"Quando chegaram os militares, pensei que ia ser como a Marquesenha. Mas depois o general me explicou que isso era uma investigação", disse o camponês Oscar Rangel sobre a operação da Guarda Nacional (o Exército venezuelano) na fazenda em que trabalha. Em meio à guerra declarada pelo presidente Hugo Chávez ao latifúndio, os militares ocuparam 21 fazendas em três Estados.
Diferentemente do que ocorreu com a fazenda Marquesenha, desapropriada em setembro, desta vez, a ação não foi motivada pela improdutividade da terra. Mas sim era decorrência de um processo de investigação do Comando Regional Nº 1 (Core 1) da Guarda Nacional que desmontou uma rede colombiana que utilizava fazendas no interior da Venezuela como fachada para lavagem de dinheiro do narcotráfico.
Localizadas entre o triângulo fronteiriço que abarca os Estados de Apure, Barinas e Táchira, as fazendas somam aproximadamente 30 mil hectares, mantêm como atividade a produção de gado de corte e estão há uma hora da Colômbia. "Me surpreendi quando me contaram que era coisa do narcotráfico. O que fazemos aqui é um trabalho normal do campo. Cuidar do gado, fumigar o pasto e arrumar as cercas", afirma Rangel, encarregado da fazenda há quinze anos.
A investigação teve início quando um carregamento de drogas proveniente da Colômbia foi apreendido no Estado Táchira. A partir daí, foram feitas intervenções das fazendas supostamente de propriedade de Felipe Andres Ocampo, filho do ex-senador colombiano, Guilhermo Ocampo Ospina.
O crime sob investigação é o de legitimação de capitais que nada mais é do que um mecanismo para justificar a procedência de um dinheiro obtido de maneira ilícita, neste caso por meio de tráfico de drogas. A compra de propriedades, no caso fazendas produtoras de gado, geralmente em nome de terceiros, é a maneira pela qual se passa a justificar a aparição de grandes quantidades de dinheiro em uma conta bancária.
Extenso Conflito
A gigantesca fronteira colombo- venezuelana com 2,2 mil quilômetros de extensão é uma das barreiras para controlar o fluxo de entrada e saída ao território venezuelano. Combater a infiltração de grupos paramilitares de direita, de guerrilheiros de esquerda e controlar o narcotráfico é a difícil tarefa das Forças Armadas. Nos últimos meses, cerca de 62 toneladas de drogas provenientes da Colômbia foram apreendidas pelo Estado venezuelano.
"Estamos no meio de um fogo cruzado entre o produtor e o consumidor da droga", avalia o general Jaime Escalante, responsável pela operação. Na fazenda Palmichal, de 600 hectares, onde trabalha o camponês Oscar Rangel e mais duas famílias colombianas, foram encontradas 5,1 toneladas de uréia. Essa substância é utilizada na agricultura como adubo, mas na fazenda foram encontrados nela traços de cocaína. De acordo com as investigações do Laboratório Científico do Core 1, isso leva a crer que o galpão onde estava armazenado o produto serviu de depósito de droga em algum momento. Outra hipótese levantada é a de que a uréia tenha sido contaminada no seu local de origem. Um dos subprodutos da uréia, o amoníaco, é utilizado pelo narcotráfico na produção da cocaína. Outro indício de ilegalidade é que a uréia não havia sido certificada pela indústria química venezuelana, Pequiven, encarregada por autorizar a manipulação e posse do produto no país.
Exploração
Mais do que trazer à luz uma das inúmeras estratégias de manutenção do tráfico internacional de drogas, a situação de exploração em que vivem os camponeses empregados nas fazendas revelam uma outra problemática venezuelana: a situação dos imigrantes colombianos.
"Vim para cá buscando melhores condições de vida. No meu país, a situação no campo é pior", comenta Jameline Rangel, esposa de Oscar. Mãe de dois fi lhos, Jameline conta que desde que casou, há cinco anos, vive na fazenda Palmichal. "Me deu muita tristeza quando disseram que dependendo da decisão do juíz teríamos que sair , não temos para onde ir", lamenta.
O retrato da família Rangel é o da maioria. Quase a totalidade dos empregados das fazendas em que o governo autorizou a intervenção são colombianos. "O que me interessa é poder garantir a comida para meus fi lhos. Vida de bóia-fria não é fácil. O que a gente ganha quase não dá para nada", afirma Candelário Aguiar, 61anos, pai de três filhos. Assim como os demais trabalhadores, Aguiar ganham por mês R$ 416, menos de um saláriomínimo venezuelano. "Se pudesse ter um pedaço de terra para plantar uma mandioca, um tomate, seria diferente, mas como? Se o que a gente ganha mal dá para comprar comida", lamenta.
O destino das fazendas após as investigações, será determinado pelo Poder Executivo. O presidente Hugo Chávez anunciou que as fazendas serão destinadas para a produção de Núcleos de Desenvolvimento Endógeno, baseado no trabalho de cooperativas, e serão incluídas nos planos do governo para alcançar a soberania alimentar.
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