O pensador egípcio Samir Amim é um dos ícones do Fórum Social Mundial. Nas seis edições do FSM, com seu jeito simples e despojado, ele sempre participou das principais atividades, seduzindo os presentes com suas lúcidas e instigantes palestras.
Em Caracas, foi um dos convidados do presidente Hugo Chávez para compor a seleta mesa no ginásio superlotado do Poliedro. As idéias lançadas pelo Fórum Mundial de Alternativas, do qual ele é presidente, foram endossadas pelo líder da revolução bolivariana. Num dos intervalos de sua carregada agenda, num café do Hotel Hilton, Samir Amin falou com otimismo sobre a evolução do FSM e o avanço das esquerdas na América Latina. A conversa exclusiva foi rica e cativante.
Para este atento observador, a luta contra o neoliberalismo está ingressando numa quarta fase. A primeira foi a da hegemonia avassaladora deste modelo, iniciada no final dos anos 80 com a derrota do socialismo e a vitória dos conservadores em vários países. “Foi um período muito difícil para as forças de esquerda. A palavra socialismo parecia ter sido extinta. Os que defendiam o socialismo eram vistos como superados pela história. O neoliberalismo era apresentado como a única alternativa. A esquerda ficou totalmente na defensiva”.
Já em meados da década de 90, com a eclosão das crises deste modelo, teve início a segunda fase, com a retomada das lutas sociais. Ele cita o levante em Chiapas, o surgimento do movimento contra a globalização neoliberal em Seattle e outros episódios que evidenciariam a fadiga daquela hegemonia.
A terceira fase seria a do encontro destes movimentos de resistência, com a realização do primeiro Fórum Social Mundial, em janeiro de 2001, em Porto Alegre. “O Fórum surge como desdobramento destas lutas. Foi uma iniciativa muito positiva e sintonizada com a realidade. Conseguiu envolver vários movimentos, numa rica diversidade”. Com a realização do fórum em Bamako, na África, e em Caracas, na América Latina, Samir Amin avalia que a luta contra o neoliberalismo está agora ingressando numa quarta fase. “Antes, a visão que predominava era a da negação da luta política, da atuação localizada e atomizada. A predominância nos fóruns era das organizações não-governamentais (ONGs). A sexta edição do fórum altera esta correlação interna. Ganha força a necessidade de uma estratégia positiva anticapitalista”.
Samir Amin não disfarça sua empolgação com esta nova fase. “Estou muito otimista. Acho que estamos iniciando um segundo ciclo da luta pelo socialismo. O processo não será fácil, são muitos os entraves e o socialismo ainda está distante. Mas estamos caminhando neste rumo”. Para ele, o fórum de Bamako deu novo impulso à luta dos povos africanos, asiáticos e latino-americanos contra a dominação imperialista, retomando num novo patamar o esforço de unidade das ex-colônias vivenciado após a II Guerra Mundial. Já o fórum de Caracas, segundo o pensador egípcio, foi marcado por um forte sentimento antiimperialista e retomou a reflexão sobre a urgência do socialismo. “Estes fóruns refletiram nossos avanços recentes”.
América Latina
Para ele, a América Latina é atualmente decisiva neste segundo ciclo da luta pelo socialismo. A região foi duramente golpeada pelo neoliberalismo, realizou importantes e diversificadas experiências de resistência social e política e hoje já caminha para as alternativas concretas ao projeto neoliberal. “Os avanços das esquerdas na América Latina, inclusive com as recentes vitórias eleitorais, são extremamente positivos e animadores. Indicam que o imperialismo e o neoliberalismo não são invencíveis, que é possível construir alternativas à lógica do mercado capitalista. Mas não dá para se iludir e subestimar as forças do império. Estes são apenas os primeiros passos no início deste segundo ciclo”.
Quanto à experiência brasileira sob o governo Lula, Samir Amim prefere ser cauteloso. Afirma que não há modelos e que cada país tem suas particularidades. “O Brasil tem muito peso na ordem mundial, não é um país qualquer. Exatamente por isso, essa experiência é muito condicionada pelas pressões internas e externas que são violentas. O importante é que não haja retrocessos. O perigo é que esta experiência seja rompida pela direita e não superada pela esquerda”. Para ele, o avanço das esquerdas na América Latina ainda é frágil. “Mesmo na Venezuela, o poder do capital financeiro, das corporações e da mídia é muito forte”. Por fim, o renomado intelectual alerta para a urgência de “reconstruir e fortalecer os instrumentos políticos da esquerda e repensar a relação com os movimentos sociais organizados. Há contradições de interesses e objetivos entre estes dois agentes e é preciso avançar nesta relação, garantindo a autonomia”.
Pena que a conversa tenha acabado. Pago os cafés com alegria. Samir Amin sai correndo para mais uma atividade no Fórum Social Mundial em Caracas. A sua energia é impressionante; sua paixão pelas causas populares é explícita; seu sentimento antiimperialista é agudo; suas idéias são enriquecedoras e generosas.
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