O Rei Salman recebe o Presidente Vladimir Putin, o pacificador.

É um momento que só acontece uma ou duas vezes por século. Uma nova ordem mundial surge. Todas as referências anteriores desaparecem. Os que estavam condenados ao pelourinho triunfam enquanto os que governavam são precipitados nos infernos. Claramente, as declarações oficiais e as interpretações dadas pelos jornalistas já não mais correspondem aos acontecimentos que se sucedem. Os comentadores devem mudar o seu discurso o mais rápido possível, alterá-lo completamente ou ser engolidos pelo turbilhão da História.

Em Fevereiro de 1943, a vitória soviética face ao Reich nazi marcava a viragem da Segunda Guerra Mundial. A sequência dos acontecimentos era inelutável. Foi preciso, no entanto, esperar o desembarque anglo-americano na Normandia (Junho de 1944), a Conferência de Ialta (Fevereiro de 1945), o suicídio do Chanceler Hitler (Fevereiro de 1945) e, por fim, a capitulação do Reich (8 de Maio de 1945) para se ver levantar este mundo novo.

Num ano (Junho de 44-a Maio de 45), o Grande Reich fora substituído pelo duopólio soviéto-americano. O Reino Unido e a França, que eram ainda as duas primeiras potências mundiais, doze anos antes, iam assistir à descolonização dos seus Impérios.

É um momento como esse o que nós vivemos hoje em dia.

Cada período histórico tem o seu próprio sistema económico e constrói uma super-estrutura política para o proteger. Durante o fim da Guerra Fria, e da dissolução da URSS, o Presidente Bush Sr desmobilizou um milhão de militares dos EUA e confiou a procura da prosperidade aos patrões das suas multinacionais. Estes fizeram uma aliança com Deng Xiaoping, deslocalizaram os empregos dos EUA para a China, que se tornou a fábrica (usina-br) do mundo. Longe de trazer a prosperidade aos cidadãos dos EUA, eles monopolizaram os lucros, provocando progressivamente o lento desaparecimento das classes médias ocidentais. Em 2001, financiaram os atentados do 11-de-Setembro para impor ao Pentágono a estratégia Rumsfeld/Cebrowski de destruição das estruturas estatais. O Presidente Bush Jr transformou então o «Médio-Oriente Alargado» no teatro de uma «guerra sem fim».

A libertação numa semana de um quarto do território sírio não é somente a vitória do Presidente Bashar al-Assad, «o homem que desde há oito anos deve sair», ela marca o fracasso da estratégia militar que visava estabelecer a supremacia do capitalismo financeiro. O que parecia inimaginável aconteceu. A ordem do mundo mudou. O desenrolar dos acontecimentos vai tornar-se inevitável.

A recepção do Presidente Vladimir Putin com enorme pompa na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos atesta a espetacular reviravolta das potências do Golfo que se viram agora para o campo russo.

A igualmente espectacular redistribuição de cartas no Líbano sanciona o mesmo fracasso político do capitalismo financeiro. Num país dolarizado, onde já não se encontram mais dólares desde há um mês, onde os bancos fecham seus guichês e onde os saques bancários são limitados, não serão as manifestações anti-corrupção que irão parar o derrube (derrubada-br) da antiga ordem.

As convulsões da antiga ordem espalham-se. O Presidente equatoriano Lenín Moreno atribui a revolta popular contra as medidas impostas pelo capitalismo financeiro ao seu predecessor, Rafael Correa, que vive no exílio na Bélgica, e a um símbolo da resistência a esta forma de exploração humana, o Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, muito embora eles não tenham qualquer influência no seu país.

O Reino Unido já retirou as suas Forças Especiais da Síria e tenta sair do Estado supranacional de Bruxelas (União Europeia). Depois de ter pensado conservar o Mercado Comum (projecto de Theresa May), decidiu romper com toda a construção europeia (projecto de Boris Johnson). Após os erros de Nicolas Sarkozy, François Hollande e Emmanuel Macron, a França perde subitamente toda a credibilidade e influência. Os Estados Unidos de Donald Trump deixam de ser a «nação indispensável», o «gendarme do mundo» ao serviço do capitalismo financeiro para voltar a ser, eles próprios, uma grande potência económica. Retiram o seu arsenal nuclear da Turquia e aprestam-se a fechar o CentCom no Catar. A Rússia é reconhecida por todos como o «pacificador» fazendo triunfar o Direito Internacional que ela havia criado ao convocar, em 1899, a «Conferência Internacional da Paz» em Haia, cujos princípios foram depois pisados pelos membros da OTAN.

A Conferência Internacional para a Paz de 1899. Seria preciso mais de um século para compreender as suas implicações.

Tal como a Segunda Guerra Mundial pôs fim à Liga das Nações (SDN) para criar a ONU, este mundo novo vai, provavelmente, dar à luz uma nova organização internacional fundada sobre os princípios da Conferência de 1899 do Czar russo, Nicolau II, e do Prémio Nobel da Paz francês, Léon Bourgeois. Para isso, será preciso primeiro dissolver a OTAN, que tentará sobreviver estendendo-se para o Pacífico, e a União Europeia, Estado-refúgio do capitalismo financeiro.

É preciso entender bem o que se passa. Entramos num período de transição. Lenine dizia, em 1916, que o imperialismo era o estágio supremo da forma de capitalismo que desapareceu com as duas Guerras Mundiais e a crise bolsista de 1929. O mundo de hoje é o do capitalismo financeiro que devasta, uma a uma, as economias em benefício exclusivo de alguns super-ricos. O seu estádio supremo pressupunha a divisão do mundo em dois: de um lado os países estáveis e globalizados, do outro, regiões do mundo privadas de Estado, reduzidas a não ser mais do que simples reservas de matérias-primas. Este modelo, contestado tanto pelo Presidente Trump nos Estados Unidos, como pelos coletes amarelos na Europa Ocidental, ou a Síria no Levante, agoniza diante dos nossos olhos.

Tradução
Alva