A queda do presidente Lucio Gutiérrez trouxe pelo menos duas mudanças significativas para o Equador - além da troca de governo. Uma é o processo que aponta para um realinhamento no plano internacional e outra é a necessidade de uma transformação do sistema político. Essa, em linhas gerais, é a avaliação que fazem o sociólogo Alejandro Moreano, da Universidade Andina Simón Bolívar, e Milton Benitez, diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Pontifícia Universidade Católica do Equador.
Benitez analisa que o sistema político equatoriano entrou em colapso. Para ele, a representação por meio de partidos na América Latina sempre funcionou contra a democracia. "O que essa ’partidocracia’ faz é confiscar do povo a possibilidade da sua participação soberana e converter as instituições do Estado em instâncias dos grupos oligárquicos". Segundo o professor, foi justamente contra esse "confisco" da democracia que se ergueu o movimento encabeçado pelos foragidos de Quito.
Para Moreano, a reivindicação dos manifestantes que pediam a saída de todos os políticos poderia significar "a abertura de uma nova situação onde o poder constituinte retornaria ao povo". O professor analisa, no entanto, que a rebelião que derrubou Gutiérrez não atingiu um nível de maturidade que permitisse levar o processo até o final.
Moreano diz que, de agora em diante, é o governo de Alfredo Palacio que vai canalizar esse processo, desde que pressionado pela mobilização social. "Entramos em uma fase parecida com aquela pela qual passou a Bolívia, onde temos um governo que expressa a correlação de forças e tende a ir para a direita quando se enfraquecem as pressões sociais, mas quando essas mesmas forças se rearticulam, voltam a colocá-lo em outra direção".
Consulta popular
A pressão por mudanças já está surtindo efeito. Palacio anunciou que vai realizar uma consulta popular, uma reforma política e convocar uma assembléia constituinte. Um outro sinal de que o jogo de pressões já se faz sentir é que, segundo Moreano, "o regime nomeou dois cidadãos que tiveram posições bastante radicais para ministérios importantes". O novo ministro de Governo é Maurício Gándara, figura conhecida pela defesa da soberania do país diante de questões como a base de Manta (reivindicada pelos Estados Unidos) e o Plano Colômbia. Já à frente do Ministério de Economia está Rafael Correa, economista progressista conhecido pela sua postura de questionamento da ordem neoliberal no Equador.
Para Milton Benitez, as primeiras medidas de Palacio apontam para uma aproximação com o eixo de países representado por Argentina, Brasil, Venezuela e Uruguai, "essa nova corrente de Estados que, no contexto da crise neoliberal, adotaram o caminho de um desenvolvimento com uma certa soberania e autonomia". Moreano também vê mudanças na política externa: "A troca de governo (no Equador) pode mudar a situação na Comunidade Andina de Nações (CAN) e criar uma relação entre Venezuela, Equador e uma Bolívia onde os movimentos sociais estão pressionando. Com um governo de (Alejandro) Toledo debilitado no Peru, quem ficaria isolado seria o colombiano (Álvaro) Uribe, que representa os interesses dos EUA. Os recentes levantes na Bolívia e no Equador podem alterar a correlação de forças".
Segundo Benitez, são basicamente quatro as medidas anunciadas que apontam para uma reorientação: a intenção de manter a base de Manta dentro dos objetivos de policiamento para os quais ela foi criada, impedindo que se transforme em uma base político-militar como queriam os EUA; a intenção de não conceder imunidade aos soldados estadunidenses que atuam no Equador; a defesa de uma posição mais soberana nas negociações do Tratado de Livre Comércio (TLC) Andino, e a aplicação dos recursos vindos do excedente das vendas de petróleo no pagamento da ’dívida social’, e para o pagamento da dívida externa.
Maneira pela qual o ex-presidente Lucio Gutiérrez batizava os participantes dos protestos contra seu governo. Quer dizer, em português, algo como "marginais". Depois, os próprios participantes adotaram o apelido.
Brasil de Fato
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