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Desinformação, falta de fiscalização e boa propaganda. Estes são os elementos que têm favorecido às transnacionais produtoras de sementes geneticamente modificadas para preparar o terreno à produção de transgênicos na Venezuela. Produtores afirmam que já estão sendo realizados experimentos com milho transgênico. O campo venezuelano, por enquanto, continua sob a ameaça dos interesses das indústrias produtoras de sementes geneticamente modificadas.

Em abril deste ano, alertado por um dos líderes do movimento Via Campesina sobre os projetos da transnacional Monsanto em cultivar soja transgênica no país, o presidente da República, Hugo Chávez, proibiu o uso de transgênicos na produção agrícola. A declaração do presidente foi comemorada pelos movimentos sociais e camponeses de todo o continente que lutam contra a dominação das transnacionais na agricultura.

No entanto, nada foi além do discurso do presidente. Nenhuma lei ou decreto foi criado para estabelecer a proibição ou regulamentar o manejo de transgênicos no país. Semelhante ao que ocorreu no Brasil no governo Cardoso quando se iniciou o plantio ilegal nas lavouras do Rio Grande do Sul, o Ministério de Agricultura e Terras (MAT) não fiscaliza a produção e tampouco a entrada de sementes provenientes dos Estados Unidos e Argentina (primeiro e segundo produtores mundiais de transgênicos).

O presidente do Instituto Nacional de Investigação Agropecuária (INIA), Prudêncio Chacon, afirma que 70% das sementes venezuelanas são importadas e admite que não há controle alfandegário para a entrada de sementes. "É bastante provável que assim como fizeram em outros países, as sementes entrem contrabandeadas, não temos controle", afirma.

A falta de equipamentos capazes de detectar a transgênia é um dos fatores que impossibilitam a fiscalização. "Não temos equipamentos. Para realizar testes teríamos que contratar uma empresa privada, a altos custos" afirma Jesus Ramos Oropeza, diretor geral do escritório Nacional de Diversidade Biológica do Ministério do Meio Ambiente.

Oropeza, que integra a comissão que discute o projeto de Lei de Biotecnologia conta que estão sendo realizados fóruns de debates para avaliar as conseqüências dos OGMs na agricultura antes que seja decidido um marco legal. Enquanto esperam pela elaboração da Lei, o Estado se baseia no Princípio de Precaução previsto no Protocolo de Cartagena, do qual a Venezuela é signatária. "Ainda não sabemos se é bom ou mal. Fato é que os transgênicos vão contra a lógica do governo porque cria dependência", avalia.

Dêja-vu

Enquanto se discute o marco legal as transnacionais Cargill, Monsanto e Pioneer - três das cinco grandes empresas que controlam o mercado mundial de sementes - e que detém o controle do mercado venezuelano com a venda de sementes híbridas (estéreis), estão cada vez mais arraigadas no país. A Dekalb, uma das representantes da Monsanto, é patrocinadora da equipe mundial Criollitos pré-infantil de beisebol. Na Argentina, Dekalb é a produtora do milho transgênico Roundup Ready.

De acordo com o presidente da Associação de Produtores Rurais de Portuguesa (Asoportuguesa), as empresas já estão cultivando sementes geneticamente modificadas. "Já existe transgênico. Estão trazendo o material e fazendo os experimentos com muita discrição", afirma, Juan Palácios. "Tanto os vendedores quanto os agricultores comentam que a Monsanto já está testando o milho transgênico", reitera o agrônomo da associação, Orlando Villegas.

Tanto os representantes do governo como os produtores não descartam a possibilidade de que haja plantio ilegal no país. "A única garantia que temos que as sementes não são transgênicas é a palavra da empresa. Certificar as sementes torna a importação ainda mais custosa", afirma Jorge Alvarado, gerente geral da Fedeagro.

De acordo com a Lei de Sementes todos os pedidos para experimentos com transgênicos devem ser encaminhados ao MMA que deve avaliar a inocuidade biológica da pesquisa. O representante do Ministério do Meio Ambiente, Jesus Ramos Oropeza, assegura que nenhum pedido para realização de pesquisas foi encaminhado ao Ministério. "Ninguém pediu autorização, mas como não temos fiscalização, ninguém pode assegurar que não existe", diz.

A reportagem procurou a Monsanto para comentar as afirmações mas foi informada pela assessoria de imprensa que o porta-voz da empresa está fora do país.

Essa não é a primeira denúncia sobre as suspeitas de cultivo ilegal de transgênicos no país. Pesquisadores da Rede de Ação e Alternativas ao Uso de Agrotóxicos na Venezuela (Rapalve) suspeitam que o "Projeto Algodão", criado recentemente pelo Ministério de Agricultura e Terras pretenda utilizar sementes transgênicas da Monsanto, que supostamente já iniciaram experimentos de campo no país.

Campanha campo adentro

A estratégia utilizada em países como Argentina, Brasil e Colombia para convencer os agricultores a adotar a agricultura transgênica também tem sido exitosa na Venezuela. No Estado Portuguesa, um dos maiores produtores de milho no país (base da dieta da população), grande parte dos produtores estão convencidos dos supostos benefícios dos Ogms. "Não somos biólogos, mas a informação que temos de outros países é que podemos baixar os custos de produção. Estamos dispostos a experimentar", afirma Juan Palácios. O presidente da Asoportuguesa, que diz acompanhar de perto as discussões sobre transgênicos no país, apóia a liberação do cultivo de sementes geneticamente modificadas. "As empresas estrangeiras têm tecnologia mais avançada e dominam a produção de milho no mundo. Não podemos parar essa tecnologia", diz.

Para o gerente geral da Confederação Nacional de Associações Produtores Agropecuários (Fedeagro) outro fator atrativo seria a redução nos custos de produção. "Somos favoráveis porque o meio ambiente está muito degradado pelo uso de agrotóxicos. Com os transgênicos podemos reduzir o uso de herbicidas e aumentar a produção", afirma Alvarado.

Diferente do que afirmam os produtores venezuelanos, a história da vizinha Argentina que serviu de laboratório dos Ogms América Latina, revela que produtividade e economia não fazem parte da equação do cultivo com transgênicos. A capacidade de produção do país vem se reduzindo a cada nova safra.

O mesmo acontece com o uso do herbicida. As ervas daninhas se tornaram mais resistentes ao herbicida, o que exige a aplicação em quantidades maiores do que a utilizada quando se iniciou o cultivo com a soja e o milho transgênico. Esses dois fatores têm significado mais gastos e maior contaminação das águas (por meio dos lençóis freáticos) e dos solos, que perdem fertilidade.

Especialistas comparam o glifosato, base do herbicida aplicado na lavoura transgênica, ao chamado Agente Laranja -poderoso herbicida utilizado pelos Estados Unidos durante a guerra do Vietnã- responsável pela morte e deformação de milhares de pessoas. Na Colombia, a versão do Agente Laranja comercializado pela Monsanto é o Roundup Ultra, utilizado nas fumigações de plantações de coca, onde milhares de camponeses estão sendo contaminados.

Contradição

Apesar do governo Chávez se posicionar de maneira contundente contra o monopólio das transnacionais nos diversos setores da economia, em especial na alimentação, as ações adotadas pelo Ministério da Agricultura caminham na contramão da lógica da Revolução Bolivariana. De acordo com a Asoportuguesa, 98% das sementes de milho importadas pelo país são híbridas e 70% delas são provenientes de empresas estrangeiras. Isso significa que a maioria dos produtores já têm o acesso às sementes controlado pelas transnacionais.

Esse é um dos motivos que pode levar o produtor, Orlando Nardini, a cultivar transgênicos. Nardini conta que se convenceu das vantagens que os transgênicos podem trazer quando esteve no Brasil para comprar máquinas agrícolas. "Me levaram para conhecer uma fazenda em Não Me Toque (RS) da Monsanto e gostei", conta.

O produtor que cultiva semente de milho híbrida da Dekalb afirma que está disposto a experimentar a semente trangênica. "Serei o primeiro a plantar quando liberarem. Se pudesse produzir minha própria semente seria diferente, mas se tenho que comprar, não vai fazer diferença no bolso se é transgênica ou não", afirma.

O que não contaram para Nardini é que além de comprar as sementes, os agricultores têm que pagar royalties pelo uso da tecnologia desenvolvida pela transnacional assim como ocorre com os produtores brasileiros que plantaram ilegalmente a soja transgênica no Rio Grande do Sul. A Monsanto, que conquistou na Organização Mundial do Comércio (OMC) a patente mundial de soja trangênica cobrará dos agricultores no Brasil cerca de U$ 0,40 por cada saca.

Para o presidente do Inia, Prudêncio Chácon, que considera o aspecto econômico um dos fatores mais preocupantes à adoção dos transgênicos, admite as falhas do governo e avalia que não é possível exigir dos agricultores que produzam variedades de sementes se o Estado não lhes proporciona alternativas. "Não podemos lutar contra as transnacionais se não garantimos o acesso dos produtores às sementes", afirma.

Soberania Alimentar X Agronegócio

O controle das transnacionais sobre a produção de sementes no mundo caminha na mesma esteira do modelo agroindustrial de produção. Não interessa às empresas produtoras de sementes o cultivo de pequenos hectares. É preciso uma vasta produção monocultora para que a produção seja rentável às indústrias que ganham com a venda casada das sementes e do herbicida resistente as ervas daninhas.

Esse modelo defendido pela agroindústria de transgênicos como uma das alternativas para acabar com a fome no mundo tem sido responsável pela expulsão de milhares de agricultores que são obrigados a abandonar o campo, seja pelo eminennte conflito pela posse da terra (com a expansão dos latifúndios monocultores) ou pela falta de condições de produção. Na Argentina, estima-se que ao menos 300 mil pequenos produtores foram expulsos de suas terras e hoje fazem parte dos bolsões de miséria que se espalham por todo o país.

A ameaça à biodiversidade é outra conseqüência à adoção de sementes geneticamente modificadas. A produção de milho transgênico em campos mexicanos fez com que quase a totalidade das sementes crioulas, originárias do México, fossem eliminadas. O risco de contaminação com o milho é bastante elevado porque se trata de uma semente 100% polínizável, ou seja, o pólen é levado pelo vento à longas distâncias promovendo a contaminação das lavouras convencionais.

A redução da diversidade genética provoca o empobrecimento da dieta alimentar mundial, agravando ainda mais a situação de 800 milhões de pessoas desnutridas em todo o mundo. "A redução da diversidade genética significa limitar as possibilidades de uma dieta rica e variada. Ameaça a produção alimentar, o aumento das rendas, a superação dos obstáculos ambientais e a ordenação dos ecossistemas", afirma a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) em seu último informe sobre a Segurança Alimentar.

Na Venezuela, ainda que o presidente Chávez defenda a conquista da soberania alimentar e o desenvolvimento da pequena agricultura, na prática, as coisas não caminham da mesma maneira. O diretor geral do escritório Nacional de Diversidade Biológica do Ministério do Meio Ambiente, Jesús Ramos Oropeza, acredita que a falta da prática de um modelo agrícola sustentável têm contribuido para a redução da biodiversidade no país. "Ainda que sem o uso de transgênicos temos reduzido a diversidade das sementes por causa das práticas agrícolas economicistas", afirma Oropeza.

Por enquanto, o Ministério da Agricultura e Terras (MAT) não tem demonstrado que pretende mudar a lógica de produção. Enquanto se espera a reocupação dos 8.646.217 hectares de terras de propriedade do Estado para fins de reforma agrária e desenvolvimento de cooperativas agrícolas o modelo "economicista" é o que tende a ser seguido. Na avaliação de Franco Manrique, do Comitê de Terras Urbanas e da coordenação da Rapalve, o "Plano de Cultivo" anunciado pelo MAT continua privilegiando os grandes produtores do país.

De acordo com o Instituto Nacional de Investigação Agrícola (Inia) o projeto para a criação de um Programa Nacional de Produção de Sementes deve reduzir em 25% as importações de sementes. Isso significa que grande parte das variedades utilizadas para a programa agrícola venezuelano não serão produzidas no país.

"Há uma série de contradições nesse processo. A saída é produzir nossas próprias sementes e desenvolver a agricultura voltada para a pequena produção para que possamos garantir nossa soberania alimentar", avalia Manrique, que tem reproduzido sementes de hortaliças em pequenas cooperativas na região Oeste do país a partir das técnicas aprendidas com o camponeses do Movimento dos Trabalhadores Ruarais Sem Terra (MST). "Acredito que podemos fazer a revolução na agricultura também", afirma Manrique.

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