As manifestações que levaram milhares de equatorianos para as ruas nos últimos dias provocaram a destituição do presidente Lucio Gutiérrez, concretizada através de uma moção votada no Parlamento. O vice Alfredo Palácio assumiu prometendo respeitar a Constituição e punir repressores.
O grito das ruas falou mais alto. O Congresso equatoriano aprovou nesta quarta-feira (dia 20), uma moção destituindo Lúcio Gutiérrez da presidência da República. Durante uma sessão especial convocada pela oposição, 60 parlamentares votaram pela cassação de Gutiérrez por abandono de cargo. O vice-presidente Alfredo Palácio foi convocado a assumir o governo.
Palácio fez o juramento presidencial, antes que o presidente deposto se manifestasse sobre a decisão. “Terminou a ditadura”, declarou Palácio ao ser empossado. Nos últimos dias, Gutiérrez começou a perder força também entre as forças armadas, o que acelerou a decisão dos parlamentares para tentar frear a crise que levou milhares de pessoas para as ruas desde que Gutierrez anunciou a dissolução da Suprema Corte equatoriana. O ministro da Defesa, Nestor Herrera, leu um comunicado anunciando a decisão das Forças Armadas de retirar seu apoio ao presidente.
As primeiras informações da imprensa equatoriana disseram que Gutiérrez, ao tomar conhecimento da decisão do Congresso, deixou o palácio presidencial e pediu asilo político ao governo do Panamá. O novo presidente garantiu que “não haverá perdão nem esquecimento” para as pessoas que violaram a Constituição nem para os opressores, numa clara referência a Gutiérrez. Palácio também disse que pretende estabelecer as responsabilidades pelas violações constitucionais e pelos atos de repressão contra a população.
Ao comentar os caminhos possíveis para a superação da crise, defendeu o regresso imediato ao estado de direito e um debate sobre a situação dos principais tribunais do país (Suprema Corte, Tribunal Constitucional e Tribunal Supremo Eleitoral). “Uma vez que tenhamos este marco legal muito claro, então poderemos sentar e discutir os graves problemas de legitimidade da classe política do país”, declarou Palácio.
Repressão e morte de fotógrafo
Pela manhã, Gutierrez, reafirmou que não renunciaria ao cargo, apesar dos novos protestos contra seu governo na noite de terça, que reuniram cerca de cinqüenta mil pessoas, em Quito. A polícia reprimiu o ato com cacetetes e bombas de gás lacrimogêneo e o fotógrafo chileno Julio Augusto Garcia, de 54 anos, morreu de parada cárdio-respiratória provocada pelo gás.
A morte do fotógrafo revoltou a população. Garcia exilou-se no Equador durante a ditadura de Augusto Pinochet e trabalhava junto à população mais pobre com projetos de comunicação e educação popular. Sua morte aumentou a indignação dos manifestantes que passaram a gritar “assassino”, “assassino”.
A violência da repressão provocou a renúncia do comandante geral da polícia de Quito, general Jorge Póveda. O presidente do Congresso, Omar Quintana, ligado ao ex-presidente Abdala Bucaram, também acabou sendo destituído pela oposição.
Após mais uma noite de protestos, a presidência da República divulgou um comunicado oficial ratificando a posição de Gutiérrez diante dos novos pedidos de renúncia: “As Forças Armadas estão unidas e dão respaldo ao presidente, assim como à democracia e à ordem constitucional”, dizia o documento. Não estava claro, porém, se Gutiérrez contava de fato com o apoio do conjunto das forças armadas.
Segundo o prefeito de Quito, Paco Moncayo, um dos principais líderes da oposição, os militares estavam divididos e havia uma parcela muito descontente com os rumos do governo Gutiérrez. Sua previsão estava correta.
O crescimento da mobilização popular e o recrudescimento da repressão contribuíram para a erosão do apoio de Gutiérrez junto aos militares. Temendo o agravamento da situação social no país, as forças armadas deram o sinal verde para a derrubada do presidente.
Desinformação e resistência
Nos últimos dias, a situação no país foi marcada pela confusão e desinformação. Um dos veículos de comunicação que procuraram furar o bloqueio de informação foi a rádio La Luna, uma emissora comunitária que acompanhou os protestos populares desde seu início. Segundo relato da Associação Latinoamericana de Educação Radiofônica (Aler), sediada em Quito, a situação da rádio é muito delicada. O diretor da emissora, Paco Velasco, e sua família já teriam recebido ameaças de morte.
Ainda segundo a Aler, a maioria dos meios de comunicação da capital não informa sobre a situação em outras cidades do país e quem tenta furar o bloqueio, como a rádio La Luna, sofre corte de telefones e ameaças de fechamento. Advogados da Plataforma Interamericana dos Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento denunciaram as ameaças recebidas por Velasco e seus familiares nos últimos dias.
Esse bloqueio informativo prejudicou a compreensão sobre a evolução dos acontecimentos no Equador. No momento, vários grupos políticos travam uma disputa acirrada e violenta em torno do comando do país. Além do declarado apoio das forças armadas (de uma boa parte delas, ao menos), Gutiérrez contava também com aliados junto ao movimento indígena, que está dividido. Na terça-feira, mais de 1.500 indígenas, pertencentes à Federação de Indígenas Evangélicos (Feine), realizaram um ato de apoio ao presidente na capital.
Por outro lado, lideranças de outro movimento indígena, o Pachakutik, anunciaram que pediriam ao Congresso Nacional a destituição de Gutiérrez, por causa do agravamento da situação de instabilidade política no país. Grupos políticos e empresariais defenderam posições semelhantes exigindo que o presidente deixasse o poder, acusando-o de se tornar um ditador ao intervir na Suprema Corte de Justiça equatoriana.
Uma crise anunciada
A crise no Equador agravou-se a partir de 8 de dezembro de 2004, quando a maioria governista no Congresso reestruturou a Suprema Corte, indicando novos juízes. A oposição classificou a medida de ilegal e inconstitucional e acusou Gutiérrez de querer se tornar um ditador. Essa reação aumentou quando os novos juízes anularam os processos contra os ex-presidentes Abdala Bucaram e Gustavo Novoa, acusados de corrupção durante seus mandatos.
A oposição reafirmou que a reestruturação do tribunal constituía interferência de um poder sobre outro, aumentando a pressão. Gutiérrez defendeu-se dizendo que as mudanças haviam sido feitas dentro da lei, mas foi perdendo legitimidade a cada dia que passava. Os setores da esquerda equatoriana que apoiaram a eleição de Gutiérrez acusaram-no de trair as promessas de campanha, ao adotar uma política econômica ortodoxa nos moldes defendidos pelo FMI. Ele foi perdendo apoios à esquerda e à direita.
Gutiérrez surgiu no cenário político equatoriano em 2000, depois de protagonizar, junto com grupos indígenas e militares, uma revolta que acabou provocando a queda do governo de Jamil Mahuad. Dois anos depois, foi eleito presidente da República prometendo promover uma cruzada contra a corrupção e a pobreza. Sua candidatura foi apoiada por movimentos indígenas e por setores da esquerda equatoriana que acreditavam na possibilidade de uma mudança dos rumos políticos do país, tradicionalmente dominados por partidos conservadores.
Mas, ao assumir, Gutiérrez reproduziu práticas destes grupos e manteve a política econômica neoliberal que vinha sendo implementada por governos anteriores. O sonho da mudança virou frustração e boa parte dos movimentos que apoiaram sua eleição passou a pressionar e criticar seu governo. Nas últimas semanas, o isolamento do ex-coronel só cresceu acabando por derrubá-lo da presidência.
Agencia Carta Maior
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