Em São Paulo para uma série de articulações políticas para constituir um capítulo brasileiro do Congresso Bolivariano dos Povos, o secretário de organização da articulação, Fernando Bossi, falou à Carta Maior sobre as perspectivas e metas do CBP e da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba).
Enquanto grande parte dos governos dos continentes americanos ainda tenta, com mais ou menos afinco, manter na pauta do debate sobre a integração regional o agonizante acordo da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a Venezuela gestou e procura expandir a idéia da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alca), um projeto de integração que já teve início através de acordos entre o país e Cuba.
De acordo com o governo venezuelano, baseada no ideário integracionista de Simón Bolívar, a Alba, fundamentada nos conceitos de cooperação, complementação e solidariedade, deve representar um contraponto ao caráter puramente comercial da Alca.
Hoje, um dos principais mecanismos de discussão e disseminação da idéia da Alba é o Congresso Bolivariano dos Povos (CBP), um coletivo constituído por uma grande variedade de movimentos sociais e partidos políticos de esquerda da América Latina.
No Brasil para uma série de articulações com partidos políticos, o secretário de organização do CBP, Fernando Bossi, falou à Carta Maior sobre as perspectivas e metas do Congresso e da ALBA. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
- Como surgiu, quem compõe e qual o objetivo principal do CBP?
- O Congresso Bolivariano dos Povos nasce em 2003 a partir da idéia de que é necessário, para a América Latina e o Caribe, impulsionar uma integração da região não somente a partir dos governos, mas com uma participação ativa e protagônica do povo. O CBP é uma organização de organizações. Confluem nele organizações partidárias e sociais de todos os países da América Latina e do Caribe.
- Poderia citar algumas?
- Entre os partidos, na Venezuela temos o Movimento Bolivariano. No Equador, o Patchakutik; na Bolívia, o Movimiento Al Socialismo (MAS), de Evo Morales; no Chile, o Podemo, uma frente que integra o Partido Humanista, o PC, o MIR e a Frente Manuel Rodrigues. No Peru, está a Frente Ampla de Esquerda, com dez partidos de esquerda. No Uruguai, esta a Frente Ampla, especialmente o Movimento de Liberação Nacional Tupamaro. Na Argentina, temos Pátria Livre, Frente Transversal Nacional e Popular, e outras forças que apóiam o presidente Kirchner. Na Nicarágua, contamos com a participação da Frente Sandinista de Libertação Nacional, partido político, e a associação de trabalhadores do campo e a central de trabalhadores. Em El salvador, participa a Frente Farabundo Marti, como partido, e o Bloco Popular, que articula a maioria dos movimentos do país.
- E no Brasil?
- Um dos objetivos desta viagem é conversar com as diferentes forças de esquerda do Brasil. Ainda não se constituiu no país um capítulo do CBP, mas temos uma ótima relação com todos os partidos da esquerda no Brasil. Participaram dos dois congressos do CBP nos últimos anos o PC do B, PDT, PT, MR8, a CUT, o MST, e outros. O que estamos conversando agora é a forma de constituir um capítulo no Brasil.
- E como se dá este intercâmbio entre movimentos sociais e partidos políticos?
- Acreditamos que, para avançar na integração da América Latina, é necessária a participação dos povos Estes se organizam em partidos políticos e nos movimentos sociais. Na história da América Latina, houve momentos em que, para que tivessem opção de poder, os movimentos tiveram que se transformar em partidos. Lembre-se que Evo Morales, por exemplo, começou com o movimento cocalero e sindical, indígena e campesino. Bom, quando teve que optar por lutar ou não lutar pelo poder político, teve que transformar o movimento em partido, o Movimento Al Socialismo (MAS). E hoje tem possibilidades de ganhar [as eleições presidenciais bolivianas, que ocorrem no fim deste ano].
- Qual a principal bandeira do CBP hoje?
- Trabalhamos fundamentalmente a Alba, principal linha programática do CBP. Precisamente, a Alba é uma alternativa que prioriza a integração sob três aspectos: a cooperação, a complementação e a solidariedade, que rompe com o outro modelo de integração, defendido pelos EUA, que é a Alca. Estamos propondo uma outra forma de relacionamento da América Latina, como uma confederação de repúblicas latino-americanas e caribenhas. As bases desse entendimento têm que partir das premissas da colaboração entre nossos países, que têm realidades similares; a complementação, porque o que falta a um, sobra a outro. E a solidariedade, porque se não partimos da base de que o ser humano é o centro das relações, estamos reciclando a proposta neoliberal que tanto mal causou à América Latina. Então acreditamos que a Alba é isso: uma forma alternativa de unirmos nossas características, que anuncia uma sociedade diferente.
- Há a perspectiva que a Alba se transforme em algo parecido com a União Européia?
- Não há um modelo ainda. Seria muito temerário dizer: tem que ser dessa forma. Sabemos que nossa história é uma história que se modifica às vezes em horas, é uma história de convulsões, de processos revolucionários e contra-revolucionários. Então é muito difícil dizer de antemão como seria esta integração. O que sabemos é que terá que ser com os povos, e aí está a função do CBP. Não pode ser uma unidade de acordos de cúpulas e governos. A participação e o protagonismo dos povos será fundamental se quisermos uma integração deste tipo.
- E como os EUA se posicionam frente a esta idéia?
- Ante a resistência dos movimentos sócias contra a Alca, os EUA estão integrando os países latino-americanos um a um através de um modelo perverso, que são os Tratados de Livre Comércio bilaterais (TLCs). A resistência dos povos impediu a Alca, agora querem envolver um a um os países da América Latina.
- E qual a estratégia do CBP para difundir as propostas da Alba?
- O CBP, na primeira etapa, está trabalhando para que as organizações sociais e políticas incorporem à sua prática a dimensão latino-americana. Um trabalho de conscientização da necessidade de integração.
- Parece que a ALBA já teve um começo concreto com os acordos entre Venezuela e Cuba, onde se propõe uma cooperação na área energética por um lado, e de saúde e educação, por outro.
- Venezuela e Cuba são uma realidade, são acordos entre os governos, que têm aceitação dos povos. Mas a Alba tem um projeto de expansão muito mais vasto. Estamos priorizando primeiro os acordos políticos e sociais. Os acordos energéticos entre Venezuela e Brasil e Venezuela e Argentina, por exemplo, são parte de um processo que vai avançando rumo a seu objetivo. Oxalá se constitua a Petrosul, que incorpore as empresas petroleiras - além das do Brasil e da Venezuela - da Argentina, do Uruguai, do Paraguai, do Equador. Esse seria um avanço maior. Uma integração entre Petrosul e Petrocaribe, por outro lado, seria um avanço ainda mais importante.
- O petróleo tem, então, uma importância estratégica na criação da Alba?
- O tema da energia é substancial para o desenvolvimento do nosso povo. O petróleo tem um papel importante na geopolítica mundial, tem um valor estratégico. Mas não é só petróleo. Temos que avançar para um acordo, que já está em andamento, sobre a criação de um fundo humanitário latino-americano e caribenho contra a pobreza. A pobreza é o maior drama que temos na região. Essa farsa da reunião da ONU, das metas do milênio, que não avançam, só retrocedem... nós temos que armar uma grande frente entre movimentos sociais e políticos para combater a miséria na América Latina. Depois temos que alcançar acordos para garantir na nossa região a soberania alimentar do nosso povo, isso é fundamental.
- Qual está sendo, na sua opinião, o principal desafio do CBP nessa empreitada integracionista?
- Todo isso necessita coordenação, temos que ter claro que se não temos coordenação o inimigo se aproveita. Quando falei dos TLCs, foi mais fácil para os EUA implementarem seus objetivos porque nos pegaram divididos. Como a Alca nos envolvia a todos, nos mobilizamos juntos. Quando falaram: vamos um a um, começaram a penetrar, a romper o bloqueio da resistência. Aí foram os peruanos, os colombianos sozinhos. É nisso que reside a debilidade, e os gringos perceberam isso. Então, como podemos nos contrapor a eles? Com a coordenação da cooperação, complementação e solidariedade. Se estiverem ameaçando os peruanos com o TLC, temos que ajudá-los. Porque se penetram em um país, podem penetrar nos demais, e quando nos damos conta, estaremos em uma posição muito desfavorável.
- O que difere o CBP de outras organizações, como o Foro de São Paulo, que congrega os partidos socialistas da América Latina, ou o próprio Fórum Social Mundial (FSM)?
- O FSM é muito importante, mas nele não cabem partidos; e no Foro de São Paulo não estão os movimentos. Todas essas iniciativas têm de ir confluindo em propostas e ações concretas. Nisso queremos ajudar. Não queremos ser a organização latino-americana. Somos uma mais, mas onde podem estar juntos movimentos sociais e partidos.
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