Para quem acreditava que os Estados Unidos tinham desistido da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a declaração do secretário de Comércio estadunidense, Carlos Gutiérrez, dia 28 de outubro, no jornal argentino La Nación, serviu para demonstrar de uma vez por todas o principal objetivo da 4ª Cúpula das Américas, encontro criado em 1994 pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
Este ano sob o lema "Criar trabalho para enfrentar a pobreza e fortalecer a governabilidade democrática", o evento foi criado em 1994 justamente para fomentar a Alca.
"A Cúpula das Américas será uma grande oportunidade para impulsionar a Alca. Se nos unimos, o comércio ajuda o crescimento, a redução da pobreza, o desenvolvimento social. E nossa tarefa é promover o livre-comércio até que todos se convençam de seus benefícios", disse Gutiérrez. E acrescentou: "O objetivo é entrar em acordo com toda a região junta, unida. Mas se isso não for possível, avançaremos com os acordos bilaterais".
De acordo com Fátima Mello, da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), o cenário é muito preocupante, "porque existem países querendo de fato reintroduzir a Alca na declaração final. No rascunho, há fortemente a proposta dessa inclusão". De fato, na 7ª versão do rascunho do Projeto de Declaração e Plano de Ação de Mar del Plata, obtido pelo Brasil de Fato, há um parágrafo dedicado ao tema. Embora enfatizem a necessidade de um "acordo equilibrado", países como Chile, Canadá, Brasil, Argentina, Peru, além de blocos econômicos como Comunidade e Mercado Comum do Caribe (Caricom, na sigla em inglês) e Mercado Comum do Sul (Mercosul) propõem colchetes (termo diplomático que significa os pontos ainda em discussão) que mostram o desejo do retorno das discussões. Um exemplo: "Instruímos nossos ministérios responsáveis pelo comércio a se reunir o mais tardar em abril de 2006 para retomar as negociações da Alca". O conteúdo da Declaração de Mar del Plata, que vem sendo discutido há meses, seria debatido até o dia 3 por representantes dos 34 países participantes.
Outros tempos
No entanto, apesar da boa vontade de alguns países com a Alca e do perigo dela ainda ser implementada, essa hipótese é pouco viável, na opinião de Gonzalo Berrón, coordenador da Aliança Social Continental. "Temos que ficar de olho no que vai acontecer em Hong Kong, nas negociações da conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio. Dependendo do resultado, os países vão tentar investir ou em acordos do tipo da Alca, ou em acordos bilaterais". Júlio Gambina, da Associação pela Taxação das Transações Financeira e Ação Cidadã da Argentina (Attac-Argentina), concorda: "Acredito que a Alca não tem nenhuma possibilidade de ser implementada com as condições atuais e por esse motivo os EUA se apóiam nos tratados de livre-comércio bilaterais".
Na Cúpula anterior, que aconteceu em abril de 2001 em Quebec (Canadá), a tarefa dos EUA era bem mais fácil. O modelo econômico neoliberal era praticamente um consenso entre os países americanos, e o processo da Alca dava seus primeiros passos. "Desta vez, se anuncia a polarização entre Bush o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e as iniciativas de integração regional que apresenta - da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) à Petrosul, passando pela TV Sul, entre outras. O que já dá idéia de como evoluiu a situação do continente. Hoje a polarização se dá entre projetos diferentes e contrapostos de integração regional", analisa o sociólogo Emir Sader, para quem a América Latina está mudando rapidamente "e não na direção que o governo dos EUA desejaria".
Durante a 4ª Cúpula das Américas, a Alba deverá ser novamente defendida por Chávez, apontado por Bush e seu governo como fator de desestabilização no continente. Essa tática - que, segundo Sader, tem sido rechaçada até por governos considerados moderados -, somada "às reações continentais às políticas neoliberais e de guerra de Washington, tem levado a um isolamento cada vez maior dos EUA".
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