Um grito ecoa por Quito, capital equatoriana: "Que se vayan todos !" - algo como "que saiam todos!" Depois de quatro meses de uma crise política que parecia apontar para nenhuma direção, os equatorianos se cansaram da eterna disputa entre governo e partidos de oposição e decidiram organizar seu protesto de maneira autônoma.
O dia 13 foi um divisor de águas na crise local. Nessa data, um grupo de cidadãos resolveu organizar um protesto em vários pontos da capital equatoriana para pedir não apenas a saída dos juízes da Corte de Justiça, mas também do presidente Lucio Gutiérrez e dos parlamentares do Congresso Nacional.
A reivindicação da cidadania independente surpreendeu a todos pelo seu ineditismo. Como explica o professor Alejandro Moreano, da Universidade Andina Simón Bolívar, até então, o conflito era institucional, entre o governo e os partidos de oposição, como a Izquierda Democrática (ID) e o Partido Social Cristiano (PSC), em torno da destituição da Corte Suprema de Justiça. Naquela noite, segundo Moreano, "começou um processo muito rico, que está se estendendo por todas as partes, com muitas semelhanças com aquele que se deu na Argentina na época da deposição do (ex-presidente Fernando) de La Rua".
Segundo Moreano, a grande reivindicação é pela construção de "uma democracia a partir das bases", por meio da criação de um contrapoder popular "que vá amadurecendo e se estendendo por toda a sociedade". Um dos passos para essa construção foi dado dia 18, quando o povo começou a organizar assembléias sem lideranças em seus próprios bairros.
Voz do povo
Esse novo tipo de organização popular tem como coração a rádio La Luna, um veículo não comercial ligado a uma ONG chamada Centro de Educación Popular (Cedep). A partir do espaço de discussão criado pelo diretor e apresentador Paco Velasco, as pessoas começaram a ligar para a rádio para expressar seu descontentamento com o governo e organizar protestos em seus próprios bairros, a partir da noite do dia 13. O resultado foi uma série de protestos em diversos pontos da cidade, sendo que os maiores foram realizados na Avenida de Los Shyris, no Norte, e na Avenida Villaflora, no Sul.
Segundo o economista Alberto Acosta, integrante do conselho do Cedep, "a rádio lançou a semente que germinou em terreno fértil. A cidadania está descontente há muito tempo, mas não encontrava os canais adequados para expressar esse mal-estar porque os partidos tradicionais e seus políticos acabaram traindo a confiança popular. Nestas circunstâncias, as pessoas não querem responder aos chamados dos partidos, mas sim aos chamados da cidadania".
Emilio Larreategui, um arquiteto que decidiu participar das manifestações, endossa o raciocínio de Acosta: "O papel da rádio La Luna foi fundamental porque soube captar em um determinado momento o sentimento da população. Antes da intervenção da rádio já havia movimentos sociais e políticos, mas que não deram resultado".
Desde então, a rádio tem sido alvo constante de intimidação governamental, embora os protestos sigam a cada dia com mais força. No dia 15, um grupo de civis a serviço do governo tentou colocar fogo na rádio, mas foram impedidos pelos cidadãos - que fizeram uma barreira humana para protegê-la. O sinal da La Luna tem saído do ar durante algumas horas. Paco Velasco atribui essas interrupções a uma estratégia de sabotagem por parte do governo, mas não apresentou provas.
Ainda dia 15, uma sexta-feira, o presidente Lucio Gutiérrez decretou estado de emergência no distrito metropolitano de Quito sob a alegação de que a cidade passava por uma grave comoção social e dissolveu a Corte Suprema de Justiça. O objetivo real do decreto, como admitiu depois o próprio Gutiérrez, era a dissolução da Corte, tanto que o estado de emergência foi revogado um dia depois.
Os protestos estão ocorrendo diariamente, reunindo em média 10 mil pessoas em toda a cidade. No sábado, um grupo de aproximadamente 5 mil pessoas tentou entrar no palácio presidencial e foi violentamente reprimido por um pesado esquema de grades e policiais.
Segundo revelou o jornal El Comercio, de Quito, o presidente está preocupado com os protestos na cidade, mas faz questão de enfatizar que não cogita a renúncia.
Brasil de Fato
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