No país em que os meios de comunicação assumiram o papel de partidos políticos, utilizados como principais instrumentos na articulação do golpe de Estado de 11 de abril, a regulamentação da Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão provocou histeria entre os setores da oposição e os donos dos grandes meios de comunicação privados.
A bancada governista, representada por 53% dos parlamentares da Assembléia Nacional, aprovou em 7 de dezembro a nova normativa que para os donos dos meios de comunicação é um atentado à "liberdade de expressão".
Sob esse argumento os partidos políticos de oposição saíram em defesa do único instrumento que têm para tentar voltar à cena pública após as duas últimas derrotas eleitorais (referendo - que ratificou o mandato do presidente Hugo Chávez- e as eleições regionais)
A nova lei regula a transmissão em horário especial (das 5 as 23 horas) de programas com conteúdo de sexo e violência, exige a criação de um novo canal para produtores independentes e TV comunitária e determina a composição de um Conselho de Responsabilidade Social (CRS).
"Nossa lei se coloca em sintonia com a necessidade mundial de regular os conteúdos das TVs e rádios (...) o objetivo é (conquistar) o equilíbrio democrático entre os direitos e deveres dos cidadãos, a fim de procurar a justiça social, contribuir para a formação cidadã, à democracia e à paz", afirmou Andrés Izarra, ministro de Comunicação em entrevista coletiva.
Para os opositores do governo se trata de uma estratégia para cercear a liberdade. Teodoro Petkoff, editor do jornal opositor Tal Cual, diz que a lei é uma "ameaça permanente" porque sua aplicação depende do “controle” dos funcionários do governo. “Passaríamos do controle (da informação) dos proprietários dos meios para o controle do Estado. Neste artigo está todo o veneno da lei que permitirá o governo sancionar os canais de televisão", diz Petkoff, ex-ministro do governo Rafael Caldera, referindo-se ao artigo 29, foco da polêmica.
De acordo com o artigo, os meios de comunicação estão proibidos de transmitir conteúdos de programação que “promovam ou façam apologia à guerra, alteração da ordem pública, que sejam discriminatórios (...) e contrários a segurança da nação”.
As sanções ao descumprimento da lei vão desde o pagamento de multas, suspensão de “até 72 horas continuas” na transmissão, até a cassação da concessão pública em caso de reincidência. Os recursos provenientes das multas serão enviados para um Fundo de Responsabilidade Social que será destinado ao incentivo à produções independentes.
Apesar do descontentamento dos setores opositores ao governo, a necessidade de regulamentar a atuação dos meios de comunicação passou a ser uma das exigências dos venezuelanos, em geral, simpatizantes de Chávez. Após ter se tornado pública a manipulação das imagens dos atos de violência de 11 de abril e a sequência de fatos intencionalmente conduzidos a partir de então a credibilidade da imprensa passou a ser questionada.
Imediatamente após o referendo, a lei de responsabilidade social passou a ser um dos pontos principais de discussões nas Assembléias dos bairros. Regulamentar a atuação dos meios de comunicação era um dos temas discutidos pelos moradores dos bairros populares para “aprofundar a revolução”.
“Em nenhum lugar do mundo uma TV pode estimular o assassinato do presidente, chamar à violência na rua, sem ser penalizada. Isso ocorre aqui. Queremos informação veraz, imparcial", comenta o jornaleiro Pedro Conteras.
Censura à prova
Para Alejo Miró Quesada, presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) a lei é uma ameaça à liberdade de imprensa. "Levará os jornalistas à autocensura”, afirmou o presidente da SIP, em um fórum de “emergência” promovido pelos donos dos meios privados para discutir a nova lei.
A socióloga Mariclein Stelling, coordenadora do Observatório de Meios da Venezuela, discorda. A seu ver a lei "abre canais para que os meios assumam o papel de mediadores da informação e retomem o compromisso com a ética e a veracidade", afirma.
Na primeira prova após a regulamentação da lei, os repórteres de TV não "sabiam" o que fazer diante de um conflito entre camelôs e a Guarda Nacional, dia 8. Cerca de 18 pessoas saíram feridas. Nenhuma imagem foi transmitida. Os canais argumentam que não sabiam se seriam ou não penalizados ao transmitir imagen s do confronto que paralisou o centro de Caracas. "Essa é a demonstração de que os meios não tem maturidade para diferenciar o que são fatos e o que é propaganda política, perderam o paramêtro", avalia Mariclein. Alem disso, a seu ver, a lei não é clara o suficiente no que se refere aos "limite de violência" e abre o precedente para várias interpretações.
De acordo com a coordenadora do Observatório de Meios da Venezuela, dois canais de TV solicitaram à Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) a realização de oficinas para detalhar como atuar a partir de agora.
Outro aspecto que têm sido criticado é o grau de independência do Conselho de Responsabilidade Social - encarregado de avaliar o conteúdo e as sanções. Na avaliação de Mariclein Stelling a formação do CRS é desequilibrada e pode parcializar a avaliação. "Temos que ter mais participação da sociedade no Conselho para garantir o equilíbrio. A lei é fundamental, mas precisamos aprimorar alguns pontos", diz.
Vespeiro Econômico
Outro interesse em jogo afeta diretamente os cofres dos donos da informação no país. A artigo 9 da nova lei proíbe a veiculação de publicidade de cigarros e bebidas alcoólicas em qualquer horário da programação.
Os números da auditora de audiência televisiva AGB, indicam o porquê do tamanho do descontentamento. Apenas no mês de maio de 2002, a cervejaria Polar (maior grupo de produção de bebidas e alimentos no país) gastou 1.150 milhões de dólares em propaganda. As concorrentes Brahma e Regional invertiram um pouco menos: 175 mil e 54 mil dólares respectivamente.
O presidente Luis Herrera Campins (1979-1984), democrata-cristão, foi o último que tentou proibir a transmissão de anúncios de cigarros e bebidas na televisão. Imediatamente os meios de comunicação reagiram e desencadearam uma campanha de desmoralização contra Campins, sua família e funcionários. O decreto estabelecido na lei de telecomunicações nunca foi cumprido.
O dispositivo legal é visto com bons olhos por Anahí Arizmendi, presidenta da Comissão Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CNDNA), mas sem muita confiança de que será respeitada. “Espero que a lei não se torne mais uma letra morta. O desafio é exigir seu cumprimento em um mundo em que os interesses econômicos prevalecem sobre os (direitos) coletivos”, afirma.
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