Chega a ser motivo de riso o fato de a pauta de negociações comerciais vigente desde 2001 no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) ser chamada de “Rodada Doha de Desenvolvimento”.
Desde então, os inúmeros movimentos sociais e entidades da sociedade civil que no mundo todo lutam contra o livre-comércio fazem, em alto e bom som, uma pergunta inevitável: desenvolvimento para quem?
Na teoria, deveria ser para os países mais pobres; mas, na prática, os mais ricos são os favorecidos. As nações desenvolvidas pedem uma redução radical nas tarifas para importação de bens industriais dos subdesenvolvidos, mas não abrem mão de seus subsídios e tarifas agrícolas. A União Européia (UE) e os Estados Unidos (EUA) propõem – apoiados pelo Ministério da Fazenda de Antônio Palocci – que o Brasil corte cerca de 65 % das tarifas médias registradas na OMC (de 30% para 10%). Já o Ministério das Relações Exteriores (MRE) oferece 50% (de 30% para 15%).
Desemprego
Um estudo realizado pelo Instituto Observatório Social (organização que pesquisa o comportamento de empresas em relação aos direitos dos trabalhadores) e encomendado pela Aliança Social Continental (ASC) mostra, como esta proposta afetaria os interesses nacionais. Segundo o texto, os termos colocados atualmente na OMC – cuja 6ª Conferência Ministerial ocorre entre os dias 13 e 18 em Hong Kong, na China – poderiam afetar dois milhões de empregos na indústria brasileira, já que a maior competitividade estrangeira causaria a eliminação de postos de trabalho e a precarização de outros devido à contratação de trabalhadores em caráter informal. Significariam também a “consolidação de uma estrutura produtiva de baixo valor agregado”.
Além disso, a abertura indiscriminada reduziria a possibilidade de o país realizar políticas industriais e comerciais, ao reduzir a distância entre a tarifa de fato aplicada e a consolidada (a que é registrada na OMC). Traduzindo: um corte nas tarifas consolidadas deixaria uma margem de manobra menor para o Brasil proteger certos setores das indústria. Por exemplo: em agosto de 2005, para evitar a invasão de calçados chineses, o governo elevou a tarifa de importação deste bem de 14% para 35%, dentro da variação registrada na OMC. Com o corte proposto, isso não seria possível. Ainda segundo o estudo, os setores mais afetados seriam o automotivo, eletroeletrônico, de calçados, têxtil e vestuário e químico.
Uma das bases do relatório do Observatório Social é a abertura ocorrida na América Latina e no Brasil durante a década de 1990. “A tarifa média praticada hoje, de 10,8%, existe por conta de uma redução brusca das tarifas industriais brasileiras durante este período, quando ocorreu uma eliminação de 1,9 milhão de empregos na indústria, de 1990 a 1999”, explica Alexandre de Freitas Barbosa, pesquisador do Observatório Social e um dos autores do estudo. Segundo ele, a causa foi o corte nas tarifas aliado a um crescimento muito pequeno do PIB industrial, a uma forte valorização da moeda entre 1994 e 1998, com o Plano Real, e a política de juros altos. Para Barbosa, caso as tarifas sejam reduzidas novamente de forma drástica – e com as demais condições permanecendo praticamente as mesmas –, “estaríamos matando um processo de reindustrialização pós-1999”.
Agenda do Agronegócio
Ainda segundo o pesquisador do Observatório Social, a visão do Ministério da Fazenda, que apóia a proposta dos países ricos, é totalmente equivocada ao focar apenas na produtividade. “Obviamente, ela vai aumentar, mas só nas empresas que sobrarem. Nossa idéia é uma produtividade que expanda a base industrial e de empregos”, diz. No entanto, mesmo a postura do MRE merece ressalvas, na opinião de Adriano Campolina, diretor da ActionAid (organização não-governamental que atua no combate à pobreza) para as Américas.
Embora elogie a atuação do Brasil desde a criação do G20 (grupo de países em desenvolvimento, liderados por Brasil e a Índia), teme a possibilidade de o país considerar uma posição mais flexível nas negociações em indústria e serviços para obter acesso a mercados para a agricultura exportadora – que causa danos ao meio ambiente, não distribue renda, gera pouquíssimos empregos e não produz alimentos básicos para a população.
“O que nos preocupa é que, para atender aos anseios do agronegócio, comprometa-se tanto os interesses da agricultura familiar quanto os vinculados às questões de bens industriais e de serviços. Isso poderia ter impactos muito grandes em termos de desemprego e no acesso das pessoas excluídas à educação e saúde. Para nós, é algo inaceitável, seria um retrocesso”, diz.
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