O problema do Haiti não é militar, e não há por que continuar com a intervenção de tropas estrangeiras, estabelecidas no país desde o início do ano passado. A avaliação é da Missão de Investigação e Solidariedade com o Povo Haitiano, encabeçada pelo pacifista Adolfo Pérez Esquivel e por Nora Cortiñas, da entidade argentina Madre de la Plaza de Mayo.
A Missão, composta por 20 integrantes de movimentos sociais da África, da América do Norte, da América Latina e do Caribe, esteve no Haiti entre os dias 2 e 8, onde se encontrou com representantes do governo, da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) e de organizações sociais haitianas.
Em nota oficial, a delegação internacional considerou que o problema no país caribenho é econômico e social, e precisa ser resolvido por essa perspectiva. "Nesse caso de crise, as tropas intensificam a tensão da situação, já bastante difícil. Além disso, atacam a soberania do Haiti", afirma Sandra Quintela, do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), uma das representantes brasileiras na missão.
Segundo Sandra, a retirada das tropas deve ser gradativa e seguir um calendário elaborado pelos movimentos sociais haitianos. As organizações integrantes da missão vão articular audiências com seus governos para que pressionem para a retirada das tropas do Haiti. A articulação, no caso do Brasil, é ainda mais fundamental, pois é responsabilidade do país o comando das tropas da Minustah. Sandra diz que os representantes brasileiros da missão querem, até o final de abril, articular audiências com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de integrantes dos ministérios da Defesa e das Relações Exteriores.
Eleições Estratégicas
Para Sandra, as eleições, previstas para outubro (municipais) e novembro (legislativas e presidenciais), são de suma importância para a estabilização do país. Por isso mesmo é preciso dissipar o cenário de violência no Haiti, que sofre com o alto grau de militarização. Ao mesmo tempo, deve-se garantir a autonomia e soberania do país.
Os pleitos estão sendo coordenados pela Organização dos Estados Americanos (OEA), o que Sandra considera um risco: "O organismo internacional não tem experiência na preparação de eleições e pode pôr tudo a perder". A missão defende que outras instituições, como a União Interamericana de Organismos Eleitorais (Uniore), o Instituto Interamericano de Direitos Humanos e a Comissão Assessora de Promoção Eleitoral (Capel), ajudem o povo a organizar o pleito.
Com o aval do primeiro-ministro haitiano, Gérard Latortue, a OEA - responsável pelo financiamento quase integral dos escrutínios, estimado em 44 milhões de dólares - criou, em meados de 2004, missões especiais para gerenciar as eleições no Haiti. Técnicos estrangeiros vão escolher os locais de votação e controlar a fiscalização, sem passar por mecanismos de controle da sociedade haitiana.
Desrespeito a direitos
Em nota, a missão elencou outros pontos para a estabilização do Haiti. Em especial, o apoio às organizações haitianas que, segundo Sandra, "lutam, resistem e mostram dignidade, em um momento difícil, que poucos teriam". Também foi destacada a importância de garantir o Estado de Direito no país, que estaria sob ameaça, devido a constantes ataques aos direitos humanos da população. Em maio, a missão pretende divulgar um relatório sobre o desrespeito a direitos dos haitianos, enfocando, entre outros aspectos, violações cometidas por integrantes da Minustah.
A delegação internacional propõe que os fundos destinados a projetos de desenvolvimento no Haiti não precisem ser reembolsados pela população haitiana e que se orientem para a realização da reforma agrária no país. A maior parte da população haitiana é formada por camponeses. Os integrantes da missão defendem políticas que garantam a soberania do país, e não investimentos em zonas francas, como ocorre atualmente, onde se explora trabalhadores sem benefícios para o país. Para garantir que esses aspectos, e outros, sejam levados em consideração pelos organismos internacionais e pelo governo haitiano, a missão se compromete a manter o acompanhamento constante da situação no Haiti e reforçar os contatos com as organizações sociais do país.
Quadro da crise
– População total: 7,66 milhões de pessoas
– População abaixo da linha da pobreza: 82%
– Taxa de analfabetismo: 52,9%
– Expectativa de vida: 51,7 anos
– População com acesso a água potável: 40%
Fonte: Missão Internacional de Investigação e Solidariedade com o Povo Haitiano
Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) - Destacamento civil e militar da Organização das Nações Unidas (ONU) que, desde junho de 2004, ocupa o Haiti. O comando das tropas da missão - que conta com cerca de 4 mil soldados, 1.200 do Brasil - está sob a responsabilidade do general brasileiro Augusto Heleno Pereira Ribeiro.
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