"Escrevam. Na Venezuela, ou acaba o latifúndio ou morro no caminho", afirmou o presidente venezuelano, Hugo Chávez, dia 25 de setembro, diante de centenas de camponeses sem-terra em uma fazenda de 8.490 hectares resgatada pelo governo.
A forte declaração do presidente foi mais um sinal de que pretende avançar o processo revolucionário no país em resposta à oposição que tenta criar uma nova onda de "desestabilização" em defesa da propriedade privada. O objetivo é evitar a desapropriação da fazenda La Marquesena.
"Não existe propriedade ilimitada, nem sagrada. Aqui, existe uma Constituição e um governo legítimo. Estamos dispostos a fazer com que se cumpra a lei", reiterou o presidente, em referência ao artigo 115 da Carta Magna que garante o direito da propriedade privada desde que a mesma cumpra com sua função social.
Cerca de 80% das terras da Marquesena foram consideradas improdutivas. Os supostos proprietários não apresentaram os documentos exigidos pela legislação para estabelecer se uma propriedade é ou não privada. As terras, então, foram consideradas públicas, o que permite ao Instituto Nacional de Terras resgatálas para fins de reforma agrária.
Além da Marquesenha, outras quatro fazendas foram recuperadas na última semana. Desde a promulgação da Lei de Terras, em 2001, cerca de 2.700 milhões de hectares de terras foram resgatados pelo Estado, dos quais 700 mil correspondem à nova guerra contra o latifúndio, iniciada em janeiro deste ano. Os números são tímidos comparados à dimensão dos planos do governo venezuelano.
Para o presidente Hugo Chávez, é preciso reestruturar as bases produtivas do país, a partir da democratização do acesso à terra, para impedir que a revolução bolivariana fracasse. "Enquanto tivermos latifúndio será impossível avançar. A terra é a base para implementar o projeto de desenvolvimento", afirma o presidente venezuelano.
O governo define como prioridade, neste momento, a conquista da soberania alimentar do país, também exigida pela Constituição. Para abastecer a população, a Venezuela importa 6 milhões de toneladas de carne e leite, mensalmente.
Apoio do MST
Não foi à toa que Chávez convocou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para ajudar à organizar e construir um novo modelo de produção agrícola para os novos núcleos de desenvolvimento endógeno que serão criados na terra natal do presidente, Sabaneta (Barinas).
O presidente entendeu que, sem o trabalho efetivo dos camponeses, não haverá reforma agrária. "A reforma agrária para o MST está como a medicina para Cuba. São exemplares e Chávez entendeu perfeitamente", comentou o jornalista argentino Carlos Aznárez.
A tarefa do MST será a de implementar, junto com o movimento camponês venezuelano, o modelo praticado nos assentamentos. Ou seja, o trabalho em cooperativas, agricultura ecológica, educação nos assentamentos, reprodução de sementes crioulas e o principal: a organização.
Além disso, foi firmado um acordo de cooperação entre o governo e o movimento. Serão enviados sementes e apoio técnico para que os venezuelanos possam constituir seu próprio banco genético. Mais de 90% das sementes cultivadas no país são importadas. Um dos projetos contemplados com o acordo foi batizado de Pólo de Desenvolvimento Endógeno "General Abreu de Lima".
"João Pedro, necessitamos da ajuda de vocês, do MST, e dos cubanos para implementar esse novo eixo de desenvolvimento" assinalou o presidente Chávez, ao coordenador nacional do MST João Pedro Stedile, durante o Alô Presidente. "Isso é a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas)", ratificou. Para Stedile, o governo venezuelano impulsiona o modelo de reforma agrária reivindicado pelos movimentos camponeses, que vai além do acesso à terra.
Segundo o coordenador do MST, a reforma agrária deve incluir a construção de agroindústrias, a garantia de produção e venda dos alimentos, educação e infra-estrutura capaz de proporcionar uma vida digna no campo. "Mas não adianta esperar que o governo faça tudo sozinho. Os camponeses venezuelanos têm que avançar e ocupar os latifúndios. Um povo que não produz seu próprio alimento é um povo escravo", afirmou Stedile, parafraseando José Martí
Reação atrapalhada
Enquanto isso, em Caracas, na Praça Altamira, cerca de 300 pessoas se manifestavam em defesa da propriedade privada. Durante a semana, uma pesquisa encomendada pelo jornal El Universal sobre o que a população pensa sobre socialismo e propriedade privada diz que 48% dos apoiadores do governo desaprovariam o governo se a proposta de um carro e uma casa por núcleo familiar estivesse nos planos do socialismo do governo. Ocorre que proposta desse tipo nunca havia sido cogitada.
A revolução bolivariana tenta, sim, diminuir o abismo social que marca a sociedade venezuelana. O escândalo organizado pela oposição com o apoio dos meios de comunicação foi tão grande que, mais uma vez, teve o efeito contrário e estimulou a mobilização, no campo. Ezequiel Ramos, trabalhador rural, enfrentou seis horas de estrada para apoiar a ação do governo na fazenda Marquesenha. "Trata-se de consciência de classe. Somos camponeses e por isso temos que apoiar e garantir a entrega dessas terras aos nossos irmãos que durante anos foram massacrados pelo latifúndio".
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