Manifestação de nazis, em 16 de Março, 2005 em Riga

Os eventos que ocorreram nessa quarta-feira, 16 de Março de 2005, em Riga (Letónia), inflamaram os espíritos em toda a Europa Oriental e na Rússia, mas é improvável que a imprensa atlantista os relate. De facto, falam por si e revelam um aspecto inaceitável da NATO e da União Europeia, desde o alargamento de 1 de Maio de 2004.

Por iniciativa da Associação Nazi do Clube 415 e pelo quinto ano consecutivo, mas pela primeira vez dentro da União, várias centenas de Waffen SS marcharam pelo centro da capital. A manifestação, que havia sido autorizada por deliberação do Conselho da Cidade de Riga, foi protegida pelas forças de segurança, enquanto os contra-manifestantes pacíficos foram brutalmente reprimidos e cerca de 20 deles foram presos.

Não se trata de um confronto popular entre skinheads da extrema direita e da extrema esquerda, mas um acto político reflectido, pessoal e maduramente organizado pela Presidente da República, que marca o culminar de um rápido processo de reabilitação do nazismo. Não se trata de uma provocação repugnante para uso interno, mas de uma estratégia internacional liderada pela NATO, de salários dados deliberadamente a organizações clandestinas a quem se tem de agradecer pela sua contribuição para a não sovietização da Europa e que já estão associadas a vários governos, particularmente na Ucrânia “laranja”.

Para compreender as apostas deste drama, é necessário um esclarecimento histórico.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazis constituíram 37 divisões da Waffen Schutzstaffel (Waffen SS), das quais apenas 12 eram exclusivamente de alemães [1]. A maioria das divisões foi recrutada entre as chamadas populações “arianas” dos países anexados ou ocupados. Embora os letões não sejam todos considerados “arianos”, foram alistados em massa. Dos 900.000 Waffen SS, cerca de 150.000 eram letões, constituindo assim o mais forte contingente estrangeiro, apesar do seu país não ter 2 milhões de habitantes. Eles constituíram, especialmente, a 15ª Divisão de Granadeiros, que foi a unidade não alemã mais condecorada da Waffen SS. Foram eles que se entrincheiraram em Berlim e travaram as últimas batalhas do Terceiro Reich.

As divisões SS letãs não combateram para defender o seu país, mas lutaram principalmente, contra a Resistência na Bielorrússia e na Rússia. A maioria era voluntária. No entanto, em 1944, recrutas aderiram às mesmas, alguns dos quais foram alistados à força.

Por outro lado, cerca de 130.000 letões alistaram-se contra o Eixo. A maioria lutou no Exército Vermelho que libertou o seu país do nazismo. No final das negociações entre os Aliados, a Letónia, bem como os outros estados bálticos, foi absorvida pela União Soviética.

Mesmo antes do fim da Segunda Guerra Mundial, os serviços secretos britânicos recrutaram agentes entre os criminosos de guerra nazis (incluindo membros do Arajs Kommando) para combater o comunismo e introduziram-nos na Suécia com a ajuda do SMT, o serviço secreto sueco. Uma unidade SS de 1.500 homens foi assim totalmente reconstituída, sob o comando do Coronel Osis, com o objectivo de atacar os soviéticos. Mas a ideia foi abandonada depois do Tribunal de Nuremberg ter qualificado a Waffen SS e todas as suas secções como sendo uma “organização criminosa”. Em 1949, esses agentes foram transferidos para Hamburgo (na zona alemã ocupada pelos britânicos) para serem tratados pelo MI6 ("Operação Selva"). Os "melhores" elementos receberam treino adicional na Grã-Bretanha. Foram todos integrados no que viria a ser a rede stay-behind da NATO, gerida conjuntamente por britânicos e por americanos [2]. Foram tentadas várias operações de paraquedismo e de infiltração para missões de espionagem e sabotagem. Mas todas falharam provocando uma repressão cruel da parte dos soviéticos. No final, esse método foi abandonado, em 1952, a favor das operações psicológicas [3].

Estas redes foram mantidas durante a Guerra Fria. Em 1997, a Alemanha revelou que ainda estava a pagar pensões a 50.000 antigos SS ou aos seus dependentes, em todo o mundo. Assim, a viúva de Reinhard Heydrich (o arquitecto da “solução final”) ou Heinz Barth (um dos responsáveis pelo massacre de Oradour-sur-Glane) continuaram a ser pagos por esses crimes [4].

Do ponto de vista dos anglo-saxões, este investimento não foi inútil. Forneceu uma estrutura para tomar o poder durante o desmembramento da União Soviética. E esse processo está longe de terminar. Assim, durante a recente «revolução» laranja [5], os agentes dessas redes, reagrupadas dentro do Congresso dos Nacionalistas Ucranianos (KUN) e do Partido pan-ucraniano da Liberdade (Svoboda, ex-SNPU) juntaram-se à "Nossa Ucrânia", a denominada coligação democrática de Viktor Yuschenko e deram-lhe a estrutura política necessária. Nenhuma dúvida é possível sobre a identidade nazi destas formações: a primeira inscreve explicitamente em todos os seus documentos, a menção "Fraction Stefan Bandera", enquanto a segunda usa o tridente e a suástica como símbolos. Sem mencionar os amigos da Sra. Timoshenko: a UNA-UNSO, uma organização paramilitar criada aquando do putsch de Moscovo, em 1991, que reivindica mais de 1.000 combatentes; homens que foram lutar com a CIA na Croácia e, mais tarde, ao lado dos rebeldes chechenos e na Geórgia.

Desta constelação, apenas o grupo Svoboda foi marginalizado, depois do seu líder, Oleh Tyahnybok, ter pronunciado o elogio dos que, durante a Segunda Guerra Mundial, "limparam o país de judeus e de russos", e exortou-os a seguir o seu exemplo, ao devolver a "Ucrânia aos ucranianos" e ao "libertar o país dos judeus moscovitas que o exploram" [6]. Tratava-se, sobretudo, evitar que as cruzes gamadas aparecessem na "revolução" laranja divulgada pela televisão, se bem que a maior parte dos manifestantes remunerados tinha sido recrutada nestas organizações nazis.

Seja como for, o KUN e o UNA-UNSO foram considerados interlocutores suficientemente limpos ou conhecidos, desde há muito tempo, para que o Secretário Geral da União Europeia e o antigo Secretário Geral da NATO, Javier Solana, aceitassem dialogar com eles.

O que se passa hoje - seja na Europa ou noutro lugar, por exemplo no Líbano, onde nos apresentam os falangistas como defensores da democracia! - não tem nada a ver com a ampliação da liberdade de que se orgulha o Presidente George W. Bush, mas com a continuação de uma política do pior, que começou durante a Guerra Fria e que já não encontra obstáculos.

É nesta perspectiva que o MI6 e a CIA assumiram o controlo da Letónia. Para favorecer o caos pós-soviético, eles colocaram na Letónia, os seus homens à frente do Estado. A população do país, desiludida, fala do "bando de estrangeiros", relata a jornalista Roumania Ougartchinska no seu trabalho mais recente [7]. A título de exemplo, o Gabinete para a Proteção da Constituição (SAB) [8], encarregado de defender a democracia, em particular, é dirigido por Janis Kazocinu. Este último é, na verdade, um general do exército britânico, que se tornou adido militar em Riga aquando da independência e depois, Assistente do Chefe do Estado Maior. Ele só assumiu a nacionalidade letã, na ocasião da sua nomeação.

Vaira Vike-Freiberga, Presidente da República da Letónia.

A Professor Vaira Vike-Freiberga desempenha um papel central neste dispositivo. A família desta cidadã do Canadá, que fugiu da Letónia na queda do III Reich, estava ligada aos agentes das redes da NATO, por meio de uma associação clandestina destinada à diáspora, os Falcões do Rio Daugava (Daugavas Vanagi). A família do seu marido, Imants Freibergs, passou pelo campo do MI6, na Alemanha, no final da Segunda Guerra Mundial. Professora de Psicologia na Universidade de Toronto, especialista sobre a influência das drogas no comportamento humano, Vike-Freiberg, instalou-se em Riga, no início de 1999, assume a cidadania letã e foi eleita Presidente da República na primavera; mandato que será renovado quatro anos depois.

No decurso dos últimos anos, a Presidente Vike-Freiberga empreendeu o trabalho longo e difícil, de reescrever a História da Europa. Segundo ela, a Letónia teria sido sucessivamente ocupada pelos soviéticos, depois pelos alemães e, novamente, pelos soviéticos; os letões que teriam aderido à SS, tê-lo-iam feito, apenas para encontrar um aliado a fim de libertar o seu país; no final, os crimes de uns e de outros seriam comparáveis. Para fazê-lo, ela baseia o seu raciocínio numa interpretação original do Pacto Ribbentrop-Molotov. Seria um tratado resultante do caráter totalitário comum ao regimes nazi e estalinista. A Alemanha actual não pode ser responsabilizada pelos crimes nazis, mas a Rússia actual ainda é culpabilizada pelos crimes estalinistas. Ora, esta leitura dos factos não corresponde à realidade: o Pacto Ribbentrop-Molotov é, antes de tudo, um prolongamento dos Acordos de Munique (Alemanha, França, Itália, Reino Unido) para especificar as zonas de influência no Leste depois da partilha da Checoslováquia entre a Alemanha, a Polónia e a Hungria. É também necessário integrar o papel da Letónia durante este período. Por último, só podemos surpreender-nos com a sua recusa de ter em conta a luta do Exército Vermelho para libertar a Europa da peste castanha (analogia à cor dos uniformes nazis); e de ter referido os letões que se juntaram ao Exército Vermelho, como traidores.

Seja como for, o novo credo em Riga consiste em demonizar os soviéticos sem distinção e reabilitar os nazis, que os combateram.

Em Janeiro de 2005, o governo letão publicou um livro intitulado "História da Letónia: Séc. XX." É afirmado no interior do livro, que o mesmo foi impresso com o apoio financeiro da Embaixada dos EUA. O lançamento foi feito durante uma conferência de imprensa pela Presidente da República. Pode ler-se com surpresa, entre outras coisas, que o campo de Salaspils, onde os nazistas realizaram experiências médicas em crianças e onde 90.000 pessoas foram assassinadas, era apenas um "campo de trabalho correctivo" e que os membros da Waffen SS eram os heróis da luta contra os ocupantes soviéticos.

Manifestantes antifascistas presos pela polícia em Riga em 16 de Março

Este livro, assim como vários manuais escolares, despertaram a ira dos parlamentares e do governo russo e a emoção em muitos países da Europa Central e Oriental.

Além do mais, Israel e a Rússia pediram formalmente à Letónia que não permitisse a reunião da Waffen SS em 16 de Março. O seu pedido foi rejeitado.

Finalmente, a Letónia aderiu à NATO e à União Europeia, durante o alargamento de Maio de 2004, de acordo com as ordens de Washington. Durante cinquenta anos, a União Europeia foi o resultado da vontade combinada dos Estados Unidos de unir a parte ocidental ao bloco atlantista para impedir a influência russa e que os europeus se unissem em vez de se destruírem. Hoje, os europeus ocidentais não precisam mais ser protegidos do "perigo vermelho" e reabilita-se o nazismo. Salvo suspensão imediata da Letónia, a União já não representa mais a paz.

Portanto, compreende-se bem que, em pleno período de ratificação do Tratado Constitucional Europeu, a imprensa atlantista não deseje dar conta dos factos. No entanto, a Agência France Presse, apresentou um despacho. O acontecimento é apresentado como uma comemoração dos "veteranos da Letónia recrutados forçadamente para as fileiras da Waffen SS alemã durante a Segunda Guerra Mundial"; era uma questão de "prestar homenagem a esses soldados legionários". Os contra-manifestantes não são qualificados como democratas pela AFP, mas como "radicais pró-russos" [9].

Tradução
Maria Luísa de Vasconcellos

[1Chiffres de 1944.

[2«Stay-behind : les réseaux d’ingérence américains» par Thierry Meyssan, Voltaire, 20 août 2001.

[3MI6, Inside the Covert World of Her Majesty’s Secret Intelligence Service, Stephen Dorril, chapter 16, The Free Press, 2000.

[4«War criminals get pensions», Associated Press, 7 février 1997.

[5«Ukraine : la rue contre le peuple», Voltaire, 29 novembre 2004.

[6«Ukraine : Ultra-right groups support Yushchenko» par Justus Leicht, The Guardian, 15 décembre 2004.

[7KGB et Cie, à l’assaut de l’Europe, Roumania Ougartchinska, Éditions Anne Carrère, 2005.

[8Satversmes Aizsardzibas Biroja

[9«20 arrestations lors de la marche en mémoire des Letttons enrôlés dans les SS», AFP, 16 mars 2005, 14h08.