Entidades organizadoras do Fórum Social Mundial anunciam iniciativas judiciais contra autores de denúncias sobre supostas irregularidades. Críticos do evento preparam "tropa de choque" para fazer contraponto liberal a debates do Fórum. Inscrição via internet pode ser feita até dia 17.
O Comitê Organizador do Fórum Social Mundial divulgou nota oficial lamentando a continuidade da veiculação de notícias e denúncias, por algumas páginas na internet e jornalistas de Porto Alegre, envolvendo a organização da quinta edição do FSM na capital gaúcha.
A nota, com data de 6 de janeiro, afirma que "é lastimável que, às vésperas da realização do Fórum Social Mundial de 2005, em que a cidade de Porto Alegre mais uma vez atrairá a atenção de todo o mundo, algumas pessoas e grupos estejam buscando desconstruir esta tradição e estas relações, através da veiculação, por páginas na internet e jornais menos cuidadosos, de notícias e denúncias descabidas sobre a organização do Fórum".
As pessoas referidas pela nota são jornalistas que vêm divulgando, através de suas páginas na internet e colunas, notícias sobre supostas irregularidades na contratação de prestadores de serviços para a organização da estrutura do 5º FSM. Críticos contundentes das idéias e propostas do Fórum Social e da esquerda em geral, nomes como Políbio Braga, Diego Casagrande, Rogério Mendelski e Vitor Vieira vêm procurando pautar a imprensa com textos que tentam, entre outras coisas, vincular essas supostas irregularidades com episódios que remontam ao governo Olívio Dutra (1999-2002), como a CPI da Segurança Pública. Sem apresentar provas de suas denúncias (que incluem pesadas acusações de desvio de recursos e até ameaças de morte), esses jornalistas, que integram uma espécie de tropa de choque da direita gaúcha, reclamam agora que estão sendo vítimas de ações judiciais por parte das pessoas e entidades mencionadas em seus textos. Segundo os organizadores do FSM, eles terão assim a oportunidade de apresentar as provas de suas acusações.
Até agora restritos aos pequenos espaços que ocupam na mídia gaúcha, essas matérias começam a pautar progressivamente grandes veículos de comunicação, à medida que a data de início do Fórum se aproxima. As entidades acusadas nestes textos, como o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), acreditavam que se tratavam de casos isolados patrocinados por setores conservadores da cidade tradicionalmente avessos ao espírito do Fórum, casos que deveriam ser resolvidos localmente. Mas os últimos acontecimentos parecem apontar em outra direção.
Novo clima político
O episódio expressa o novo clima político criado em Porto Alegre após a derrota do PT nas eleições municipais de 2004. O novo prefeito da cidade, José Fogaça (PPS), vem manifestando apoio à realização do evento, mas sua base de apoio político possui vários adversários do FSM, entre eles o vice-prefeito Eliseu Santos (PTB), que já classificou o Fórum como "encontro de terroristas, seqüestradores e traficantes". A nota do Comitê Organizador do FSM começa lembrando uma outra nota, divulgada em 3 de outubro de 2004, com o objetivo de desmentir versões que colocavam em dúvida a realização da quinta edição do Fórum em Porto Alegre, em 2005, em caso de uma vitória eleitoral de Fogaça. Naquela ocasião, os organizadores do FSM afirmaram:
"A realização de três Fóruns Sociais Mundiais em Porto Alegre tornou-se possível pelo fato de a cidade ter se transformado numa referência concreta de mundo novo. Ao longo de décadas, as lutas sociais moldaram uma sociedade civil crítica, organizada, consciente de seus direitos, disposta a conquistá-los na prática. Além disso, o FSM contou com hospitalidade calorosa da população, o entusiasmo e o apoio material da Prefeitura e do Governo do Estado. Ao escolher Porto Alegre como sede do FSM 2005, há quase dois anos, o Conselho Internacional do FSM confirmou sua relação fraterna com a capital gaúcha, onde o Fórum Social Mundial nasceu".
Tropa de Choque
Esse ambiente referido na nota não existe mais. O governo do Estado e a prefeitura de Porto Alegre estão hoje em poder de grupos políticos críticos das idéias e propostas do Fórum Social, desde sua primeira edição. E essa diferença começa a se expressar no clima político que aguarda os participantes do 5º FSM. Em nenhuma outra das edições do Fórum em Porto Alegre, a polícia do Estado dedicou-se a investigar as decisões dos organizadores sobre a alocação de recursos para a construção da infra-estrutura necessária à realização do evento. Em nenhuma outra edição, entidades e pessoas envolvidas na organização do Fórum foram alvo de ataques e denúncias como está acontecendo agora.
Mas as diferenças não param por aí. Em sua edição do dia 7 de janeiro, o jornal Zero Hora informou que está sendo montada uma tropa de choque em Porto Alegre para "acompanhar os debates do Fórum e fazer o contraponto". A tropa de choque é uma iniciativa do Instituto Liberdade, organização criada por empresários e intelectuais liberais de Porto Alegre, que tentou, sem sucesso, inscrever um painel no FSM. Segundo o presidente do instituto, Ségio Lewin, a tropa de choque ficará de prontidão entre 26 e 31 de janeiro para dar entrevistas e participar de programas de rádio e TV.
As notícias envolvendo supostas irregularidades na organização do 5º FSM e a iniciativa de constituir uma espécie de mini-Davos em Porto Alegre prenunciam um clima quente na capital gaúcha. Até aqui, os alvos dos ataques e denúncias são a Abong, o Ibase e o coordenador do escritório-executivo do Fórum em Porto Alegre, Jéferson Miola. A nota divulgada na semana passada informa que a Abong, em nome das demais entidades organizadoras do Fórum, está tomando iniciativas judiciais e extra-judiciais para proteger os interesses do FSM.
Além disso, afirma que o Comitê Organizador "reafirma sua total confiança no coordenador do seu escritório em Porto Alegre, Jéferson Miola, escolhido para a função por ter desempenhado, nas edições anteriores do FSM, um importante papel organizativo, e que vem sendo atacado em sua honra pessoal". Na verdade, as entidades organizadoras do FSM também vem sendo atacadas em sua honra institucional.
Os organizadores do FSM esperam, conclui a nota, que a população de Porto Alegre e seus profissionais de imprensa continuem "a não dar ouvidos a tais intenções duvidosas, num momento em que se reabre esse espaço de encontro de cidadãos de todo o mundo que buscam caminhos para a construção de um mundo solidário e fraterno". Esse espaço de encontro será realizado em uma Porto Alegre diferente, uma cidade que, daqui em diante, conforme já anunciou o prefeito José Fogaça, será administrada com padrões de gestão empresarial.
São novos tempos que desafiam os organizadores e participantes do Fórum a enfrentar práticas políticas contra as quais Porto Alegre caminhou nos últimos 16 anos. Agora, a população da cidade decidiu, pelo voto, trilhar outro caminho de destino ainda incerto. Mas alguns dos primeiros sinais não são nada animadores, conforme a organização do FSM já está sentindo e os participantes do evento terão a oportunidade de constatar.
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