Modelo de desenvolvimento é grande questão amazônica
Debate sobre integração e desenvolvimento da Amazônia Continental deve contrapor articulações de parcerias entre organizações e movimentos sociais à estratégia governamental de investimento em grandes projetos de infra-estrutura no Fórum Social Pan-Amazônico, que começa dia 18.
A integração e o desenvolvimento da Amazônia Continental (ou Pan-Amazônia), macro-região que se estende por parte de oito países da América do Sul (Brasil, Colômbia, Guiana Francesa, Venezuela, Suriname, Equador, Peru e Bolívia) e que é detentora de uma das maiores riquezas hídricas, biológicas e minerais do planeta, ainda está em um estágio embrionário do ponto de vista diplomático e institucional, se tomado como referência o trabalho dos órgãos multilaterais criados para este fim.
Um primeiro esforço em pautar a questão e criar regras claras para o processo de integração amazônica ocorreu em 1978 com a criação do Tratado de Cooperação da Amazônia (TCA), hoje gerido pela Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA), com sede em Brasília.
Reanimada de um estado de torpor advindo da falta crônica de recursos e investimentos políticos em sua última reunião ministerial, ocorrida em Manaus em setembro passado, a OTCA deve dar prosseguimento a uma agenda oficial que prevê uma série de ações em várias áreas, principalmente defesa (socialização dos serviços do Sivam e do Sipam), comunicação e telefonia, energia e integração viária (construção de pontes e estradas), visando, como afirmou no documento do encontro de chanceleres, a “criação de novas oportunidades econômicas a partir da megadiversidade amazônica, conversível em fortaleza competitiva” (leia “Ministros falam de ambiente mas apostam em negócios”).
A aposta da OTCA em grandes projetos infra-estruturais que viabilizem sua política estratégica vem, em grande parte, ao encontro das demandas do capítulo amazônico da Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (Iirsa, órgão ligado ao Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID), que preconiza a otimização do aproveitamento dos recursos naturais (através de empreendimentos madeireiros, pesqueiros, farmacêuticos e de cosméticos, entre outros) e o investimento no desenvolvimento industrial (nos moldes da Zona Franca de Manaus), da agropecuária e do turismo.
Apesar de ainda pouco ordenado e estruturado dentro dos marcos institucionais de cooperação dos países pan-amazônicos, este modelo desenvolvimentista tem sido criticado por vários setores da sociedade civil tanto em função da duvidosa sustentabilidade socioambiental de seus projetos, quanto do perigo da entrada indiscriminada na região de grandes empreendimentos multinacionais, interessados em seus recursos naturais.
Neste sentido, tomando-se como exemplo o caso brasileiro, os efeitos da expansão da indústria da madeira e da agropecuária sobre a floresta amazônica e as comunidades nativas, por exemplo, têm sido trágicos, não apenas batendo ano a ano os recordes de devastação ambiental, como tornando a região uma das mais violentas em termos de conflitos sociais, segundo dados do próprio governo federal, de ONGs ambientalistas ou de organizações sociais como a Comissão Pastoral da Terra.
Por outro lado, pondera Jean Michel Aupoint, presidente da União dos Trabalhadores da Guiana Francesa e membro do Conselho Internacional do Fórum Social Pan-Amazônico, o investimento internacional na região não apenas tem permitido o controle de setores estratégicos, como energia, telecomunicações ou mineração, por empresas multinacionais, como também tem aumentado os casos de biopirataria e saque dos recursos naturais.
“A falta de recursos próprios para a implementação deste modelo de desenvolvimento obriga os governos pan-amazônicos a buscar parceiros externos, transferindo para eles os negócios mais lucrativos. Acredito que há, por trás disso, a expectativa de maior acesso dos produtos amazônicos - sejam industriais, agropecuários ou outros - aos mercados Europeu ou dos EUA. Concomitantemente, temos visto um aumento dos saques dos nossos recursos naturais através de patenteamentos e biopirataria; é uma jogada perigosa que expõe a riqueza amazônica à pilhagem de grandes corporações e instituições financeiras”, afirma o sindicalista.
Alternativas possíveis
Se, do ponto de vista diplomático e governamental, a integração amazônica ainda está buscando firmar os pés, grande parte da culpa é do desconhecimento da realidade da região por parte dos órgãos estatais, avalia Marilene Correia, secretária de Ciências e Tecnologia do Estado do Amazonas.
“A Amazônia Continental é um universo muito complexo, que não se compõe apenas de Estados. Existem na região inúmeros povos e comunidades cujos territórios, cultura e modo de vida nada têm a ver com os Estados Nacionais. Há também uma confusão conceitual sobre o que é integração e desenvolvimento, e o que acaba acontecendo é um projeto de arranjo das forças produtivas em torno dos recursos, uma ação entre Estados e forças econômicas. O que precisamos discutir é qual o modelo de cidadania que se quer na integração da Amazônia aos projetos de desenvolvimento nacionais”, pondera Marilene.
Por outro lado, apesar do grande trabalho desenvolvido por e nas milhares de comunidades da floresta, as respostas aos problemas amazônicos também não estão unicamente nas mãos da sociedade civil e dos movimentos sociais, afirma a secretária, para quem as lideranças sociais também têm visões recortadas de acordo com suas experiências locais ou posições político-ideológicas. Mas a sua contribuição tem sido fundamental não apenas em projetos alternativos de desenvolvimento e preservação ambiental nas próprias comunidades, servindo, cada vez mais, como base de trabalhos científicos e acadêmicos e pautando políticas públicas.
Segundo o secretário-geral do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA, rede que congrega mais de 500 organizações e movimentos sociais da Amazônia brasileira) e co-organizador do FSPA, Adilson Vieira, o que acontece na prática é que as experiências de integração e cooperação entre entidades dos vários países pan-amazônicos têm sido mais dinâmicas do que os projetos da OTCA.
“Podemos apontar experiências concretas que vêm sendo desenvolvidas nas várias áreas de fronteira, como troca de tecnologia e conhecimentos entre seringueiros, indígenas e extrativistas do Acre e da Bolívia, convênios entre universidades e movimentos sociais da Colômbia e do Brasil, projetos de economia solidária de organizações da zona franca de Manaus com distritos industriais da Venezuela, e outras tantas mais na área de saúde, da pesca etc. Acredito que a integração entre os governos só acontecerá de fato com a participação das populações locais. As estratégias de desenvolvimento para a Amazônia têm de garantir, em primeiro lugar, o sustento e a permanência dignos de quem vive aqui, não podem ser concebidas como ações de saque para benefício de interesses econômicos”, afirma Vieira.
Rejeitando uma possível taxação dos movimentos sociais de radicais, Vieira afirma que não tem nada contra megaprojetos de desenvolvimento, desde que sigam critérios rígidos de sustentabilidade. “Não somos contra o desenvolvimento, desde que seja sustentável. O problema é que não conheço nenhum grande projeto que se enquadre nestes critérios, ao passo que temos inúmeras pequenas experiências social e ambientalmente viáveis. Esta é a questão de fundo que deve pautar o FSPA”.
A quarta edição do Fórum Social Pan-Amazônico acontece de 18 a 22 deste mês em Manaus, e, segundo seus organizadores, deve reunir cerca de 10 mil pessoas de toda a Amazônia Continental, da América Latina e da Europa.
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