No Fórum em que se discutiu a possibilidade de mudar o mundo sem tomar poder, venezuelano desperta entusiasmo e é aplaudido por 15 mil pessoas.
“Foi muito potente e maravilhoso”. A frase, dita por uma jovem participante do Fórum Social Mundial 2005, na saída da conferência que reuniu uma multidão no Gigantinho, foi repetida de diferentes maneiras no início da noite de domingo. O sujeito dos adjetivos foi o presidente venezuelano Hugo Chávez, aplaudido do início ao fim por um público de milhares de pessoas, jovens em sua maioria. Cerca de 15 mil estavam dentro do ginásio. Outras 5 mil, que não conseguiram entrar, ficaram do lado de fora, assistindo à conferência de cerca de uma hora e meia. Resumo da obra: Chávez confirmou sua condição de nova referência da esquerda latino-americana e uma das principais para a nova geração de ativistas de esquerda em todo o mundo que compõem o que vem sendo chamado de geração dos fóruns.
Chávez percorreu boa parte da agenda política que freqüenta o Fórum Social Mundial, desde sua primeira edição, em 2001. Sua proposta de plataforma de lutas pode ser resumida do seguinte modo: luta contra o neoliberalismo em todas as suas frentes; luta contra o imperialismo norte-americano e suas formas de dominação política, cultural e econômica; luta contra a proposta de criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA); fortalecimento da articulação e da integração política e econômica dos países do hemisfério sul; e, por fim, o objetivo estratégico de fundo: superação do capitalismo pelo socialismo, um socialismo com democracia e uma democracia com participação popular. Tudo isso e simplesmente isso. Mas ele fez uma advertência, lembrando uma máxima de Simón Bolívar: é preciso ter paciência, constância e trabalho. “Há fases e ritmos que têm que ser respeitados”, resumiu.
Como mudar o mundo?
Se a aclamação que Chávez recebeu em Porto Alegre reflete, de fato, sua popularidade entre os participantes do FSM, então, um dos principais debates teóricos da quinta edição do Fórum teve um vencedor: não é possível mudar o mundo sem tomar o poder. E também não é possível essa mudança sem transformar o poder, radicalizando a democracia e colocando o Estado a serviço do conjunto da população. Nenhum outro participante do Fórum foi aplaudido como Chávez. O ambiente de receptividade era tal que até o anúncio de um acordo com a China para a construção de um satélite venezuelano foi aplaudido com entusiasmo.
A retórica do líder venezuelano é, de fato, muito potente. Mais potente ainda por se tratar de um discurso com qualidade política. Muitos podem achar que Chávez é mais um típico populista latino-americano. Não é, como afirmou o jornalista francês Ignácio Ramonet, do jornal “Le Monde Diplomatique”. Chávez é um tipo novo, de outra linhagem: é um dirigente revolucionário (ele se qualifica como tal e vem radicalizando seu discurso anti-capitalista), que vem confrontando diretamente a nação mais poderosa do planeta e não pode ser acusado de anti-democrático. É o único presidente que aceitou ser submetido a um referendo revogatório a meio mandato. E foi eleito com mais de 60% dos votos. “Entre democracia e revolução não há contradição”, comentou Chávez.
O ensinamento de Mao-Tse-Tung.
Sua fala também é potente por recuperar e reinterpretar a tradição da esquerda. “Sou um político de um novo tipo, mas inspirado em velhos tipos”, brincou o presidente. Ele listou esses velhos tipos: Cristo (um dos maiores lutadores anti- imperialista de todos os tempos, segundo ele), Simon Bolívar, Che Guevara, Fidel Castro, Mao Tse-Tung, Luis Carlos Prestes, Omar Torrijos, Emiliano Zapata, Augusto César Sandino, Abreu de Lima, Lenin, entre outros. Essa é a linhagem reivindicada por Chávez, o que deve estar sendo fator de pesadelos na Casa Branca.
E a leitura que faz sobre a trajetória destas figuras não é mecânica, sendo reinterpretada com sofisticação para atualizar algumas questões que nunca foram muito bem tratadas pela esquerda. Sua citação de Mão-Tse-Tung foi um exemplo disso: “é imprescindível precisar muito bem quais são nossos amigos e quais são nossos inimigos; muitos processos revolucionários se perderam por não saber isso”, disse ele, num recado direto àqueles que vaiaram intensamente a fala do presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Luis Marinho, e qualquer menção ao nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Chávez saiu em defesa de Lula no final de sua fala. “Alguns de vocês podem não gostar do que vou dizer e podem até surgir alguns ruídos estranhos no ginásio, mas vou ser direto: eu gosto muito do Lula, ele é um grande amigo e um companheiro que carrego no peito”. A América Latina está vivendo uma nova fase, observou ainda, identificando a tarefa estratégica central: “junto com Lula, Kirchner e Tabaré Vazquez vamos realizar o sonho de Bolívar”. Foi aplaudido intensamente, terminando uma fala que aliou ofensividade política, preocupações táticas e mediações estratégicas. Uma fala que não é a de um típico populista latino-americano, como querem alguns. Uma fala de um presidente admirador de Bolívar que deu o seguinte conselho para seus ouvintes: estudem matemática, ela é muito importante para melhorar o pensamento.
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