalidade, Negrini explica: “Não necessita de segurança, isso é da comunidade e todos nós cuidamos. Aqui ninguém mexe".
A experiência dos moradores de coordenar o bairro têm como símbolo a Escola Juan Maria Alberti, ocupada em 2002, quando o prefeito opositor Alfredo Peña determinou que as aulas fossem interrompidas durante a greve petroleira e a sabotagem empresarial. A Alberti seguiu funcionando sob o comando dos pais e alunos.
Pouco mais de um ano depois, a escola que mal tinha os recursos básicos para o ensino fundamental, agora abriga a Oficina Latinoamericana de Cinema e mantém cursos regulares de comunicação comunitária.
A estudante Liliana Hernández, 23 anos, integrante das patrulhas do bairro, é uma das jovens que fazem o curso de Projeção Audiovisual na escola. "Aprendemos como os meios de comunicação comerciais manejam a informação e quais são as intenções. Agora assistimos TV com um olhar crítico", explica Liliana que se entusiasma com a possibilidade de trabalhar com comunicação comunitária.
A jovem, mãe de dois filhos, conta que teve de deixar o curso de Administração de uma universidade privada de Caracas porque não tinha mais como pagar as mensalidades. Liliana se inscreveu na universidade bolivariana e deve começar as aulas no próximo ano.
"Por isso que saio às ruas para defender esse processo. Se a oposição me garantisse uma vida melhor, os apoiaria, mas eles não têm projeto algum. É com esse governo que vejo alguma esperança para construir um novo país. Há muito o que fazer ainda".
Os apoiadores do governo garantem que a pressão popular no dia D, como definem a data do referendo, será semelhante à que trouxe de volta ao Palácio Miraflores o presidente Chávez, após 48 horas de uma tentativa frustrada de golpe em 11 de abril. Negrini lembra: "Todo 11 tem seu 13.Assim será novamente".
Permaneçam em Contacto
Sigam-nos nas Redes Sociais
Subscribe to weekly newsletter